domingo, 5 de março de 2017

Cinco deputados ganham cem mil euros além do vencimento do Parlamento / Remunerações dos políticos “sem lei nem roque”


Cinco deputados ganham cem mil euros além do vencimento do Parlamento

Joana Almeida
Ontem 12:48

A remuneração está prevista na lei para deputados eleitos para entidades fiscalizadoras mas a bancada comunista não a vê com bons olhos.

Os cinco deputados, do PSD e do PS, receberam o ano passado quase cem mil euros extra por atividades no setor privado ou outros rendimentos. O Partido Comunista (PCP) defende que o montante pago pela secretaria-geral da Assembleia da República “não se justifica”, embora esteja previsto na lei para todos os deputados eleitos para entidades fiscalizadoras.

Segundo avança o ‘Diário de Notícias’, Filipe Neto Brandão, deputado socialista do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP); Ricardo Leite, médico e deputado social-democrata, do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN; António Gameiro, deputado socialista e membro do Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal (CFSIIC) e os dois deputados da Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado (EFSE), Teresa Leal Coelho, do PSD, e João Soares, do PS, são os cinco deputados que em 2016 receberam 99.676,23 euros, além remuneração como membros do Parlamento.

O salário extra recebido pelos membros destas quatro entidades fiscalizadoras, eleitas pela Assembleia da República, é visto pelo PCP como “injustificável”. “Desde que a lei passou a prever estas remunerações que o partido é contra”, sublinha o deputado comunista António Filipe, ao DN. “Entendemos que não se justifica, tendo em conta que as pessoas têm outras fontes de rendimento, incluindo a de deputados, função pela qual foram eleitos para estes órgãos”.


A maior parte destas quatro entidades fiscalizadoras, eleitas pela Assembleia da República, está a funcionar de forma incipiente, mas, segundo João Soares, um dos deputados em questão, a “remuneração está prevista na lei” e é um “disparate total” dizer que tiveram mais ou menos serviço em 2016 do que em anos precedentes.


Remunerações dos políticos “sem lei nem roque”

05.03.2017 às 17h00

Ex-deputado do PS denuncia “favela legislativa confusa e opaca” sobre salários e apela à “correção das disfunções”

Uma verdade incrível é esta: não são conhecidas as concretas remunerações de cada um dos deputados que elegemos. Não é só espinhoso calculá-las: é, na verdade, impossível”. A denúncia vem de fonte insuspeita: José Magalhães, constitucionalista, ele próprio deputado (entre 1983 e 2015, com interrupções) e antigo governante (foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, no segundo governo Guterres, e da Administração Interna e da Justiça, nos dois governos Sócrates). É apenas uma de muitas revelações, todas sem papas na língua, que o autor reuniu no livro “Políticos.pt — guia prático das remunerações de altos cargos políticos”, à venda na próxima semana, com a chancela da Aletheia.

Assegura que o que o move é combater o populismo, “não dar-lhe lenha para alimentar o ódio aos políticos e à democracia”. A obra tem o objetivo assumido de quebrar um tabu, abrindo uma discussão frontal sobre os vencimentos da classe política, pondo dedos em feridas que a classe política portuguesa há muitos anos sabe que existem mas ignora sistemática e — admite o autor — propositadamente.

Hoje em dia a atitude dominante do lado dos interessados é o silêncio. Podem trovejar na praça pública inexatidões, números com erros grosseiros, ataques soezes a pessoas concretas facilmente confundíveis com tiros certeiros. Os spin doctors de todas as cores recomendam o mesmo: bico calado. E os bicos calam-se”. Não é o seu caso: “Discordo da política do silêncio”.

O DIAGNÓSTICO...
José Magalhães, que há muito nos habituou à ironia cáustica das suas intervenções, escreve clarinho como água para todos os entendedores (bons ou maus): “A floresta legislativa, semeada ao longo de muitas épocas, desenha labirintos jurídicos tão difíceis de percorrer que facilita a confusão de quem quer entender e até de quem aplica (...). Assim sendo, podem nascer e crescer sem freio práticas aberrantes e remunerações sem lei nem roque”. Podem e nascem. O retrato é implacável: “Os diplomas sobre remunerações dos políticos foram proliferando sem critérios uniformes e visão de conjunto, cresceu uma espécie de favela legislativa confusa e opaca”. Um emaranhado que ele se propõe destrinçar com este livro, que sistematiza de forma clara as principais leis que determinam os vencimentos (e complementos remuneratórios) da classe política e expõe, preto no branco, as disfunções (algumas gritantes) que urge corrigir.

Como estas: desigualdades “injustificáveis” na remuneração dos deputados; pagamento de suplementos “sem fundamento bastante”; práticas que remuneram e incentivam “o grau zero de trabalho” nos círculos eleitorais; viagens parlamentares sem mecanismos de controlo; possibilidade “quase ilimitada” de faltar a reuniões; ausência de “medição fiável” do desempenho dos parlamentares; assimetrias remuneratórias “absurdas” e que “padecem de grave défice de controlo do uso dos dinheiros públicos” nas autoridades administrativas independentes que gravitam na orla parlamentar.

... E A CURA
Mas Magalhães não se limita ao diagnóstico, sugere medidas para a cura. Desde logo chamando à pedra o seu partido, o PS, que assumiu em programa eleitoral o compromisso, “cristalino e irrevogável”, de reformar o estatuto dos titulares de cargos políticos. “A hora é agora. Não deve perder-se tempo”. Essa revisão só vale se for “profunda” — ou, dito por outras palavras, “sem meias- tintas nem remendos ditados pelo medo de ferir a calma fruição de regalias injustificáveis” — e assumir o lema “o mandato a quem trabalha”. “É preciso garantir remuneração decente a quem não dormita na zona de conforto”, propõe o ex-deputado, ao mesmo tempo que avança que “as mordomias devem ser eliminadas, com efeitos imediatos”.

É igualmente imprescindível, sublinha, estabelecer “uma fronteira nítida entre a política e os negócios”. Sugere, por exemplo, que o período de nojo após exercício de funções governativas aumente de três para quatro anos (o tempo de uma legislatura); que haja “um corte profundo com o statu quo” relativo aos deputados-advogados (que não pode sequer admitir o exercício pro bono, no seu entender “porta para acumulações de fachada”); que se substitua o pagamento, à cabeça, de verbas para deslocação ao círculo por que se foi eleito —regime que se converteu “numa espécie de segundo salário”, denuncia — pelo pagamento contra faturas de despesa.

Vai mais longe, defende um reforço taxativo das incompatibilidades e impedimentos durante e após o exercício de funções políticas. “Quem esteve no Governo não deve poder exercer cargos nas empresas que prossigam atividade de impacto relevante no sector que foi diretamente tutelado, bem como nos casos em que se tenha verificado uma intervenção direta do antigo titular de cargo político na atividade da empresa” — norma que, a estar em vigor na altura, teria impedido Jorge Coelho de ir para a Mota-Engil ou Ferreira do Amaral de integrar a Lusoponte.

“Deve também ser proibida a aceitação de cargos de funcionário ou consultor de organizações internacionais com as quais o interessado tenha realizado negociações em nome do Estado português” — o que teria impossibilitado Vítor Gaspar de ocupar o lugar que ocupa no FMI. Ou, ainda, “os consultores do Estado em processos de privatização e concessão de ativos em que tenham tido intervenção devem ficar impedidos de exercer funções nas entidades contraparte da negociação” — o que não deixaria que Diogo Lacerda Machado fosse indicado para a administração da TAP.

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