quarta-feira, 29 de março de 2017

BREXIT Um passo irreversível no desconhecido

Imagem do Dia / OVOODOCORVO
Hoje o Reino Unido dá um passo irreversível no desconhecido.
O parlamento Escocês vota o processo de arranque do Referendo.
A Irlanda revela a sua apreensão sobre as consequências.
Quão Unido está o Reino ?


Eles estão apreensivos mas não vão desistir
Nove meses depois do referendo, voltámos a falar com quatro portugueses que residem no Reino Unido, o destino preferencial da emigração portuguesa desde o início da década. Incerteza sobre os direitos dos cidadãos europeus após o “Brexit” obriga-os a planear o futuro a curto prazo.

Ana Fonseca Pereira
ANA FONSECA PEREIRA 29 de Março de 2017, 6:49

“Fomos dormir descansados e acordámos em choque.” É assim que Patrícia Marcelino, a viver há seis anos em Londres, recorda o dia a seguir ao referendo que decidiu a saída do Reino Unido da União Europeia. “Vi muita gente crescida a chorar.” Passaram quase nove meses e o “medo inicial abrandou”, dando lugar a “uma expectativa muito grande” sobre as negociações que agora se vão iniciar. Como outros portugueses que o PÚBLICO entrevistou em Junho e voltou a ouvir nas vésperas de Theresa May accionar o artigo 50, Patrícia quer continuar no país que escolheu para viver e trabalhar, mas admite que o futuro passou a ser planeado a curto prazo.

O Reino Unido é desde o início da década o principal destino da emigração portuguesa — só em 2015 foram 32 mil pessoas, quase um terço de todos os que deixaram o país para ir trabalhar, segundo os últimos números divulgados pelo Observatório das Migrações. E nem o “Brexit” que se avizinha nem a linha dura do Governo de Theresa May — disposta a sacrificar o acesso ao mercado único para poder controlar a imigração — parecem desincentivar os portugueses. Em 2016, inscreveram-se na Segurança Social britânica (obrigatória para quem quer trabalhar no país) 30.500 cidadãos nacionais, segundo os primeiros dados que já integram o pós-referendo.

Medo do "Brexit" e teste de inglês mais difícil travam saída de enfermeiros
“Não se vê o número de chegadas diminuir”, assegura Patrícia Marcelino, empresária envolvida há vários anos em iniciativas de apoio à comunidade portuguesa de Stockwell, bairro londrino onde se concentram emigrantes antigos e recém-chegados, numa área conhecida como Little Portugal.

Responsável por acções de formação e de guias de ajuda para quem quer emigrar para o Reino Unido, Marcelino assegura que muita gente quer tentar a sua sorte antes de a saída da UE se concretizar. Muitas empresas tencionam também usar o prazo de dois anos previsto para as negociações para tentar entrar no mercado britânico. “Não há dados sobre a taxa de sucesso, não sabemos quantas estão a voltar para trás”, admite, mas “as pessoas continuam a chegar”.

Também Pedro Antas, presidente da Associação Portuguesa de Investigadores e Estudantes no Reino Unido (PARSUK), diz que, apesar de algumas universidades terem apontado um decréscimo do número de alunos oriundos de outros países da UE, o efeito do “Brexit” ainda se sente pouco. “As candidaturas às bolsas nos institutos de investigação não diminuíram”, afirma, acrescentando que também na PARSUK “o número de inscrições não sofreu alterações”.

O que mudou é a forma como se encara o futuro. “Nas universidades, o planeamento é feito mais a curto prazo” e a prioridade é estudar medidas para “limitar os danos que possam resultar do ‘Brexit’”, como a redução do financiamento a projectos de investigação, diz este doutorando do Instituto Francis Crick, prestes a começar a redigir a sua tese.

Em Junho, dias antes do referendo, Pedro Antas dizia ao PÚBLICO que queria continuar a fazer investigação no Reino Unido, um projecto que se mantém, até porque as certezas sobre o que vai mudar com a saída da UE são poucas. “É por ser tudo tão incerto que mantemos tudo na mesma.”

Martina Fonseca, aluna de doutoramento na University College de Londres e também dirigente da PARSUK, não tem dúvidas de que, a longo prazo, o Reino Unido vai continuar aberto aos imigrantes mais qualificados e continuará a ser um destino preferencial para quem, como ela, quer trabalhar nas áreas ligadas à Ciência. O que a preocupa é o que acontecerá no futuro mais próximo — os dois anos que demorarão as negociações de saída e o período seguinte, em que serão negociados novos acordos e definidas novas regras, a começar pelo sistema de imigração. “May vai ter que ceder nalguma coisa aos populistas”, diz. É por isso que, mesmo preferindo continuar em Londres após o doutoramento, incluiu nos seus planos uma possível mudança para outro país da UE.

Incerteza redobrada
Mas a incerteza do momento tem outros reflexos. Martina conta que “estava a planear vir para Portugal escrever a tese”, mas está a repensar a decisão, porque há informações de que o tempo passado fora do país é um factor tido em conta pelas autoridades no momento de pedir a residência permanente.

Esta é uma salvaguarda que milhares de europeus que vivem há anos (muitas vezes décadas) no Reino Unido estão agora a pedir, acabando por ver-se confrontados com um pesadelo burocrático de 85 páginas: um documento que, entre dezenas de outras exigências, obriga os requerentes a contabilizar todas as vezes que entraram e saíram do país.

Uma montanha de papéis que Patrícia Marcelino ainda não se decidiu a enfrentar, apesar de acreditar que cumpre todos os critérios para obter a residência permanente. “As condições que impõem assustam um bocadinho as pessoas”, diz, apesar de sublinhar que a lei britânica já estipula que “ao fim de cinco anos quem cá está tem o direito adquirido de viver no país de forma permanente”. “Com o ‘Brexit’ é aconselhado que façamos prova, mas quem cumpre certas condições tem esse direito garantido por lei”, diz, reforçando o conselho do Ministério dos Negócios Estrangeiros português para que todos os portugueses se registem também nos consulados.

Portugal entre os mais sensíveis a um “Brexit”
Também Isabel Marques, professora há mais de dez anos a trabalhar na região de Londres, não avançou ainda com o processo, nem se mostra preocupada com o seu futuro. “Não sou pessoa de entrar em pânico e muito menos tenho uma natureza alarmista”, diz. Mas admite que se encontra numa “situação privilegiada”, quer pelo tempo que já passou no Reino Unido quer pelas suas habilitações. “O tempo médio que um jovem professor aqui permanece na profissão é de cerca de cinco anos. Eu sou um pouco mais teimosa do que isso”, ironiza.

Com a mesma certeza que critica as cedências de May ao discurso anti-imigração dos eurocépticos e populistas, Isabel Marques recusa acreditar que o “Brexit” lhe mudará a vida. “Não receio ter de deixar o país. Já havia milhares de portugueses a viver cá antes de Portugal ter sequer aderido à UE.”

Theresa May to call on Britons to unite as she triggers article 50
PM signs letter that will be hand-delivered to European council president at the same time as she addresses House of Commons

Anushka Asthana and Rowena Mason
Tuesday 28 March 2017 23.31 BST First published on Tuesday 28 March 2017 22.01 BST

Theresa May will call on the British people to unite as she triggers article 50, beginning a two-year process that will see the UK leave the European Union and sever a political relationship that has lasted 44 years.

A letter signed by the prime minister will be hand-delivered to the president of the European council at about 12.30pm – as she rises in Westminster to deliver a statement to MPs signalling the end of the UK’s most significant diplomatic association since the end of the second world war.

May will aim to strike a note of reconciliation when she addresses the Commons, claiming this is the time for Brexiters and remainers to “come together” after holding an early morning meeting of her cabinet.

“When I sit around the negotiating table in the months ahead, I will represent every person in the whole United Kingdom – young and old, rich and poor, city, town, country and all the villages and hamlets in between. And yes, those EU nationals who have made this country their home,” she will say.

Labour said it respected the decision of the British public but vowed to hold the government to account. Jeremy Corbyn, the Labour leader, said: “Britain is going to change as a result. The question is how … It will be a national failure of historic proportions if the prime minister comes back from Brussels without having secured protection for jobs and living standards.”

But the historic action that formally begins the Brexit process, following last June’s referendum, continues to pitch senior political figures against each other as the ferocity of the debate shows no sign of abating.

Michael Heseltine, the Conservative former cabinet minister, told the Guardian the move represented the “worst peacetime decision taken by any modern postwar government”, with the power now all in the hands of European leaders.

“Our friends and allies in Europe will now tell us what conditions we must accept to trade in our largest market,” he said. “This is the moment when the empty phrases and undeliverable promises of the Brexiters will be replaced by the hard reality. They will decide. We will be told. It is what every Conservative prime minister I have worked for was determined to avoid.”

But Iain Duncan Smith, a former Conservative leader and longstanding Brexit campaigner, insisted that it marked the “end of all of the preamble and the beginning of departure”.

He said: “Tomorrow, ironically, is the day the United Kingdom becomes truly united because it has only one position: that we are leaving the EU.”

The former Liberal Democrat leader Nick Clegg said it was the moment that the “utopian wishful thinking from Brexiters” gave way to hard realities, calling on May to “face down the Brexit zealots in her own party and in the Brexit press”.

However, the former Ukip leader Nigel Farage said of the moment that article 50 would be triggered: “After a quarter of a century spent campaigning for this moment, it will be a big happy day.”

Gisela Stuart, the Labour MP who chaired the Vote Leave campaign, called on colleagues to bring an end to the arguments. “This is when we move on,” she said. “David Cameron called a nationwide referendum, which had a massive turnout and a clear majority. Whether people agreed or not, it is done.”

The prime minister signed the letter shortly after 4.30pm in the cabinet room in Downing Street, next to a union flag and beneath a portrait of Britain’s first prime minister, Sir Robert Walpole.

May called the German chancellor, Angel Merkel, the president of the European Council, Donald Tusk, and the president of the European Commission, Jean Claude Juncker, on Tuesday evening to update them ahead of sending the letter.

A Downing Street spokesperson said: “In separate calls, they agreed that a strong EU was in everyone’s interests and that the UK would remain a close and committed ally. They also agreed on the importance of entering into negotiations in a constructive and positive spirit, and of ensuring a smooth and orderly exit process.”

The six-page document will be handed to Tusk by Britain’s EU ambassador, Sir Tim Barrow, after arriving in Brussels on Tuesday night onboard a Eurostar train. It marks the start of a two-year period in which British and EU27 negotiators will lock horns over questions of citizens’ rights, an exit bill, immigration and a future trading relationship.

The first issue to be placed on the negotiating table is likely to be the status of EU citizens living in the UK and British nationals living on the continent, with some suggesting that the prime minister could be minded to set 29 March, 2017 as a cut-off date for when people will have their rights protected.

However, the prime minister is already facing warnings that the European parliament will veto any Brexit deal that prevents EU citizens who move to the UK in the next two years having their rights protected.

A senior Whitehall source told the Guardian that the government had always made clear it wanted to secure a deal on citizens’ rights and the issue would be a “priority” in negotiations – but said any cut-off date would have to be part of those discussions and so had not been decided.

Other early negotiations will be about the divorce bill itself, with the UK likely to pay anything between nothing and €60bn (£52bn). Only when that is resolved, say the remaining EU countries, will they be prepared to embark on the future trading relationship.

Whatever the situation, Britain is expected to leave the EU by the end of March 2019, ending a membership that dates back to January 1973 and was once approved by the public in a referendum.

Downing Street has tightly controlled the impending announcement. Pro-Brexit cabinet ministers are expected to stay out of the limelight, while Tory MPs are attempting not to appear too jubilant.

May knows that she will also have to battle to keep the UK together after Holyrood voted to give Nicola Sturgeon the power to negotiate the terms of a second independence referendum. Warning that Scotland would not be ignored, the SNP’s Westminster leader, Angus Robertson, said that Britain was on track to be “permanently poorer” from the Tories’ Brexit negotiations.

He was one of a number of high-profile remain campaigners piling pressure on to May not to forget the needs of the 48% of the electorate who wanted the UK to stay inside the EU.

Nick Herbert, the Tory MP who chaired his party’s remain campaign, wrote in the Guardian that anyone warning against hard Brexit was branded as “heretics who must recant and swear adherence to the new faith”.

A letter to the Guardian from more than a dozen high-profile figures including the Labour MP Clive Lewis, the co-leader of the Green party Caroline Lucas, and the general secretary of Unison Dave Prentis, claimed the government was pursuing a “harmful, extreme form of Brexit for which it has no democratic mandate”.

Some will hope that Brexit can still be averted if May fails to hammer out a deal and then is defeated in a general election. Some legal experts, and the man who drafted article 50 in the first place – Lord Kerr – have said the process is reversible, although the government has made clear that it believes the “point of no return” for Brexit has passed.

The former cabinet minister and longstanding Eurosceptic John Redwood insisted that he believed it was a “hugely significant moment” – and was now irreversible.

“We either leave by agreement within the next two years or we leave without agreement on 29 March 2019,” he said. “I’m overjoyed. I think the sooner we are free and able to make our own laws and spend our own money the better. I don’t see the harm coming from it all.”

But the pro-EU Conservative MP and Open Britain supporter Anna Soubry made clear that while the “phoney war” was over, there was still a fight to be had. “Britain will begin walking the path of Brexit, and the wishes of those who voted to leave in the referendum will have been honoured,” she said. “But this is the beginning, not the end.


“It is crucial that in this two-year period the voices and concerns of those who want to preserve close links between Britain and Europe are not shouted down and silenced, and that those with power over this process are held to account.”

O dia em que o artigo 50.º se tornou realidade
A batalha legal e política em torno do artigo 50.º marcará o futuro de britânicos e europeus.

29 de Março de 2017, 7:00 Partilhar notícia

1. Há artigos nos textos jurídicos com a ideia de não serem usados, apenas ficarem lá bem por qualquer razão. Foi esse o caso do artigo 50.º do Tratado da União Europeia. Surgiu, pela primeira vez, nos trabalhos da Convenção para redigir uma Constituição Europeia (2002-2004), presididos por Valéry Giscard d'Estaing, que levaram ao Tratado Constitucional Europeu (a chamada Constituição Europeia). Mas esta não entrou em vigor devido à impossibilidade de ratificação, em consequência dos referendos na França e na Holanda de 2005. Passou, assim, para o seu sucedâneo, o actual Tratado de Lisboa. Na génese estão razões políticas para facilitar a aprovação e ratificação do texto da Constituição Europeia. A inserção de um artigo com esse teor permitia silenciar os críticos face aos avanços de uma integração federalizante. Estabelecia-se, assim, um direito de saída, mas apenas teoricamente acreditavam os seus redactores. Para os mais euroentusiastas tratava-se de uma espécie de ficção jurídica: mantinha a ilusão de que os Estados continuavam soberanos e conservavam pleno controlo do processo de integração.

2. A notificação do Reino Unido ao Conselho Europeu, a 29 de Março de 2017, é um facto singular na história da integração europeia. Pela primeira vez, um Estado-membro invoca o dispositivo do artigo 50.º para se retirar da União Europeia. A ficção legal torna-se realidade. Apesar de tudo, não é muito surpreendente ter sido o Reino Unido a fazê-lo. Sempre foi um membro renitente da União Europeia. A Europa comunitária nunca foi o seu projecto de integração, o que teve consequências, nomeadamente na forma como este ganhou contornos. A auto-exclusão britânica levou a que fosse moldado à medida dos problemas e interesses nacionais de outros, essencialmente de alemães e franceses. A questão da Alsácia-Lorena, do Sarre, da bacia do Rhur e do rearmamento germânico no pós-II Guerra Mundial estiveram no cerne da formação das Comunidades. O Tratado de Roma de 1957 criou um mercado comum para produtos industriais, sobretudo alemães, e uma política agrícola essencialmente para os produtos e agricultores franceses. Não surgiu à imagem de uma visão britânica da Europa, nem do seu interesse nacional. Na complexa engrenagem que levou ao Brexit, percebe-se que este pecado original nunca foi perdoado.

3. Adivinha-se uma longa e dura batalha legal e política. Um acordo de saída, tal como está previsto no n.º 3 do artigo 50.º, deverá prever a eliminação progressiva dos programas financeiros e de outras normas da União Europeia. A futura relação comercial deverá também ficar delineada no mesmo. Mas pode acontecer uma saída sem acordo, se passados dois anos este não tiver sido concluído, nem houver consenso de ambas as partes para prorrogar o prazo negocial. Em qualquer das hipóteses — saída com acordo, ou saída em dois anos sem este —, a legislação da União deixará de ser aplicável. Mas desligar-se totalmente não é fácil: os actos jurídicos de transposição de normas da União (e são milhares) só deixarão de ser válidos quando forem alterados ou revogados a nível nacional. Nos próximos dois anos a tarefa é, assim, bem espinhosa, especialmente na questão da contribuição britânica para o orçamento da União. Cessa imediatamente com a notificação de saída (tese britânica), ou apenas dois anos após essa notificação, ou com um acordo de saída (tese da União Europeia)? As mesmas questões e divergências se vão levantar sobre a livre circulação de trabalhadores, ou a aplicação das decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, entre outros assuntos de maior ou menor relevância.

4. A sombra de Margaret Thatcher vai pairar sobre Theresa May e as negociações do Brexit. Para os britânicos, a comparação será inevitável, e não apenas por ambas serem mulheres e do Partido Conservador. Na memória está a percepção de uma vitória conseguida durante o Conselho Europeu de Fontainebleau, em Junho de 1984, após um longo contencioso orçamental. Devido ao peso da política agrícola comum na despesa europeia, da qual os agricultores franceses eram (e são) os principais beneficiários, obteve o direito a um reembolso parcial da sua contribuição. Foi especialmente celebrada por ter sido obtida em França e sobre François Mitterrand. Mas Theresa May não é Margaret Thatcher. A sua chegada ao poder resultou da demissão de David Cameron, com a derrota política no referendo de 23 de Junho de 2016. Theresa May terá ainda de conquistar o seu lugar na história política britânica. O seu primeiro obstáculo será agora Michael Barnier, o francês que chefia a equipa negocial da União Europeia. Veremos se Theresa May conseguirá replicar a vitória de Thatcher sobre Mitterrand em 1984, ou se assistiremos a uma revanche. A batalha legal e política em torno do artigo 50.º marcará o futuro de britânicos e europeus.

"Não são tempos de brincar; mas brinca-se”
De repente, o governo português tem dois partidos que o apoiam defendendo que estaríamos melhor fora do que dentro do euro.

29 de Março de 2017, 6:38 Partilhar notícia

Regressou o debate da saída do euro, como sempre diluído em termos como “estudar a saída do euro” ou “prepararmo-nos para a saída do euro”. Na sua ambiguidade criativa, estas expressões podem ser lidas como uma defesa da saída ou do “estudo da saída”. E, na sequência do debate, os opositores do euro oscilam entre essas duas posições. Primeiro, são mais pela saída; quando as perguntas difíceis começam, são pelo “estudo da saída”.

A questão é que, tantos anos depois de se anunciar “o estudo da saída” já podia haver alguma resposta para as perguntas difíceis. Ora, os defensores da saída do euro nunca explicam se pretendem ao mesmo tempo sair da UE ou não. No caso de quererem sair da UE, as grandes vantagens do novo escudo e da sua desvalorização desvanecem-se ao não podermos exportar para os mercados que são os nossos maiores clientes no mercado único da UE (para não falar do milhão e tal de portugueses no resto da UE que passariam a ser extracomunitários de um dia para o outro). No caso de começarmos a imprimir uma nova moeda dentro da UE, não se explica como se fará para redenominar as dívidas nem o que se fará se for determinado pelos tribunais internacionais que a nova moeda não é transacionável.

Também fica sem resposta a mais crucial das perguntas: e o povo? Segundo todas as sondagens, o nível de adesão dos portugueses ao euro tem aumentado, estando agora em máximos históricos que não se viam desde antes da crise. Entre 80% e 90% dos portugueses são favoráveis à continuidade na moeda da UE. Como pensam os defensores da saída do euro legitimar democraticamente a decisão de saída?

Chegados a este ponto, convém fazer uma distinção entre os participantes no debate intelectual e aqueles que além disso têm responsabilidades políticas. Entre os primeiros, o ex-secretário-geral do PCP Carlos Carvalhas admite que a decisão de saída não deve poder ser tomada por referendo, pois tal constituiria um pré-anúncio de desvalorização da moeda e um convite à especulação contra Portugal. Só que, por maioria de razão, a mesma lógica se aplica a uma campanha eleitoral em que um partido peça mandato para sair do euro ou mesmo à abertura de negociações, necessariamente demoradas, no caso de Portugal pedir uma derrogação especial para sair do euro e ficar na UE. Derrogação essa que teria de ser votada por 27 ou 28 países, 40 câmaras parlamentares, e dois ou mais referendos, tudo com poder de veto e altíssimo risco de fazer gorar todo o processo.

Sobra então a hipótese de um governo desencadear a saída de forma unilateral e desordenada. Um debate que se pode fazer, desde que se tenha em conta o défice de legitimidade democrática e a responsabilidade de estado por parte de quem defenda tal opção.

É nesse sentido que a posição do BE neste fim-de-semana de aumentar a “urgência” da preparação para a saída se revela surpreendente para quem não tenha acompanhado o retrocesso político deste partido em matéria europeia. Que o PCP defendia a preparação para a saída e estava a ponto de iniciar uma campanha defendendo as suas vantagens, nós já sabíamos. Que o BE não conseguiria resistir à pressão para fazer o mesmo, só alguns imaginariam. E assim, de repente, o governo português tem dois partidos que o apoiam defendendo que estaríamos melhor fora do que dentro do euro. Um dos quais achou oportuno enfatizar essa posição agora, quando está num grupo de trabalho para a renegociação da dívida (a estratégia deve ser dizer aos credores “renegoceiem ou Portugal dá um tiro no seu próprio joelho”) e que estamos a um par de meses da saída do procedimento por défice excessivo.

Uma vez encontrei num arquivo uma carta do século XVIII que tinha uma boa frase para situações como esta: “não são tempos de brincar; mas brinca-se”.

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