quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Sem-abrigo de Lisboa terão centros diurnos para os ajudar a encontrarem um emprego


Sem-abrigo de Lisboa terão centros diurnos para os ajudar a encontrarem um emprego 

POR O CORVO • 15 SETEMBRO, 2017 •

A câmara municipal prepara-se para criar unidades de apoio para os que vivem na rua e procuram emprego. A iniciativa parece agradar a algumas instituições sociais, mas há quem defenda que o passo mais importante para a completa integração dos sem-abrigo será uma maior abertura da sociedade à sua inclusão no mercado de trabalho. Esta semana entrou ainda em funcionamento um Núcleo de Apoio Local na freguesia de São Vicente. O objectivo a longo prazo deste género de equipamentos será acabar com a distribuição alimentar nas ruas.

 Texto: Sofia Cristino                    Fotografia: Tiago Figueiredo

 A Câmara Municipal de Lisboa (CML) acaba de lançar um concurso para a criação de Centros Ocupacionais de Inserção Diurna (COID) para Pessoas em Situação de Sem-Abrigo que estejam activamente à procura de emprego. O vereador dos Direitos Sociais da CML, João Afonso, explica ao O Corvo que estes espaços surgem já na fase final do processo de reintegração dos sem-abrigo, destinando-se a “pessoas que já estão com capacidade para responder a uma oferta de trabalho ou a respostas ocupacionais, mesmo que sejam temporárias”. Esta é uma iniciativa no âmbito do Programa Municipal para a Pessoa Sem Abrigo 2016-2018 (PMPSA).

 “Os centros diurnos funcionam como centros de integração local. Já existem centros de integração local, mas não é suficiente. Tem de existir uma lógica de progressividade e este concurso surge numa fase mais avançada do nosso programa, como complemento ao alojamento”, esclarece. “Em todo este processo de reintegração não há um contínuo, a pessoa vai passando por várias fases e por vezes há um retrocesso, volta à sua vida, aos seus laços sociais e familiares. Estes centros são para pessoas que já estão em processo de reinserção, que já não estão a dormir na rua”, acrescenta.



Os novos centros, cuja localização não está ainda definida, terão uma capacidade mínima para albergar 25 pessoas. Cada utente deverá cumprir um Plano de Inserção Individual (PII), de preferência num prazo não superior a três meses, recebendo um acompanhamento individual diário contínuo. A câmara aceita candidaturas de projectos para a criação dos Centros Diurnos por parte de instituições particulares de solidariedade social e as que lhe são legalmente equiparadas, associações, fundações e outras pessoas colectivas privadas de âmbito social sem fins lucrativos. Cada um dos dois projectos vencedores receberá trinta e dois mil e quinhentos euros.

 Mas João Afonso diz que os COID “não são uma prioridade” da CML, indicando antes as Equipas Técnicas de Rua (ETR’s), o alargamento das respostas de alojamento e a criação dos Núcleo de Apoio Local (NAL) como medidas a que a autarquia dará primazia. “Os COID resultam de um trabalho com os nossos parceiros, que já têm experiência nesta área. O nosso papel aqui é só financiar os programas que eles próprios têm capacidade de montar já em articulação com o Centro de Emprego e com as Escolas de Formação Profissional. Nós não conseguimos fazer tudo, não temos recursos humanos para tudo”, acrescenta.

 Para Henrique Joaquim, presidente da Comunidade Vida e Paz, os centros diurnos representam “uma resposta importante, que virá contribuir para que se reforce e consolide o sucesso que se tem vindo a alcançar nesta área”. “As pessoas em situação de sem-abrigo, ainda que estejam todas na mesma condição – sem–abrigo -, têm processos pessoais e diferenciados que é crucial compreender o mais aprofundadamente possível. Ter espaços de acolhimento e acompanhamento durante o dia é essencial para poder ter uma intervenção de proximidade”, afirma.

 O presidente do Centro de Apoio aos Sem-abrigo (CASA), Rogério Figueira, acredita que a criação dos COID permitirá “criar uma base de trabalho mais consistente na cidade de Lisboa”. “Têm de ser criadas estruturas que apoiem as várias vertentes que permitem a completa integração social: alimentação, higiene, saúde (física e mental), habitação, formação profissional e inserção no mercado de trabalho. O enfoque em apenas uma destas vertentes resulta sempre num trabalho incompleto, que não se traduz numa real reintegração”, defende.

Em declarações a O Corvo, o vereador dos Direitos Sociais anunciou ainda que acabou de entrar em funcionamento um novo Núcleo de Apoio Local (NAL) na freguesia de São Vicente, na zona de Santa Apolónia. O qual, à semelhança do NAL de Arroios, consistirá num espaço para distribuir alimentos em melhores condições de higiene e em condições que favoreçam a sociabilização. “É uma localização onde há muitas pessoas sem-abrigo e muita distribuição alimentar. Estas pessoas passam a ter um espaço onde podem comer confortavelmente, todos os dias e a determinadas horas, com melhores condições de higiene alimentar e segurança, melhorando as próprias condições do momento da refeição, ao poderem lavar as mãos antes de comerem e fazendo-o sentadas”, explica.

 O NAL de São Vicente terá capacidade para cinquenta pessoas, um balneário, serviço de lavandaria e distribuição de roupa, tendo sido assinado um protocolo de delegação de competências com a Junta de Freguesia de São Vicente para a abertura do espaço.

 A CML já tinha anunciado que pretendia implementar estas estruturas em mais três zonas da cidade de Lisboa (Cais do Sodré, Restauradores e Parque das Nações). João Afonso não revela para quando a inauguração do próximo NAL, mas garante que são necessários mais e que estes espaços “deverão progressivamente substituir a distribuição de alimentos em rua”. “As pessoas alimentam-se em condições pouco dignas, sentadas nos passeios e encostadas a caixotes do lixo e, por isso, é que os NAL são tão importantes”.

 O NAL de Arroios, reaberto o ano passado sob a direcção do CASA, foi o primeiro NAL a surgir no âmbito do PMPSA. Tentaram abrir outro, mas não correu como o expectável. “Já tínhamos aberto um NAL na freguesia de Santo António, mas não correu bem porque os NAL têm um problema. Não é fácil arranjar um espaço NAL integrado na malha urbana, na vida de um bairro, porque são espaços sociais de porta aberta e há uma comunidade que também vive nas nossas ruas e, por vezes, o convívio não é simples”, admite o vereador.

 João Afonso considera, por isso, que “é necessário um processo de sociabilização, que é um trabalho feito pelas equipas técnicas de rua”. “Acabam por fazer esta mediação social entre quem vive na rua e quem não vive na rua”, explica. Nesse sentido, os NAL deverão, ainda, “incentivar o convívio com outras pessoas, sejam pessoas em situação de sem-abrigo ou outras e servirem de meio para explicarmos quais são as respostas que existem, estabelecendo uma ponte de comunicação que leva, muitas vezes – e já levou no NAL de Arroios -, a que muitas pessoas integrem outras respostas de integração”, adianta o autarca.

 Segundo dados disponibilizados pela CML, a partir de um diagnóstico feito pelas equipas da autarquia no terreno, estarão em situação de sem-abrigo cerca de 400 pessoas, havendo um número similar que já está inserido em respostas de emergência ou de inclusão. João Afonso acredita que é possível erradicar este fenómeno, mas alerta que se trata de um processo lento, “de avanços e recuos”.

 “A situação dos sem-abrigo é uma situação transitória. Qualquer pessoa que esteja em situação de sem-abrigo pode sair dela. Pode acontecer que estas pessoas passem por uma fase de negação, claro, mas não há pessoas que querem viver na rua. A situação de viver na rua é uma situação de risco”, afirma.


Sobre a diminuição do número de sem-abrigo da capital, Rogério Figueira, presidente do Centro de Apoio aos Sem-abrigo (CASA), defende que há “necessidade de criar novas respostas, mas também de ajustar e consolidar algumas já existentes”. “O primeiro passo passa por uma efectiva coordenação do trabalho das várias instituições e grupos, algo que está a dar os primeiros passos”, afirma, apontando ainda a importância da sensibilização da sociedade civil para ser mais interventiva, nomeadamente, estando aberta para a inclusão no mercado de trabalho das pessoas que conseguem sair da rua. “Conhecemos alguns casos de particulares que aceitam receber pessoas e algumas experiências têm corrido bastante bem”, diz.

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