domingo, 17 de setembro de 2017

CADA VEZ MAIS GENTE, CADA VEZ MENOS LISBOETAS! OVOODOCORVO.


EDITORIAL / PÚBLICO
Cidades-fantasma
17 de setembro de 2017, 6:43

O envelhecimento da população não é culpa das autarquias. Mas o afastamento dos jovens das maiores cidades e consequente envelhecimento da população já é. E quando Lisboa perde um terço dos jovens adultos isso é uma consequência directa das políticas promovidas pela liderança camarária.

O trabalho de jornalismo de dados que hoje publicamos confirma uma realidade que é conhecida por todos os que conhecem alguém com menos de 30 anos que tente sair de casa dos pais: é virtualmente impossível arrendar casa em Lisboa a preços comportáveis com os salários pagos aos jovens profissionais, já para não falar de quem estuda ou é precário — a situação agravou-se de tal forma que já nem partilhando casa ou procurando quartos é possível encontrar preços compatíveis. E o Porto vai pelo mesmo caminho, embora o problema tenha ainda dimensão menor.

Tudo isto tem consequências dramáticas para uma metrópole. O afastamento dos jovens para os subúrbios implica a descaracterização: desaparecem os serviços para as famílias (como as creches, as escolas, as lojas) que são rapidamente substituídos por serviços para os visitantes temporários. Quem fica sofre pela falta de condições, como os idosos cada vez mais isolados em pequenas ilhas rodeadas de turismo. Basta passar no Bairro Alto ao sábado de manhã para ver os idosos que ainda resistem a tentar não pisar os vidros partidos e as poças de urina e vómito deixadas pelo turismo que tanto nos dignifica e que tão bem promovemos. E isto, note-se, já depois de terem aguentado com o barulho insuportável que durou até às cinco da manhã. No Cais do Sodré e em várias zonas de Alfama, da Graça e da Sé é o mesmo; no Porto o cenário não é ainda este, mas pode bem ser, se não aprender com o que se está a passar em Lisboa.

A dupla Salgado e Medina não foi eleita, mas isso não a impediu de pôr em prática um plano cuja principal dimensão foi a sanha antiautomóvel. Não lhes ocorreu dar prioridade aos cidadãos mais jovens, que graças a uma série de factores — com o turismo à cabeça — está a ser escorraçada para fora da cidade. E para que fique claro: não há aqui qualquer crítica ao turismo, há crítica à incapacidade em lidar com os problemas que ele traz.

Um dia, um presidente de câmara menos condicionado pelas manias de grandeza de um arquitecto todo-poderoso terá de gastar milhões a inverter as obras cosméticas que tornaram a cidade de Lisboa intransitável. Talvez antes desse dia alguém se lembre dede voltar a colocar jovens na cidade.
Envelhecimento e rendas altas roubam jovens adultos a Lisboa
A capital foi o concelho onde o número de jovens adultos mais diminuiu. Dificuldades em encontrar casa contribuíram para a quebra. Mas o envelhecimento da população é a raiz do problema.

RITA MARQUES COSTA 17 de setembro de 2017, 8:28

Sair de Lisboa era a única forma que João Vargas tinha de morar sozinho. Aos 25 anos, era impossível suportar uma renda na capital sem partilhar casa – algo que fazia desde que, aos 18, começou a residir em Lisboa. Então, iniciou a sua busca. Procurou primeiro em Loures, Oeiras e Odivelas, mas “as casas não eram tão boas e continuavam a ser caras”. Então, decidiu-se por Almada, na margem sul do Tejo.

Hoje, passado ano e meio, vive sozinho num T2 novo, em Almada, por 550 euros por mês e trabalha em Lisboa, onde é gestor de operações numa empresa multinacional.

Voltar a habitar na capital não estará para breve nos planos de João que, ao avaliar os prós e contras, diz que Almada ganha a Lisboa. A qualidade de vida na cidade do lado de lá do Tejo “é bastante boa e em termos de serviços tem tudo o que Lisboa tem, mas com menos confusão”. Depois, se por um lado Lisboa é melhor para sair à noite, em Almada está mais perto da praia. “Nunca pensei gostar da Margem Sul. Aliás, eu era daqueles que gozava com a malta de lá. E agora gosto mesmo de morar em Almada”, conta.

Contudo, por vezes a curiosidade surge e procura casas em Lisboa, semelhantes àquela onde agora vive. Estaria disposto a pagar 650 euros – valor extra que representa as despesas que tem com combustível – e “simplesmente não existe”.

É difícil saber quais os valores das rendas reais que são praticados actualmente, uma vez que os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) são de 2011 e as estimativas mais actualizadas, mas ainda assim incompletas, são apresentadas por consultoras imobiliárias.

No início desta década, em plena crise, as rendas no concelho de Lisboa rondavam os 268 euros, segundo o INE. Em 2016, a consultora imobiliária CBRE dizia que a média eram 830 euros e apontava para o Parque das Nações (1080 euros) e para as Avenidas Novas (998 euros) como as zonas mais caras da cidade.

Apesar do efeito das rendas elevadas na saída dos jovens adultos de Lisboa, os investigadores que estudam a demografia da cidade ressalvam que o envelhecimento e a quebra da natalidade entre as décadas de 1980 e 1990 foram os grandes responsáveis pela diminuição do número de habitantes entre os 20 e os 34 anos.

Mas não faltam exemplos de jovens sobrecarregados com as rendas. Tiago Silva estudou e viveu em Lisboa, onde trabalhou depois de se licenciar e ainda morou na Dinamarca durante um ano. Quando regressou, voltar a viver na cidade estava fora de questão, por isso, foi morar com os pais, no concelho de Mafra.

Aos 27 anos, vive com a namorada num T1 em Mafra (a 40 quilómetros da capital) pelo qual pagam 250 euros de renda. “De vez em quando, procuro casas [em Lisboa], mas é difícil”, desabafa. Além de as rendas serem mais elevadas, agora trabalha a tempo inteiro em Mafra, num restaurante de uma cadeia de fast-food, o que torna a mudança ainda mais improvável. Ainda assim, a tomar a decisão de sair deste concelho, diz que optaria por zonas “mais baratas, como Sintra ou Mem Martins”.

João e Tiago não são os únicos. Nos fóruns online, há longas conversas sobre a experiência de quem saiu da capital para zonas mais periféricas e pedidos de conselhos de quem quer fazer o mesmo. Um utilizador diz no Reddit que está a ponderar ir viver para Fernão Ferro, no Seixal (a 20 quilómetros de Lisboa), com a namorada, porque não tem orçamento para arrendar casa em Lisboa. Outro diz que se mudou para a Margem Sul e que esta foi “a melhor decisão” que tomou. Também há quem defenda a permanência na cidade, mas muitos são apologistas de assentar arraiais fora.

Menos 29% de jovens adultos
As estimativas provisórias da população, avançadas pelo INE, indicam que o número de jovens entre os 20 e os 34 anos que habitam em Lisboa passou de 95.830, em 2011, para 67.916, em 2016, o que corresponde a uma redução de 29% durante este período. De todos os municípios do país, foi na capital que o número de residentes nesta faixa etária mais diminuiu. O fenómeno de redução do número de jovens adultos repete-se em toda a Área Metropolitana de Lisboa, mas é na capital que é mais intenso.

O INE explica que estes números “são calculados com base nos valores observados de nados-vivos e de óbitos e valores estimados dos fluxos migratórios”. Estas estimativas intercensitárias são provisórias e revistas após a realização dos censos à população, detalha o instituto.

Em algumas capitais europeias a tendência é semelhante. Dados do Eurostat e dos institutos de estatística nacionais, indicam que Riga, Madrid, Paris, Dublin e Londres também perderam jovens adultos nos últimos anos. Já em Oslo, Copenhaga, Roma, Helsínquia, Estocolmo e Berlim, o número de pessoas entre os 20 e os 34 anos aumentou.

Mas é preciso alguma cautela ao olhar para os números referentes a Portugal, ressalvam dois investigadores do Centro de Estudos Geográficos, da Universidade de Lisboa. Há o risco de estas estimativas reflectirem tendências que não coincidem com a realidade actual do concelho. Contudo, ambos reconhecem que há um decréscimo da população que vive em Lisboa e se insere nesta faixa etária. O envelhecimento da população e a diminuição da natalidade serão as principais causas.

De facto, em 1991, Lisboa tinha 138 idosos para cada 100 jovens (dos os 0 aos 14 anos). Em 2016, o indíce de envelhecimento subiu para 182. É o concelho mais envelhecido da sua área metropolitana.

Eduarda Marques da Costa, do Centro de Estudos Geográficos, explica que à medida que a população envelhece e o número de residentes diminui naturalmente, a estrutura demográfica da cidade altera-se e “o peso dos jovens vai diminuindo progressivamente”. Apesar disso, “na última década, já foram dados sinais de retoma da atracção de jovens activos com qualificações e salários médios altos para residirem em Lisboa”. Em freguesias como Benfica, Carnide ou Lumiar até “houve gente jovem que comprou casa em segunda ou terceira mão e ficou pela cidade”. Contudo, “este último fenómeno não compensa a tendência pesada de envelhecimento e perda natural”.

Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos, é céptico quanto aos valores para que apontam as estimativas. Apesar de tudo, reconhece que “ainda há uma pequena percentagem de saídas [de jovens] que não podem viver na cidade porque não conseguem pagar”.


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