quarta-feira, 29 de março de 2017

Alojamento local: Supremo dá razão a proprietária contra condomínio / Turismo “low-cost” e legislação permissiva transformam centros históricos em “Disneylândias”


Alojamento local: Supremo dá razão a proprietária contra condomínio
Condomínio de Lisboa, que tinha proibido a alteração do destino dada à habitação, saiu derrotado.

ROSA SOARES 29 de Março de 2017, 19:58

Contra o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) acaba de considerar legítimo que os proprietários de fracções autónomas, em prédios de habitação, possam afectá-los para alojamento local. Trata-se da primeira decisão de um tribunal superior sobre esta matéria e representa um duro golpe para os condóminos que tinham esperança de poder travar o fenómeno do alojamento para turistas em prédios destinados a habitação permanente.

O entendimento dos tribunais sobre esta matéria não é consensual. Na mesma altura em que o Tribunal da Relação de Lisboa tinha dado razão ao condomínio que, em sede de assembleia de condóminos, proibira o exercício da actividade de alojamento local à proprietária de uma fracção, o Tribunal da Relação do Porto tinha decidido em sentido contrário, legitimando, como agora acontece com a decisão do STJ, uma alteração do destino dado à habitação.

De acordo com o escritório de advogados CA ONTIER, representantes da proprietária que avançou para tribunal, “o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça agora publicado veio dar razão à Relação do Porto, tendo determinado que a actividade de alojamento local que seja exercida numa fracção destinada a habitação não viola o respectivo título constitutivo da propriedade horizontal, não podendo o condomínio, por essa via, proibir o exercício da actividade de alojamento local”.

O acórdão da Relação de Lisboa, que é o que chegou ao Supremo, sustentava-se no Código Civil (artigo 1418), onde se salvaguarda que, se o título constitutivo da propriedade horizontal (prédio com fracções autónomas, detidas por vários proprietários) estabelecer como utilização a habitação, a assembleia de condóminos pode não autorizar outro destino ou afectação. E o alojamento para turistas é considerado uma actividade comercial (CAE 55201).

“Se um condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no artigo 1422º (…) do Código Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava destinada) ”, concluíram os juízes da Relação, argumentação que não foi atendida na instância superior.

Em comunicado, a Associação do Alojamento Local em Portugal, ALEP, congratula-se com a decisão do STJ, considerando que “esta decisão é importante pois traz estabilidade jurídica a uma actividade que tem ganho um peso crescente não só ao nível económico mas também social, uma vez que há já milhares de famílias que dependem do alojamento local”.

Independentemente desta decisão, a ALEP considera que “é fundamental promover o espírito de boa vizinhança e de cooperação entre os proprietários que desempenham a actividade do alojamento local e as assembleias de condóminos” e refere estar a preparar “um projecto de boas práticas, com o objectivo de garantir o respeito pelos interesses de todos: proprietários, condóminos, inquilinos e turistas”.

A oferta de alojamento local ou de curta duração cresceu de forma exponencial nos últimos dois anos, sobretudo, nos centros das cidades de Lisboa e do Porto, e tem gerado alguma conflitualidade entre residentes permanentes (proprietários ou arrendatários) e turistas. Ruído, horas de partida e de chegada susceptíveis de perturbarem o descanso nocturno, ou falta de privacidade nas áreas comuns, são alguns dos problemas apontados.


A legislação que enquadra esta actividade é recente (Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de Abril), obrigando à sua autorização por várias entidades públicas, mas é omissa em relação à autorização dos condóminos.

Turismo “low-cost” e legislação permissiva transformam centros históricos em “Disneylândias”

29 mar, 2017 – 07:56

As principais cidades portuguesas estão a ser afectadas pelo fenómeno, acusa a organização do Fórum Património.

A organização do Fórum Património considerou que o “desmesurado crescimento do turismo ‘low-cost’”, a “legislação permissiva” e a “fiscalização ineficaz” têm permitido a transformação de centros históricos das cidades em “Disneylândias”.

“E não é uma, mas são muitas Disneylândias, uma rede delas, a florescer não só nos centros históricos de Lisboa e do Porto, mas nos das principais cidades portuguesas, como Coimbra, Faro e Aveiro. O fenómeno já chegou ao Alentejo e em Évora já se sentem os seus efeitos, desde logo no rápido aumento das rendas”, refere a organização, que agrega várias associações, em comunicado, a propósito do Dia Nacional dos Centros Históricos, assinalado na terça-feira.

As entidades sublinharam que há edifícios residenciais esvaziados “contra vontade dos inquilinos” para serem depois transaccionados, reabilitados à “trouxe-mouxe” e abertos como alojamentos turísticos.

Autarcas permissivos?

Os autarcas, no entender da organização, “desconhecem o conceito de turistas a mais” e têm sido permissivos, pelo que o fenómeno continua a crescer.

As associações consideram que o fenómeno pode ter impactos negativos para a população local, em especial nos grupos mais carenciados, pois leva “os moradores tradicionais e as camadas de menos recursos para as periferias” e “está a impedir a fixação nesses locais de estratos mais jovens da população”.

Esta transformação dos centros históricos em “Disneylândias” (nome do parque de diversões da Disney) poderá ainda contribuir para a sua descaracterização, perdendo-se a herança cultural da geração seguinte, lembra a nota.

Questões como estas “deveriam merecer uma reflexão” dos responsáveis envolvidos no planeamento, construção e reabilitação de cidades, bem como dos seus cidadãos, especialmente em dias como o de hoje, sublinha a organização.


O Fórum do Património vai decorrer a 10 de Abril, na Sociedade de Geografia de Lisboa.

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