domingo, 20 de maio de 2018

Director do Museu da Presidência alugou presépios de Maria Cavaco Silva por 30 mil euros / Ex-director do Museu da Presidência foi transferido para a Direcção Regional de Cultura do Centro




Uma história "deliciosamente" Portuguesa ... Começando pelo título da operação policial: "Cavaleiro"
.Além do facto que este "cavaleiro" foi agraciado também com uma colocação na Direcção Regional de Cultura do Centro ...
OVOODOCORVO regressa muito brevemente

Director do Museu da Presidência alugou presépios de Maria Cavaco Silva por 30 mil euros

Diogo Gaspar tentou enganar João Soares quando este era ministro e até conseguiu vender a Belém móveis que tinha roubado dali, diz Ministério Público, que acusou arguido de 42 crimes

Ana Henriques
20 de Maio de 2018, 7:32

Diogo Gaspar, o ex-director do Museu da Presidência da República acusado de ter desviado móveis e obras de arte de Belém, alugou a colecção de presépios de Maria Cavaco Silva por 30 mil euros, diz o Ministério Público.

Tudo se passou no Natal de 2011, quando as figurinhas da ex-primeira-dama rumaram a Espanha para serem expostas em Cáceres, na fundação Mercedes Calles y Carlos Ballestero. Apesar de estarem na altura à disposição do Museu da Presidência, não foi através desta entidade que os presépios foram cedidos. A procuradora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa que acusou esta semana Diogo Gaspar de 42 crimes, entre os quais abuso de poder, tráfico de influência e branqueamento de capitais, descreve a forma como o arguido criou firmas com dois amigos íntimos para prestarem serviços ao Palácio de Belém.

Foi através de uma delas, a Traço a Traço, que fez este negócio. “Apresentou a empresa à fundação Mercedes Calles y Carlos Ballestero fazendo crer que ela tinha a posse e disponibilidade dos presépios de Maria Cavaco Silva”, refere a acusação. Os 30 mil euros cobrados incluíram não só o aluguer como também a embalagem, o transporte e o seguro das peças, bem como os textos explicativos da exposição El Belén – Colección Maria Cavaco Silva. Mas quem afinal organizou tudo, assegura o Ministério Público, foram funcionários da secretaria-geral da Presidência da República.

Diogo Gaspar e restantes arguidos deste processo “apenas realizaram serviços parcelares, sempre em colaboração com funcionários do Museu da Presidência”. O agora arguido recebeu ainda 1350 euros da Traço a Traço a título de direitos de autor por ter elaborado os textos da exposição. Pagamento que, no entender da Polícia Judiciária, nunca lhe seria devido, uma vez que apenas executou tarefas decorrentes da função de director do Museu da Presidência.

Mas este foi apenas um dos muitos negócios de Diogo Gaspar. Oriundo de uma família de Portalegre, o historiador tinha, de acordo com o Ministério Público, o sonho de chegar mais longe: “Desenvolveu ambições políticas, nomeadamente a de ocupar a posição de presidente da Câmara de Portalegre ou de ficar à frente de uma eventual fundação” ligada às tapeçarias artesanais únicas produzidas naquela cidade.

Ciente das dificuldades financeiras que atravessava a fábrica Manufactura Tapeçarias de Portalegre, terá orquestrado um plano que passava por convencer o então ministro da Cultura João Soares a comprar a empresa e a transformá-la em fundação. A ele e a alguns amigos caberia uma percentagem do negócio. “Se a gente conseguir vender aquilo são cento e tal mil para cada um”, diz a um deles numa conversa escutada pela Polícia Judiciária.

Em Março de 2016 chega mesmo a almoçar com João Soares para lhe expor esta ideia, em que o governante, porém, não pega.
Presidência promoveu tapetes

A campanha de promoção que fez da fábrica chegou ao ponto de enviar cartas timbradas da Presidência da República para municípios, embaixadas e outros organismos oficiais propondo-lhes a compra de tapetes a preços promocionais. Entre 2012 e 2013 várias dessas missivas foram entregues por protocolo, pelos estafetas que a GNR tem no Palácio de Belém. Graças ao seu empenho, a fábrica conseguiu vender cerca de uma dúzia de peças.

Quando almoça com João Soares, o director do museu ignora que se encontra sob escuta e que, dali a escassos três meses, será detido pela Polícia Judiciária. Não sabe que está a ser investigado desde 2015, graças a uma extensa e detalhada denúncia recebida no Ministério Público. “Usa o seu cargo para construir uma sólida rede de tráfico de influências que utiliza em benefício próprio e dos que lhe são íntimos”, refere o denunciante. “Servindo-se de uma notável capacidade de argumentação, tem conseguido, ao longo dos anos, o aval financeiro dos sucessivos superiores hierárquicos para todas as iniciativas que toma, mesmo que a temática escolhida não se relacione com o museu."

O poder quase absoluto de Diogo Gaspar em Belém

A missiva alude a uma rede de parcerias com autarquias, dioceses e outras instituições, contactos dos quais o historiador teria sempre conseguido tirar dividendos pessoais. E ainda às frequentes ausências de Diogo Gaspar de Belém, sob pretexto de organizar exposições itinerantes. Há quem ironize dizendo que está “de licença com vencimento”. Por mais de uma vez subordinados seus vêem descontados do salário subsídios de refeição: para ser reembolsado de almoços e jantares fora de Lisboa, Diogo Gaspar diz que saiu em serviço com eles, apesar de isso não ser verdade.

Quando, em Junho de 2016, a Judiciária desencadeia a chamada Operação Cavaleiro, em homenagem aos títulos honoríficos concedidos ao historiador, encontra na casa do suspeito, em Lisboa, mas também na residência dos pais, em Portalegre, dezenas de peças de mobiliário, tapetes e quadros cuja proveniência tenta apurar. Nuns casos terão sido compradas ao Palácio de Belém por atacado em 2009 por um preço inferior ao de mercado, através das empresas dos amigos, concluem as autoridades, depois de ter sido o próprio arguido a indicá-los para abate; noutros tê-las-á levado simplesmente para casa. O valor unitário de cada uma delas nunca ultrapassa as centenas de euros.
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Entre as peças compradas por atacado figura um par de maples a que os investigadores dedicam especial atenção. Motivo: garantem que o historiador os vendeu três anos mais tarde à Presidência por 922 euros. Do mesmo lote fazia parte uma mesa bufete do século XVIII cujo restauro os investigadores dizem ter sido pago pelo erário presidencial e que só depois disso foi parar à casa do director do museu. Um colega de Diogo Gaspar contou à Judiciária que ele se mostrava disposto a vender a mesa à Presidência, pois entendia que esta fazia todo o sentido na decoração de Belém.

Quando foi interrogado, o arguido reafirmou que a mesa – que acabou vendida a uma leiloeira – era sua e lhe tinha chegado às mãos “em péssimo estado”.

Além de Diogo Gaspar, foram constituídos arguidos no processo três amigos do ex-director do museu, donos das empresas através das quais foram feitos os negócios em causa. Foi ainda extraída uma certidão destinada a abrir uma nova frente de investigação neste caso, relacionada com um ajuste directo feito pela Câmara de Boticas em 2012 à empresa que alugou os presépios. O objecto do contrato, no valor de 73.500 euros mais IVA, era a concepção de um projecto estratégico para o Centro de Artes Nadir Afonso. Por conta deste contrato, Diogo Gaspar recebeu 43 mil euros que não declarou ao fisco, refere a acusação.




Ex-director do Museu da Presidência foi transferido para a Direcção Regional de Cultura do Centro

Diogo Gaspar é suspeito de desvio de bens do museu instalado no Palácio de Belém. Vai trabalhar em Coimbra em três projectos ligados ao património, por um ano e a seu pedido.

Sérgio C. Andrade e Lucinda Canelas
6 de Fevereiro de 2018, 7:13

Diogo Gaspar, arguido num processo em que é acusado de furto de bens do Museu da Presidência da República, e que por essa razão viu suspensas as suas funções enquanto director da instituição, vai trabalhar durante um ano na Direcção Regional de Cultura do Centro (DRCC), em Coimbra.

O destacamento, noticiado no sábado pelo semanário Expresso (após uma primeira versão em que se dizia que teria sido requisitado pela Direcção-Geral do Património Cultural), foi confirmado ao PÚBLICO esta segunda-feira pela directora-regional de Cultura, Celeste Amaro, que enfatizou que Diogo Gaspar “continua a pertencer aos quadros do Museu da Presidência”. “Ele não passou a ser nosso funcionário, não é pago por nós”, esclarece Amaro, mostrando-se satisfeita por poder contar com a nova aquisição.

“Recebemos o dr. Diogo Gaspar com muito agrado. Não se tratou de nenhuma imposição, e ele veio trabalhar em três projectos que já estavam em curso”, acrescenta. A directora regional refere-se às rotas do Sagrado e das Catedrais, além do processo de elevação da Sé de Castelo Branco a monumento nacional.

Ao PÚBLICO, o assessor de imprensa da Presidência da República, Paulo Magalhães, confirmou também a aceitação do pedido de transferência de Diogo Gaspar para a DRCC ao abrigo do regime de mobilidade da administração pública, mas não avançou qualquer informação sobre o que o motivou, nem sobre as funções que o técnico terá naquele organismo afecto ao Ministério da Cultura. Oficialmente, Diogo Gaspar já está a trabalhar para a DRCC desde 1 de Fevereiro.

No museu, mas longe

Investigado desde Abril de 2015, o ex-director do Museu da Presidência da República é arguido num processo revelado no Verão de 2016 – na sequência de buscas da chamada Operação Cavaleiro –, por suspeita de crimes de tráfico de influência, falsificação de documento, peculato, peculato de uso, participação económica em negócio e abuso de poder.

Foi suspenso por um ano, como medida de coacção, e afastado do seu lugar no museu no Palácio de Belém, que desde Outubro desse ano passou a ser gerido pela também directora do Museu Nacional do Azulejo, Maria Antónia Pinto de Matos.

Em Julho de 2017, quando já passava um ano da sua constituição como arguido e porque o Ministério Público não tinha ainda produzido um despacho de acusação (situação que se mantém), Diogo Gaspar regressou ao seu lugar de técnico superior no quadro da secretaria-geral da Presidência da República, mas logo de seguida tirou férias. Continuou, depois, a trabalhar para o museu, mas longe das suas instalações em Belém.

Nos últimos cinco meses Diogo Gaspar, que na segunda-feira se manteve incontactável, tal como Maria Antónia Pinto de Matos, obedeceu a um plano de trabalho desenhado pelo museu e que, explicou a secretaria-geral da Presidência por email já esta terça-feira, lhe permitia manter-se em serviço externo, assegurando reuniões regulares com a directora e a apresentação de relatórios dos progressos feitos.

"O Dr. Diogo Gaspar manifestou interesse em que se encontrasse uma solução que lhe permitisse cumprir os seus deveres de trabalhador sem pôr em causa o curso das investigações no âmbito do processo em que é arguido", lê-se no referido email. "O museu propôs um conjunto de trabalhos sobre a República e biografias de mulheres condecoradas na República, com os quais o Conselho Administrativo concordou."

Fonte ligada ao processo explicou que ainda no ano passado o arguido pediu ao Ministério Público que acelerasse a investigação. Mas como mais recentemente requereu também novas averiguações, a Procuradoria Geral da República acedeu a dar aos procuradores encarregues do caso mais quatro meses para concluírem a investigação. No final destes quatro meses, em Maio próximo, o caso pode resultar numa acusação contra o antigo director do museu ou no arquivamento das suspeitas que sobre ele recaem.

"Conhecimento técnico"

Diogo Gaspar foi entretanto colocado na DRCC a seu pedido (embora tenha sido esta direcção regional a solicitar formalmente a mobilidade). Evitando responder à pergunta sobre se não haverá já na sua equipa outros técnicos que possam assegurar as funções que agora caberão ao funcionário da Presidência, a directora regional de Cultura do Centro disse apenas: “Conheço bem o valor do seu trabalho, o que fez no Museu da Presidência da República, mas também o conhecimento técnico que tem na área do património e em particular das rotas do Sagrado e das Catedrais.” O antigo director do museu da Presidência, que é licenciado em História de Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e concluiu posteriormente uma especialização em Ciências Documentais (vertente Arquivo), irá trabalhar em ligação com as dioceses de Castelo Branco e de Portalegre.

Amaro desvaloriza, de resto, o facto de Gaspar ser suspeito de desvio de bens patrimoniais. “[O facto de] ele ser arguido não me interessa nada – actualmente, metade dos portugueses são arguidos”, comentou, enfatizando que está "muito satisfeita por alguém querer ir trabalhar para o interior".

O pedido de mobilidade de Diogo Gaspar é de um ano, mas a Lei n.º 32/2014 prevê "um período máximo de 18 meses, podendo, excepcionalmente, ser prorrogado por mais seis meses", esclarece a Presidência no email já citado.

O melhor do Público no email

Em 2001, Diogo Gaspar foi nomeado coordenador do Museu da Presidência da República, que viria a inaugurar três anos depois, e manteve-se como director, em comissões sucessivas, até Julho de 2016. A última dessas comissões deveria ter terminado apenas em Setembro desse ano, mas a investigação policial de que o ex-director foi alvo por indícios de abuso de poder, tráfico de influência, peculato e participação económica em negócio, entre outros crimes, acabou por antecipar a sua saída.

Recomendação
PGR diz que inquérito que envolve ex-director tem de estar concluído até Maio

Em Fevereiro de 2016, antes da eclosão do processo, Diogo Gaspar foi agraciado pelo Presidente Cavaco Silva com a Ordem de Santiago, e tinha já sido também condecorado pelo Presidente Jorge Sampaio. com Ana Henriques

Notícia actualizada às 16h50 para acrescentar as informações enviadas por email pela secretaria-geral da Presidência da República.



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