quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Uma vergonha chamada Metro de Lisboa

Há duas semanas que os passageiros têm grandes dificuldades em comprar bilhetes nas máquinas de venda automática, à semelhança do que ocorreu no Porto este verão. Ninguém assume a responsabilidade pela falta de cartões Viva Viagem. Dependência de um único fornecedor na origem do problema
Neste momento não é possível a venda do cartão Sete Colinas. Desculpe o incómodo.” A mensagem vai aparecendo nas várias máquinas de venda automática que se encontram nas paragens de metro de Lisboa. Cais do Sodré, Parque, Marquês do Pombal foram as paragens por onde o Expresso passou na manhã desta quarta-feira e em todas as máquinas obteve a mesma resposta: é impossível obter um cartão Viva Viagem ou Sete Colinas (o cartão tem as duas designações). Quem quer comprar um tem de fazê-lo à moda antiga - nas bilheteiras (quando as há).

No Cais e no Marquês, uma dúzia de pessoas fazem fila à frente das bilheteiras. De mala de viagem na mão, Laurinda Barata é uma delas. “Não sabia que não era possível comprar bilhetes nas máquinas”, diz, justificando com o facto de não utilizar diariamente o metro, por viver na Parede. Mas acaba por recordar que, “há uns dias”, foi confrontada com o mesmo problema no Alto dos Moinhos. “E aí não havia bilheteira, tive de falar com um funcionário através do intercomunicador.” O mesmo na Praça de Espanha: nas máquinas não conseguia comprar um cartão, o que a obrigou “a ir à outra ponta da estação” para encontrar uma bilheteira aberta.
EXPRESSO

Uma vergonha chamada Metro de Lisboa
JOÃO MIGUEL TAVARES 29/09/2016 – PÚBLICO
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/uma-vergonha-chamada-metro-de-lisboa-1745487

Desde que vim para Lisboa, há 26 anos, não me recordo de algum dia o serviço de metro ser tão mau como é actualmente.

Se alguém tivesse dúvidas de como este país roça por vezes os limites da indigência política, económica, sindical e mediática, o actual estado do Metro de Lisboa estava aí para o provar. Embora eu corra o risco de desiludir todos aqueles que estão convencidos de que sou um beto de Cascais com motorista e caddie, a verdade é que passo a vida a andar de metro. E desde que vim para Lisboa, há 26 anos, não me recordo de algum dia o serviço de metro ser tão mau como é actualmente.

Nós já conhecíamos as escadas rolantes que não rolam. Experimentámos carruagens a abarrotar. Vimos os comboios da Linha Verde diminuírem de quatro para três composições ao mesmo tempo que o turismo explodia em Lisboa. Deparámo-nos com obras na estação do Areeiro dignas de Santa Engrácia. Aguentámos intermináveis problemas técnicos na Linha Azul e envelhecemos a escutar avisos de que “o tempo de espera pode ser superior ao normal”. Penámos, e muito, com resmas de greves consecutivas, que nunca foram descontadas nos passes mensais. E a única coisa que podemos celebrar é o facto de essas greves terem diminuído imenso no último ano, apesar da qualidade do serviço ser cada vez pior. Fazer acordos com o PCP traz certas vantagens.

Há duas semanas, contudo, aconteceu coisa nunca vista: o esgotamento de stock dos cartões Viva Viagem. “Viva Viagem” é apenas um nome fino para um simples bilhete – o único bilhete que permite entrar e viajar no metro, e que pode ser comprado nas máquinas automáticas. Ou melhor: podia. Agora voltámos ao tempo do trabalho braçal. As máquinas do metro ostentam um autocolante a dizer que não emitem cartões e para distribuir os poucos que ainda há foi preciso reabrir vários pontos de atendimento das estações, onde zelosos funcionários os entregam à mão. Aos utentes resta acertar no átrio onde os funcionários se encontram (não há funcionários para todos) e ir para a fila. Quanto aos turistas, podem sempre apreciar o nosso modo de vida terceiro-mundista, tirando selfies com os indígenas.

A minha questão é esta: por que raio não há bilhetes? Os (poucos) jornais que já falaram sobre o assunto nunca chegaram a explicar. O Metro apenas refere “falhas na entrega” por parte da Otlis, empresa que é um “agrupamento complementar” das várias empresas de transporte a actuar na Grande Lisboa, e que no caso do metro detém o monopólio dos seus bilhetes – ah, como é bom estar nas mãos de um só fornecedor. Aparentemente, ninguém na comunicação social foi ainda bater à porta da Otlis – ou sequer explicou o que a Otlis é –, e 15 dias depois a situação não só continua por resolver, como não há prazo definido para a sua resolução. Os sindicatos do Metro, antigamente tão lestos a avançarem para greve, mostram-se agora disponíveis para colaborar num “plano de contingência”, e as televisões, sempre tão lestas a fazer directos à porta de estações fechadas com bilhetes, parecem impressionar-se pouco com estações abertas sem bilhetes.


Felizmente, a página de austeridade foi virada. Não tivesse sido, e o estado miserável em que a empresa se encontra, com comboios impedidos de circular por falta de peças, dever-se-ia a um ministério das Finanças obcecado com o défice, por se recusar a abrir a bolsa para as despesas mais elementares. Como a austeridade acabou, nada disto se passa. O povo é sereno. E, mais importante do que tudo, o metro é nosso. Antes uma empresa pública parada do que uma privada a funcionar.

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