quarta-feira, 31 de maio de 2017

Hoteleiros defendem alojamento local sem autorização do condomínio só até 60 dias por ano



Hoteleiros defendem alojamento local sem autorização do condomínio só até 60 dias por ano
A polémica do alojamento local e dos “novos turistas” voltou a aquecer com a proposta do PS

31.05.2017 às 8h00

Associação dos hotéis acha “positiva” a autorização dos condomínios prevista na proposta do PS, e quer isentar desta obrigatoriedade só quem faça alojamento local até 60 dias por ano, numa proposta já enviada à Secretaria de Estado do Turismo. Mas dentro do PS as posições divergem. E os deputados desconheciam que este é o tema crítico da nova lei que o Governo vai fazer sair já este ano?

Os hoteleiros nacionais sempre defenderam que o alojamento local deve ser sujeito à autorização dos condomínios, sendo esta a tónica da proposta que a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) enviou à Secretaria de Estado do Turismo, no âmbito das alterações à legislação que o Governo está a preparar para o sector, cujo novo quadro de regras está previsto para o segundo semestre.

A AHP considera "positiva" a proposta dos deputados do PS ao sujeitar o alojamento local à autorização dos condomínios, mas reconhece que esta carece de ser "aprofundada e densificada". Segundo a proposta da associação de hoteleiros enviada ao Governo, a prática de alojamento local dispensando a autorização dos vizinhos devia ser restrita a 60 dias por ano, exigindo-se aos hóspedes no mínimo cinco dias de permanência - e só nestes casos o imóvel funcionaria com licença de habitação. Nos restantes casos, que para os hoteleiros já não se perfilam como de "alojamento temporário", os apartamentos deveriam requerer uma alteração de uso de espaço, e já não funcionar com licença de habitação, mas para uso comercial (tal como se quisessem instalar uma loja ou um escritório de advogados, por exemplo), e assim a utilização para alojamento local teria de ser sujeita à autorização dos condomínios. A AHP também propõe que aqui sejam feitos "ajustes de permilagem" para efeitos de IMI.

Segundo Cristina Siza Vieira, presidente executiva da AHP, os 60 dias por ano "não são um número absoluto, e pode ser estendido a 90 ou 120 dias. O importante é distinguir alojamento local de caráter esporádico que não carece de autorização do condomínio, daquele que já é um verdadeiro negócio permanente e duradouro. Porque não esqueçamos que o alojamento local hoje é um saco onde cabe tudo, e um hostel ou um bloco de apartamentos não tem o mesmo impacto de uma fração isolada. E hoje há operadores nesta atividade com uma lógica de investimento, potenciada pelos vistos Gold Visa e a valorização imobiliária de Lisboa, e o alojamento local ganhou uma escala que é preciso ser olhada - sem pôr em causa o seu papel na reabilitação e como amparo de muitas famílias".

Na nova lei de alojamento local que o Governo está a preparar para o segundo semestre, os hoteleiros pretendiam ainda tirar desta categoria o chamado "alojamento coletivo com serviços", como os hostels ou outras unidades de hospedagem, que passariam a ser considerados "empreendimentos turísticos". No alojamento privado, a AHP quer limitar a utilização como alojamento local a um máximo de nove unidades por edifício, e no caso das moradias (onde a questão da autorização dos condomínios não se coloca) restringir esta atividade a um máximo de 9 quartos e trinta hóspedes. Proibir que apartamentos arrendados para habitação possam funcionar como alojamento local é outra reivindicação que consta proposta da AHP.

"Estamos a falar de uma modalidade que já representa 50% da oferta do nosso país", frisa a presidente executiva da AHP, frisando que o Governo deve traçar rapidamente "linhas mestras" para esta atividade, face aos "desequilíbrios e conflitos com residentes" que está a gerar, e que as câmaras devem ter uma palavra a dizer na "definição de quotas", pois "a realidade de Lisboa não é a mesma que de Peniche ou de Albufeira".

"70% DO ALOJAMENTO LOCAL IA DESAPARECER"
A proposta da associação de hotéis é considerada "uma posição extrema contra o alojamento local" no objetivo "óbvio de acabar com o que entendem ser concorrência", segundo a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). "Sempre que surge uma atividade inovadora ou um novo tipo de oferta num sector tradicional, é comum haver resistência de quem já opera, bem como a tentativa de criação de barreiras à entrada ou funcionamento dos novos 'players'. Mas há limites para tudo", sustenta a ALEP sobre a proposta da AHP para a alteração da legislação do alojamento local.

Mais de 70% do alojamento local que atualmente existe "poderia desaparecer ou ser drasticamente afetado" com a proposta dos hoteleiros - alega a ALEP, frisando que também poria "em causa os rendimentos principais ou complementares de 22.500 famílias". Sobre a autorização dos vizinhos, a associação lembra que na prática significa acabar com o alojamento local: "Quem conhece a realidade dos condomínios sabe que é quase impossível aprovar algo que a maioria dos condóminos não veja como um ganho pessoal e imediato. Basta lembrar por exemplo a dificuldade que é aprovar obras no telhado que afetam apenas alguns proprietários"

O que a proposta feita a seco pelos deputados do PS parece ignorar é a profunda complexidade jurídica envolvida na questão e que já tem feito correr rios de tinta, ao exigir que pura e simplesmente se proíba a prática de alojamento local sem haver autorização do condomínio. O que está em causa neste campo é perceber se com o alojamento local se deve alterar ou não o título constitutivo da propriedade horizontal de uso habitacional para uso comercial - e daí que os tribunais de Lisboa e do Porto já tenham tido decisões opostas relativamente a queixas dos condomínios sobre casos de alojamento local em frações dos seus imóveis. Mas também aqui é preciso ter em conta que o alojamento local se reveste de múltiplas formas, e se um residente permanecer em casa enquanto recebe turistas (ou mesmo que ocasionalmente se ausente para o efeito), esta continua a ter uso de habitação.

A autorização do condomínio é um dos pontos mais críticos da legislação que a secretária de Estado do Turismo prepara para o alojamento local, e que mexe com um quadro jurídico de leis antigas que não estavam preparadas para esta nova realidade. Conseguir uma lei equilibrada, capaz de agradar aos hoteleiros por não lhes fazer "concorrência desleal" (mas também aos outros parceiros), pacificar os discursos da "turistificação" crescente de Lisboa, mas sem pôr em causa a ajuda que este tipo de alojamento privado está a dar às famílias e também ao aumento dos resultados turísticos é o mais importante coelho que terá de tirar da cartola - e nesta altura do campeonato, o que menos jeito dava à secretária de Estado do Turismo era esta bomba de ruído sobre o alojamento local vinda do próprio PS.

PS DIVIDIDO SOBRE DAR MAIS PODER A CONDOMÍNIOS
Mesmo no interior do grupo parlamentar do PS, a proposta socialista de dar mais poder aos condóminos gerou controvérsia. Foram vários os deputados que vieram publicamente contestá-la. Helena Roseta, em artigo de opinião no Público, considerou que se tratou de uma "medida avulsa" que não resolve o problema da "clara falha de mercado do arrendamento urbano".

"Não creio que um fenómeno como este, em que as plataformas de interação entre oferta e procura também desempenham um papel decisivo, contribuindo para a sua expansão e aceleração, se resolva com leis 'cirúrgicas' como a que o PS acaba de propor. Para legislar melhor, temos de conhecer bem os problemas, estudar os seus impactos, sobretudo quando são contraditórios, e ouvir as partes interessadas. Não foi este o caminho agora seguido pelo projeto de lei do PS e é pena", escreveu a deputada, considerando que ,"mais do que propor medidas avulsas, temos de identificar o que tem de ser mudado ao mesmo tempo em várias políticas públicas".

Os deputados Sérgio Sousa Pinto e João Paulo Pedrosa não esconderam também o seu desacordo. Nas redes sociais, vieram imediatamente lamentar a ideia dos seus colegas de bancada Carlos Pereira e Filipe Neto Brandão, que querem fazer depender os negócios de alojamento local de autorização do condomínio.


"Quem vai agora dar o tal aval? O que é o direito de propriedade? O que é a autonomia privada? Não são os apartamentos a única forma de propriedade, o único "ativo" da maioria das famílias? Não havia formas menos gravosas, como rever a distribuição dos custos do condomínio?", questionou Sousa Pinto. "A questão da diferenciação dos custos do condomínio é necessário e urgente. Nem sequer devia esperar. Turistas a carregar malas para cima e para baixo, degradação de escadas, espaços comuns, aumento exponencial de luz, etc, e a pagar uns míseros cêntimos como o idoso que nem sequer sai à rua. Devia ser feito primeiro que tudo. Temo, pois, que daqui a um ou dois anos ainda andemos a falar disto", defendeu também João Paulo Pedrosa.

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