domingo, 21 de maio de 2017

O Museu dos Coches vai ser inaugurado outra vez / "A situação do Museu dos Coches é uma vergonha"


O Museu dos Coches vai ser inaugurado outra vez

Mostrar o que foi feito para a rua dentro de casa; mostrar o que foi feito para andar, parado. Eis dois dos desafios que impõe um acervo como o dos Coches. Dois anos depois, a exposição está finalmente pronta.

LUCINDA CANELAS 19 de Maio de 2017, 7:35

Passaram dois anos da inauguração e o novo Museu Nacional dos Coches está já a ser reinaugurado. E isto porque só agora a colecção do museu, composta por dezenas de coches, carruagens, liteiras, cadeirinhas e todo o tipo de elementos acessórios deste mundo de homens e cavalos, vai ser exposta como inicialmente previsto.

A museografia concebida por Paulo Mendes da Rocha – o Pritzker brasileiro que assina o projecto do edifício com o português Ricardo Bak Gordon – e pelo arquitecto Nuno Sampaio está finalmente instalada, o que significa que os coches e carruagens que ali se mostram, produzidos entre os séculos XVI-XVII e XIX, deixaram de estar apenas estacionados nas duas grandes naves expositivas, têm agora alguma coisa a dizer.

As baias de aeroporto que antes os separavam dos milhares de visitantes do museu (383 mil visitantes em 2016, o que faz dos Coches o mais popular dos museus da Direcção-Geral do Património Cultural) foram agora substituídas por umas estruturas brancas assentes no chão a lembrar molduras, onde estão inscritas as legendas que identificam estes carros de reis, príncipes, bispos e infantes. É também nestas estruturas que servem de “caixilho” aos coches que estão fixados os monitores, uns estáticos e outros interactivos, que permitem explorar a colecção, acendendo ao seu contexto histórico, ao interior de alguns dos carros em 360º, às personalidades que a ela estão ligadas, às características técnicas destes veículos que muito evoluíram ao longo dos séculos e aos elementos decorativos que transformam cada um destes meios de transporte em guarda-jóias sobre rodas.

“Os elementos contemporâneos não podem sobrepor-se aos coches porque eles é que são as verdadeiras estrelas. As baias que escolhemos são no chão porque as verticais atrapalham a leitura das peças, sobretudo quando os grupos de visitantes são grandes.” A solução das molduras brancas que agora encontramos nas galerias não é um pormenor, diz Nuno Sampaio ao PÚBLICO, porque os Coches é “um museu de multidões”.

O projecto museográfico, lembra, foi concebido ao mesmo tempo que o do edifício, o que faz com que não haja "qualquer desencontro entre conteúdo e contentor".

Coches e cinema
Uma inauguração no Museu dos Coches, ainda à espera da sua grande exposição
Uma inauguração no Museu dos Coches, ainda à espera da sua grande exposição
O desafio a que os autores da museografia tiveram de dar resposta, acrescenta este arquitecto português, não teve apenas a ver com a apresentação de um acervo histórico num edifício contemporâneo: “Era preciso garantir que a museografia dava acesso a vários níveis de leitura da colecção, que cativava os estetas, que só se interessam pelo objecto, pela pintura e pela escultura, e também os que são atraídos pela mecânica da coisa, sem deixar de fora as crianças – um público importantíssimo – e os que são simplesmente curiosos.”

Quando esta sexta-feira for reinaugurado pelo ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes – encerrado para a instalação da museografia desde 26 de Abril, o edifício só reabre ao público no dia seguinte, com entrada gratuita –, o museu já terá a correr, nas duas grandes paredes imaculadamente brancas das naves expositivas em que muitos dos coches se alinham como se de um desfile no Terreiro do Paço em tempo de monarquia se tratasse, as grandes projecções que ajudarão a criar ambiente e a fazer a ligação ao cinema que sempre existiu na cabeça de Paulo Mendes da Rocha.

"Você conhece aquele filme de Mastroianni sobre Casanova [Casanova e a Revolução, Ettore Scola, 1982]?”, perguntava o arquitecto brasileiro ao PÚBLICO em Março de 2013, “há coches por todo o lado": "Os coches fazem-me pensar em cinema, ficam muito bem na tela."

A instalação sonora, que reproduzirá música do século XVIII ou o som dos rodados de um coche na gravilha, também estará a funcionar, proporcionando a quem ali entre, diz Sampaio, não apenas uma visita, mas uma “experiência”.


Aos que criticam os gastos que consideram “excessivos” – 1,1 milhões de euros, segundo Nuno Sampaio – numa museografia que depende demasiado da tecnologia, algo que rapidamente se desactualiza, o arquitecto português responde: “Aqui a tecnologia não se interpõe, não separa a pessoa do objecto. Mais, se algum monitor avariar, pode ser rapidamente retirado sem que o visitante dê pela sua falta. O mesmo se passa com as projecções. Além disso, as estruturas das molduras, que se montam como um lego, permitem actualizações do discurso da exposição, permitem mudar os coches de sítio sempre que se quiser.”


Vergonha e afronta à cidade de Lisboa constitui a forma, desde o início, de como todo o processo decorreu.
Iniciativa de um Ministro e de um Primeiro Ministro decididos a deixarem marca dinástica da sua "passagem" pelo País e escolhendo estratégicamente como sítio, O Local/Arquétipo da Lusitanidade : BELÉM .
Além deste objecto não necessário e não desejado ter custado uma fortuna, ele constitui um ATENTADO irreversível, pela sua inserção arrogante e autista por um membro do StarSystem da Arquitectura Internacional, a toda a envolvente.
Como pode então este Engenheiro deslumbrado pelos grandes nomes, afirmar impunemente e descontraído,  "E há uma coisa que é muito bonita no projecto, que é a relação da nova construção com as casas da Rua da Junqueira. Ele consegue fazer essa relação de uma forma diferente daquela que alguém faria cá. Nesse aspecto, digo que é um choque, porque qualquer arquitecto português, ou europeu, faria com uma escala muito menor do que aquela que ele quis pôr ali frente ao Tejo."
Sim ... a "situação" do Museu dos Coches é uma vergonha e um choque, pelos seus custos/despesismo ofensivos, pela sua inadaptação para a função pretendida, pelo atentado a toda a escala/carácter/identidade/memória do Local e Património envolventes e precisamente, portanto, literalmente pelo sítio onde está SITUADO !
António Sérgio Rosa de Carvalho


Extracto da entrevista com Rui Furtado, engenheiro portuense e o engenheiro do Museu dos Coches escolhido por Paulo Mendes da Rocha. ( Público"A situação do Museu dos Coches é uma vergonha"/ 13-10-2013)http://www.publico.pt/entrevista/jornal/a-situacao-do-museu-dos-coches-e-uma-vergonha-27233861


( ...) Como é que foi escolhido para o Museu dos Coches?
O Paulo veio visitar o Estádio de Braga em 2003, estava ele já bastante adiantado. Estava o Eduardo [Souto de Moura] e eu para o receber, demos uma volta pelo estádio, e ele, naturalmente, criou uma grande empatia com a obra. Porque o estádio é a obra mais brasileira do Eduardo, tem um cariz que se encaixaria perfeitamente na Escola Paulista. É uma obra muito dura, muito minimalista, sem adorno. É uma obra que exibe o êxito da técnica. São exactamente estas as palavras que o Paulo usa, e que a Escola Paulista usava.
O Paulo adorou o estádio, e ficámos amigos. Entretanto ele tinha já também uma relação de empatia com o Ricardo Gordon, em Lisboa. E quando foi convidado para fazer os Coches, lembrou-se de nós os dois, enviou um email a cada um a perguntar se estávamos interessados em trabalhar com ele. Obviamente dissemos logo que sim.

Como vê a situação actual do Museu dos Coches?
A situação é uma vergonha, que leva a que o povo desacredite da política. Eu posso compreender que, a determinada altura, um Governo questione uma opção que foi feita antes. Mas estão 31 milhões de euros investidos no edifício, que está pronto - e a que falta um milhão e meio de euros, que estão cativados no Turismo, para acabar o projecto. E não se abre.

O secretário de Estado da Cultura justificou a situação dizendo que o funcionamento custaria 3 milhões de euros/ ano, que são precisos para outros fins...
A questão é muito simples. A encomenda foi de um museu para um milhão de visitantes. Evidentemente, o museu tem uma perspectiva de exploração para esse milhão de visitantes. E isso, naturalmente, vai gerar receitas equivalentes. Não se compreende que ele continue fechado, situação que vai já custar muito dinheiro. E não está a render rigorosamente nada. Vai acontecer como com o Pavilhão de Portugal, que é outra das vergonhas nacionais. Este é um tema que urge repensar. O Eduardo respondia, outro dia, de forma muito directa a uma pergunta sobre os Coches: "É muito simples, o Museu dos Coches é uma obra de regime e, como tal, não pode ser inaugurado por outro regime"... Isto acaba por conduzir ao descrédito da política.

Disse numa entrevista a uma revista brasileira (ProjetoDesign), que a construção do Museu dos Coches "foi um choque completo para a arquitectura portuguesa". Porquê?

Foi. Exactamente por isto. O edifício tem uma dureza, e sobretudo uma escala, que o brasileiro tem e o europeu não tem. Nós, em Lisboa, olhamos para o Museu dos Coches e dizemos assim: "Isto é completamente diferente do que se costuma fazer". O projecto do Paulo é de uma síntese incrível. Se o problema é fazer, em sete mil m2, um museu para meter os coches, então vamos levantá-lo - porque sete mil m2 no chão é um monstro - e dar uma praça à cidade. E há uma coisa que é muito bonita no projecto, que é a relação da nova construção com as casas da Rua da Junqueira. Ele consegue fazer essa relação de uma forma diferente daquela que alguém faria cá. Nesse aspecto, digo que é um choque, porque qualquer arquitecto português, ou europeu, faria com uma escala muito menor do que aquela que ele quis pôr ali frente ao Tejo.


Foi você que pediu uma garagem para coches antigos?
A Opinião de António Sérgio Rosa de Carvalho.27/08/2011 in Público.


Belém, espaço simbólico da lusitanidade, é caracterizado de forma única pela luminosidade do Tejo-Oceano, pelo tom pastel do seu edificado vernáculo e erudito e pelo simbolismo da sua vegetação arquetipamente mediterrânica.
Este espaço de identidade foi criado por várias gerações, num processo acumulativo, baseado num consenso de leitura, apreciação e reconhecimento da sua importância. Na Praça Afonso de Albuquerque, a elegância apropriada do estilo "Seize" do Picadeiro Real e a erudição neoclássica dos seus interiores constituem o contexto perfeito para a apreciação da internacionalmente reconhecida colecção de coches.
O êxito do museu ilustra um produto cultural consolidado, com desafios de conservação, mas perfeito no seu conjunto.
Num processo apressado, sem concurso público, decidido por um ministro pouco económico (mais do que três dezenas de milhões) determinado a deixar marca de regime através da afirmação pelo contraste e ruptura, este projecto deixa-nos preocupados.
Acima de tudo porque é um símbolo de um despesismo inconsciente e irresponsável, destruidor de um equilíbrio perfeito já existente e criador de novas despesas num futuro muito incerto de penúria e crise no universo do património cultural e museus.
Além disso, ao o compararmos na mesma zona com o Centro Cultural de Belém, concluimos que o projecto do mesmo revelava preocupações de contextualização arquitectónica com a envolvente, esta já determinada na Exposição do Mundo Português em 1940. Volumetrias sintonizadas com a massa dos Jerónimos, jardins suspensos para usufruto tanto do horizonte natural como simbólico, contextualização cuidada dos materiais, linguagem arquitectónica intemporal, monumentalidade apropriada à gravitas e "tectónica" da zona. Além disso, apresentava um programa de funções e de apropriação do espaço de usufruto quotidiano muito claro na sua relação com a arquitectura.
Ora o novo Museu dos Coches, apesar das suas promessas de valorização urbana e pretendidas garantias de vivência turística (elevação do solo); apesar da sua pretensão de monumentalidade minimalista, capaz de valorizar através da imensidão abstracta e branca a exposição de objectos de "ourivesaria" movíveis (coches), deixa-nos muito apreensivos. Porque, apesar de todos os argumentos, é um projecto formalista, dirigido fundamentalmente à forma e estilo do objecto arquitectónico, ao qual a função tem que se adaptar, afirmando-se este objecto pela ruptura, tanto em forma como em materiais.
Enfim, receita apropriada e aliciante para políticos que desejam deixar marca dinástica de regime, mas altamente preocupante quando falamos do Genius Loci de Belém e das suas características cuidadosamente consolidadas.
O projecto lembra-nos um modelo de garagem com rampas, saído de uma miniatura do nosso quarto de brincadeiras, ou um espaço caricatural de um filme de Jacques Tati.
A imensidão branca e clínica dos seus espaços interiores (salas ou hangares [?] com 130 metros por 20 e oito de altura) vai obrigar ao restauro exaustivo de todos os objectos, expostos agora a um escrutínio detalhado e implacável. Os seus espaços ("praça" e rampas) exteriores correm o risco de confirmarem a sua vocação de "garagem", ou no place vazio, inóspito e sujeito às correntes de ar - enquanto a elegância perfeita e erudita do picadeiro fica condenada à subavaliação e subutilização.
Um projecto desnecessário, como até António Costa reconheceu publicamente. No entanto, a Associação de Arquitectos, tal como no Largo do Rato, veio apoiar publicamente com 200 assinaturas este projecto, apesar de ausência de qualquer concurso.
Continua a ser a associação, tal como os seus estatutos o afirmam, uma instituição de utilidade pública, ou transformou-se descaradamente num clube de interesses corporativos?
Historiador de Arquitectura

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