sexta-feira, 17 de março de 2017

Lisboa: providência cautelar trava demolição na Praça das Flores


O projecto de Souto Moura construído no Porto muito semelhante ao proposto para a Praça das Flores

Lisboa: providência cautelar trava demolição na Praça das Flores
A construção de um edifício do arquitecto Souto de Moura está, para já, suspensa. Associações da comissão organizadora do Fórum do Património vão avançar com acção popular contra a câmara.

JOÃO PEDRO PINCHA 17 de Março de 2017, 8:35

Foi suspensa a demolição de um edifício na Praça das Flores, em Lisboa, situado no mesmo local para onde está previsto um prédio de linhas contemporâneas desenhado por Eduardo Souto de Moura. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa aceitou uma providência cautelar apresentada por três associações de defesa do património, que alegam que a destruição do prédio existente vai traduzir-se na "perda de identidade" daquela zona.

"Foi demonstrado que a decisão do responsável da Câmara Municipal de Lisboa que considerou que aquela situação era excepcional não fazia sentido", explica Vítor Cóias, presidente da comissão organizadora do Fórum do Património. Foram três das cinco associações que compõem a comissão organizadora deste fórum que, na segunda-feira, apresentaram a providência cautelar ao tribunal. "Apesar da possibilidade que existe de o responsável não seguir os pareceres dos seus técnicos, tem de fundamentar devidamente", sustenta Vítor Cóias, argumentando que, neste caso, "a falha está precisamente aí".

Uma fonte da Câmara Municipal de Lisboa garantiu ao PÚBLICO que a autarquia está a "preparar resposta" à providência cautelar, que pode ser contestada no prazo de dez dias úteis. À data da aprovação do projecto, o dono do lote era a empresa de investimentos imobiliários Greenparrot. O PÚBLICO tentou entrar em contacto com esta empresa, mas tal não foi possível até ao momento.

Como o PÚBLICO relatou em Fevereiro de 2016, a apreciação deste projecto foi pouco consensual nos serviços camarários. Eduardo Souto de Moura idealizou um prédio com cinco pisos de fachada em ferro, vidro e alumínio, assumindo "uma linguagem arquitectónica actual", de acordo com a memória descritiva. Os técnicos do Departamento de Projectos Estruturantes consideraram que a proposta não tinha “qualquer relação com a linguagem arquitectónica dos edifícios confinantes” e que o prédio a demolir “possui características arquitectónicas com relevância”. Além disso, "não se consideram reunidas as condições para a valorização arquitectónica e urbanística da área e do conjunto edificado em que se integra", escreveram ainda os técnicos sobre o imóvel de Souto de Moura.

Esse entendimento, no entanto, não vingou quando o processo chegou às mãos do director municipal do Urbanismo e do vereador com o pelouro, Manuel Salgado. Considerando que a arquitectura permite "vários olhares e todos eles válidos" sobre o mesmo projecto, o director municipal do Urbanismo escreveu que o edifício proposto "constitui uma valorização arquitectónica e urbanística da praça".

"Não se percebe para que é que servem os técnicos", desabafa Vítor Cóias, também presidente do Grémio do Património, que já tem o próximo passo delineado: as três associações "vão avançar com uma acção popular contra a câmara para o processo ser revertido". A ideia é que se defina um novo projecto "compatível com a ambiência e estética da Praça das Flores".

"O que queremos é que não se descaracterize o património construído de Lisboa", afirma Hugo O'Neill, presidente da Associação Portuguesa de Casas Antigas, uma das signatárias da providência, que considera que a nova construção, aprovada no Verão de 2015, "destoa completamente do tipo de arquitectura" da Praça das Flores. "Se não se fizer nada, há o risco de Lisboa se ir convertendo a pouco e pouco numa coisa sem identidade", pensa O'Neill.

Para os responsáveis do Fórum do Património, "isto é um pequeno passo" de uma estratégia maior "para fazer face a um lobby poderosíssimo da construção e do imobiliário", diz Vítor Cóias, que alerta para a "rápida descaracterização da cidade antiga".

Entretanto já chegou à Assembleia Municipal de Lisboa uma petição sobre este tema, lançada a meio de Fevereiro por Mariana Villas-Boas, uma lisboeta que também apresentou queixas a diversas entidades.



Sem comentários: