sábado, 14 de janeiro de 2017

AINDA PRECISAMOS DE JORNALISTAS?


Paulo Dentinho
AINDA PRECISAMOS DE JORNALISTAS?
13 Jan, 2017, 20:06 Paulo Dentinho

Os jornalistas estão reunidos em congresso, um tempo de reflexão sobre a profissão, sobre o lugar onde estamos, como estamos, sobre o lugar para onde queremos ir ou, talvez melhor, para onde podemos ir. Porque o exercício da nossa profissão muda a cada salto tecnológico.

Há três décadas, uma equipa de reportagem em televisão era composta por cinco pessoas: motorista, assistente de imagem, operador de imagem, operador de som e jornalista. Hoje, há já quem faça tudo. E ainda edite as reportagens.

O mundo mudou, o jornalismo mudou com ele. Uns órgãos de comunicação social acabaram, outros surgiram. Há mais jornalistas. Mas há menos emprego. E há mais ex-jornalistas a trabalhar em agências de comunicação.

Quase me atrevo a admitir que são mais do que aqueles que estão nas redações. E não nos enganemos, as agências de comunicação prestam um grande trabalho. Para os seus clientes. Sobretudo quanto conseguem introduzir as suas informações no fluxo noticioso. Antigamente havia um nome para isto: chamava-se propaganda. Agora usa-se o termo mais pomposo de "comunicação".

A multiplicidade de redes e plataformas onde a notícia se pode encontrar é outro instrumento extraordinário a potenciar a divulgação da notícia. Mas também há muito mais gente a delas dar conta. Sem filtros ou intermediários. Até porque, muitas vezes, são cidadãos que conseguem estar onde o jornalista não conseguiu estar.

Basta lembrar as imagens do quotidiano em Raqqa, por exemplo, filmadas clandestinamente por uma corajosa mulher escondida pelo seu obrigatório nikab, e a repercussão mundial que teve. Até mesmo no chamado mainstream media.

Mas há também as informações falsas e não verificadas neste mundo da pós-verdade, propaladas com igual velocidade e pretensa veracidade. Sim, a tecnologia é extraordinária nas múltiplas capacidades que permite ao mundo da comunicação. Só que no jornalismo, como em todas as outras áreas do mundo do trabalho, a tecnologia vai correspondendo, quase sempre, a menos postos de trabalho.

Há dias, uma reportagem dos nossos camaradas da France 2 ilustrava este mundo onde a robótica e a inteligência artificial são maravilha. Um empregado de uma fábrica de cadeiras para escritório dizia que fazia o trabalho de sete pessoas.

Coloquemos em perspetiva: se a empresa tiver cem trabalhadores significa que há seiscentos lugares que deixaram de ser necessários. E ontem mesmo, no debate do centro esquerda francês, o assunto mais notório foi a proposta para se introduzir um salário universal. Sendo que na Finlândia já estão na fase experimental dessa ideia. Porque já perceberam que o mundo da robótica e da inteligência artificial altera todos os paradigmas.

Ou seja, o mundo vai continuar a mudar inexoravelmente. Com a tecnologia a tornar cada vez menos necessário o trabalho humano. Para todos. Sejam jornalistas, trabalhadores rurais, empregados fabris, médicos, enfermeiros - o que se quiser.

Qual o lugar do jornalista nesse mundo? Não faço a mínima ideia. Mas gostava de perceber que profissões poderão sobreviver aos brutais saltos tecnológicos que se avizinham. Em todo o caso, a haver jornalismo, ele será diferente, muito diferente.


Apesar de tudo, tenho a certeza que nunca lhe poderá faltar, como hoje, a credibilidade que chega com o rigor, a isenção, a imparcialidade, o fascínio da descoberta e a curiosidade.

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