sábado, 14 de janeiro de 2017

Câmara de Lisboa vendeu painel de Querubim Lapa à CUF



Câmara de Lisboa vendeu painel de Querubim Lapa à CUF
Painel de azulejos que foi premiado pela autarquia em 1995 foi vendido juntamente com os terrenos do "triângulo dourado", onde está a nascer um hospital. A obra de arte vai manter-se no local.

JOÃO PEDRO PINCHA 13 de Janeiro de 2017, 8:52

As obras de construção de um novo hospital CUF num terreno de Alcântara levaram à demolição de praticamente tudo o que ali existia antes. Uma coisa, no entanto, manteve-se. Um painel de azulejos da autoria de Querubim Lapa, agora tapado por uma rede verde, é o último sinal de que em tempos existiu um muro a circundar aquele terreno com mais de 20 mil metros quadrados, conhecido como “triângulo dourado”. Uma obra de arte que era municipal e que passou discretamente para as mãos do grupo Mello. Tão discretamente que, a princípio, nem o próprio grupo tinha certezas sobre a sua posse.

Apesar de isso não estar explícito em nenhum documento, quando uma empresa do grupo José de Mello Saúde comprou o terreno, em Janeiro de 2015, ficou também com esse painel, que está instalado no local desde 1994 e foi oferecido por uma farmacêutica à autarquia. O conjunto azulejar, chamado “O Terraço”, em que dominam os tons verdes e azuis e os motivos marítimos e vegetalistas, recebeu em 1995 o Prémio Jorge Colaço de Azulejaria, promovido pela própria Câmara Municipal de Lisboa.

A autarquia confirmou ao PÚBLICO, através do gabinete de comunicação, que o painel é “propriedade dos adquirentes do terreno”. Inicialmente, uma fonte da José de Mello Saúde negou que a obra de arte tivesse passado para as mãos da empresa e disse mesmo que “qualquer decisão” sobre o futuro dos azulejos competeria à câmara.

Mas a autarquia disse também ao PÚBLICO que o projecto do novo hospital só foi aprovado na condição de o painel ser colocado “no novo jardim, de utilização pública, que vai ser construído no local”. Confrontada com estas informações, a fonte do departamento de comunicação da José de Mello Saúde acabou por dizer que está prevista uma “futura aplicação no jardim público”.

Porém, Frederico Valssassina, arquitecto que assina o projecto do hospital, explica que “desde o seu início teve presente a existência deste painel”, mas esclarece que o mesmo “fica no actual local, pois é impossível a sua recolocação”.

A LBO Land, empresa do grupo José de Mello Saúde (que entretanto mudou de nome para IMO Health), arrematou o “triângulo dourado” em hasta pública por mais um euro do que o preço base de licitação, 20,350 milhões de euros. O negócio concretizou-se em Janeiro de 2015, mas o grupo já em 2013 tinha apresentado ao município um Pedido de Informação Prévia para a construção de um hospital naquele sítio. Acabou por ser o único licitador na hasta pública.

Na altura, o destino do painel de azulejos ficou abafado no meio da muita polémica que rodeou o assunto. “Sempre tivemos inquietação em relação ao futuro do painel”, assegura agora João Ferreira, vereador comunista. “Entre as várias questões que o PCP levantou, referimos a questão do painel”, garante.

O próprio Querubim Lapa já se manifestara preocupado com “O Terraço”, que há muitos anos estava rodeado por cartazes publicitários. Em Junho de 2014, o mestre ceramista disse ao PÚBLICO que a câmara estava a demonstrar “falta de respeito pela obra de arte” ao consentir na colocação de publicidade que ofuscava o painel. Chegou a ser equacionada a reprodução de “O Terraço” noutro local da cidade, uma vez que estes azulejos estão cimentados à parede e não podem ser removidos, mas a proposta nunca andou para a frente.

Querubim Lapa morreu a 2 de Maio de 2016, aos 90 anos. Cinco dias depois, a José de Mello Saúde tornou-se efectivamente dona do terreno e do painel. As obras de construção do futuro hospital CUF Tejo começaram no fim de Junho. Uma das primeiras coisas a ir abaixo foi um edifício com inúmeros murais evocativos dos 40 anos do 25 de Abril.


A José de Mello Saúde conta ter o novo hospital a funcionar em 2019. O equipamento, que vai custar mais de cem milhões de euros, terá seis pisos à superfície, três pisos subterrâneos para estacionamento e um jardim virado à Avenida da Índia. É aí que "O Terraço" vai ficar, garante Frederico Valssassina, embora não seja conhecida nenhuma imagem do projecto com o painel.

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