segunda-feira, 27 de junho de 2016

O referendo que nenhum partido quer

Fernando Rosas defende referendo à participação de Portugal na UE
Rosas defende consulta popular "no tempo certo".
Jornal i online 25-6-2016

Fernando Rosas, um dos fundadores do Bloco de Esquerda, defendeu hoje que, «na altura devida e sem prejuízo dos compromissos atuais», os portugueses devem ser chamados a referendar «o seu destino" na União Europeia.

«Estou seguro que, nas ruas e nas urnas, quando chegar o momento, o povo decidirá pela democracia, pela soberania, por um novo internacionalismo dos povos», disse Rosas durante uma intervenção na X Convenção Nacional do BE, em Lisboa.

Para o historiador, o resultado do referendo no Reino Unido - que deu a vitória à saída da União Europeia - «é o princípio do fim da UE».

"Não temos de chorar a União Europeia do medo, das 'troikas', do desemprego, da austeridade, do euro , do amesquinhamento da democracia», disse.

Depois de dar «razão ao povo» britânico pelo sentido do voto, alertou que quem não a tem «é a direita e a extrema direita que conduziram a campanha para a saída", disse.

Para Fernando Rosas não há ilusões. "Não acreditamos que desta Europa possa sair um milagre ou a sua reforma, face ao capitalismo que existe. O que existe é a crise e a miséria sem fim".

E concluiu: «A luta pela alternativa a esta Europa é feita sob os valores da esquerda anti-capitalista».



EDITORIAL / PÚBLICO
O Bloco de Esquerda disse a palavra tabu
DIRECÇÃO EDITORIAL 26/06/2016 - PÚBLICO

Apesar de ter alguma rede de segurança, Catarina Martins elevou demasiado a fasquia. Referendo?
A X Convenção do Bloco que decorreu este fim-de-semana no pavilhão desportivo do Casal Vistoso não teve grande história a nível interno. A moção A, que reúne as principais correntes do BE, a da porta-voz Catarina Martins, ganhou com larga maioria. Com fraca oposição interna, a líder, que agora assume sozinha o papel de coordenadora do partido, falou sobretudo para fora. Até porque a Convenção do partido acontece num momento de grande turbulência na Europa por causa do “Brexit” e numa altura em que o partido irmão do Bloco em Espanha, o Podemos, tenta fazer o “sorpasso” (a ultrapassagem) do PSOE em votos e mandatos.

Os líderes do Bloco não escondem que estariam bastante confortáveis em fazer o mesmo em Portugal ao PS. Assumem, sem timidez, que querem governar. Pedro Filipe Soares, ao apresentar a moção da direcção, fez a pergunta e tratou ele próprio de dar a resposta: “Quer o BE ser Governo? A resposta é: quer ser a força mais forte do Governo de Portugal”. O BE que apareceu no Casal Vistoso é um Bloco que quer a todo o custo agarrar e reclamar como suas bandeiras e causas que lhe podem consolidar e aumentar a base eleitoral, à custa naturalmente de votos dos socialistas. “Nem mandamos no Governo, nem perdemos as nossas bandeiras”, asseverou Marisa Matias.

Uma das bandeiras é a da ideologia. Se em Espanha Pablo Iglesias quer roubar a bandeira da social-democracia ao PSOE, rebaptizando-a “nova social-democracia”, por cá o bloquista José Manuel Pureza arroga-se o direito de dizer ao socialista António Costa o que é ser e não ser socialista. A outra bandeira é a da luta contra a austeridade, reclamado para si os louros de medidas simpáticas, como a da tarifa social da luz e gás. E pelo caderno de encargos que deixou na Convenção para negociar o Orçamento para 2017 – aumento real das pensões, descongelamento do indexante de apoios sociais, investimento público e combate à precariedade –, o PS bem pode puxar da máquina calculadora se quiser manter o apoio do BE e ao mesmo tempo os compromissos de Bruxelas.

Nesta luta de bandeiras, o BE quis na sua convenção hastear mais alto a bandeira da luta contra as sanções de Bruxelas, mas Catarina Martins exagerou ao colocar em cima da mesa a possibilidade de um referendo em Portugal caso a Comissão Europeia concretize as ameaças de aplicar sanções a Portugal e a Espanha. O BE tenta dar um salto talvez maior do que a perna, mas sabe que tem uma rede de segurança: após o “Brexit”, a probabilidade de Portugal ou Espanha serem alvo de sanções baixou substancialmente, o que permite ao BE aparecer como grande opositor das sanções sem correr riscos excessivos. Mas ao colocar de forma extemporânea e quase leviana a palavra “referendo” à permanência da União Europeia na agenda nacional, o BE arrisca-se a ficar isolado e a perder não só capital político, como a destruir a tal imagem de “força mais forte do Governo de Portugal” que quer construir.

O referendo que nenhum partido quer
LILIANA VALENTE 26/06/2016 – PÚBLICO

Partidos não perceberam muito bem a intenção do BE, mas todos recusam referendo nesta altura.

O que é o referendo proposto pelo BE? Nenhum partido percebeu muito bem a intenção dos bloquistas, mas nenhum concorda com um referendo sobre a Europa (seja sobre o que for) nesta altura. E da direita à esquerda houve quem falasse em "chantagem" à União Europeia numa altura em que deve ser mostrada união.

"Não é correcto instrumentalizar os portugueses num quadro de alguma guerrilha política com a União Europeia por causa de sanções. É nesses termos que leio essa proposta", disse aos jornalistas Passos Coelho, depois da reunião com o primeiro-ministro sobre o Conselho Europeu desta semana, que terá o “Brexit” em cima da mesa para discussão.

Desta vez os partidos estavam todos na mesma lógica e até acertados com a posição do Governo. "Não estamos em momentos de referendos. O que há que evitar é uma febre referendária", acabou por sintetizar a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques.

A primeira a falar sobre o assunto foi Assunção Cristas que recusou dar apoio a um referendo em Portugal, respondendo a uma interpretação das palavras de Catarina Martins na convenção do BE.

“Não há nada para referendar”, disse a líder do CDS aos jornalistas no final da reunião com o primeiro-ministro António Costa sobre o Conselho Europeu desta semana . A centrista ainda acrescentou que a posição do BE tem sido a defendida lá fora “por forças mais extremas quer de direita quer de esquerda”.

Mas a recusa passou também pela esquerda. Se o PCP decidiu não falar depois dos encontros com Costa, os Verdes saíram do encontro com o primeiro-ministro e disseram que não perceberam bem sobre o que é o referendo do Bloco de Esquerda, mas têm como posição de princípio que “o instrumento do referendo é uma coisa demasiado séria para ser entendido como forma de chantagem”, disse a deputada do PEV, Heloísa Apolónia.

Para a deputada do PEV a proposta do BE não foi clara: “O referendo incidiria sobre o quê? Proposta muito abstracta, não foi explicada ao país. Temos dúvidas sobre a forma como ela foi colocada”, defendeu.

Também o PAN não concorda com um referendo: "A opção por um referendo não vai resolver em nada os problemas que estão a afastar Portugal da Europa", disse o deputado André Silva. "Não se coloca a questão do referendo. Mas coloca se uma auditoria à nossa dívida", defendeu.

Nota: Artigo actualizado às 20h00 com a posição de todos os partidos.


Se houver sanções, Europa “declara guerra” a Portugal e BE põe referendo na mesa
SÃO JOSÉ ALMEIDA e MARIA JOÃO LOPES 26/06/2016 - PÚBLICO

No OE2017, Catarina Martins vai negociar o aumento real das pensões e dos apoios sociais à infância, idosos e desempregados.

Se houve pergunta feita a dirigentes bloquistas durante este fim-de-semana, em que decorreu a X Convenção do partido, foi esta: também defendem um referendo como no Reino Unido? As respostas foram redondas e ambíguas o suficiente para a agora coordenadora única do BE Catarina Martins sentir necessidade de responder à questão no discurso de encerramento. E o que disse foi que, se a Comissão Europeia aplicar sanções a Portugal por incumprimento do défice, está a declarar guerra a Portugal e que, nesse caso, poderá pôr-se “na ordem do dia um referendo para tomar posição contra a chantagem”.

Catarina Martins quis pôr os pontos nos is e disse: “Eu sei que nos perguntam se queremos este referendo agora. Aqui têm uma resposta clara. Não metemos nunca nenhum direito democrático em nenhuma gaveta. Virá esse dia do referendo.” Em algumas partes do discurso os aplausos eram tantos que nem deixavam ouvir as afirmações seguintes, isto numa convenção em que o Syriza foi assobiado e o bloquista João Semedo, que sai da Mesa Nacional por vontade própria, homenageado com palavras de agradecimento e ovacionado de pé.

Mas voltemos às declarações de Catarina Martins sobre se o BE defende ou não um referendo como o que aconteceu no Reino Unido. A dirigente que já tinha remetido a hipótese desse referendo para o futuro, traçou prioridades: “Sete meses depois do acordo com o Governo, hoje, amanhã e nos dias seguintes, queremos continuar a pôr a casa em ordem”, o que significa continuar a repor rendimentos e travar a austeridade.

Mais à frente deixou, no entanto, um “aviso claro”. A saber: “A União Europeia não nos vai continuar a pisar. No próximo Conselho Europeu, o Governo português deve ter uma prioridade: a recusa das sanções com que a Comissão Europeia ameaça Portugal.” Se, continuou, a Comissão Europeia tomar a iniciativa “gravíssima de aplicar uma sanção inédita e inaceitável e provocatória a Portugal, pelo mau desempenho das contas de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, entre 2013 e 2015, enquanto aplicaram as medidas da troika”, está a declarar “guerra a Portugal”. Mais: se usar isso para “pressionar” o Orçamento do Estado para 2017, “exigindo mais impostos, declara guerra a Portugal e, neste caso, Portugal só pode responder recusando as sanções, recusando o arbítrio, e anunciando que está disposto a pôr na ordem do dia um referendo para tomar posição contra a chantagem”. Foi isto que Catarina Martins disse.

Mas também isto: o Bloco “é e será europeu e internacionalista”, embora sempre em oposição à "finança que despreza as pessoas”. Para Catarina Martins, “o pior” da União Europeia são as suas chefias: “São perigosos e mostram todos os dias que estão dispostos a destroçar a Europa para aguentar uma política que assusta os povos.” Catarina Martins afirmou ainda que é preciso “reconstruir os instrumentos de soberania” e que o país tem de estar preparado para todos os cenários: saída do euro, fim do euro “ou mesmo desagregação da União Europeia”. Para a coordenadora, a escolha “não é entre estarmos dominados ou isolados”. Outras novidades foram a proposta de realização, dentro de um ano, de uma Assembleia Europeia das Alternativas, se for em Lisboa, o BE está disposto a ser o anfitrião.

A reacção do Governo à palavra “referendo” usada por Catarina Martins não se fez esperar. Presente na Convenção, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, disse à Lusa que este não é “o tempo para referendos”, mas para “defendermos uma Europa capaz de responder aos problemas sentidos pelos povos europeus”, isto apesar de as “inquietações que o BE revela sobre a União Europeia” serem partilhadas pelo Governo, ressalvou. Também à Lusa, a secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Martins, afastou cenários de referendos e não comentou as propostas orçamentais do BE para 2017. Até o PCP, pela voz de Armindo Miranda, considerou que o referendo “não é a questão de fundo”, mas sim “trazer para Portugal a soberania perdida”.

Na segunda parte do discurso, Catarina Martins voltou-se para OE2007. Anunciou que o partido vai defender, nas negociações, o aumento real das pensões e o descongelamento do Indexante de Apoios Sociais para aumentar as prestações sociais – os apoios sociais à infância, idosos e desempregados.

As pensões são um dos temas que está a preocupar a bloquista, e pelo qual “é preciso fazer mais”. “Por força da lei vigente, o aumento das pensões está indexado à inflação e ao Produto Interno Bruto. Em tempos de crise, como o actual, essa fórmula de cálculo faz com que o descongelamento só signifique poucos cêntimos por mês, mesmo em relação às pensões mais baixas”, lamentou.

Nesta convenção, foram apresentadas três moções. A vencedora, com 444 votos, foi a A, subscrita pelas principais correntes do BE, a de Catarina Martins e do líder parlamentar Pedro Filipe Soares. A moção R, liderada por Catarina Príncipe, teve 58 votos e a B, de João Madeira, 32. Catarina Martins passará a ser formalmente a coordenadora do BE.

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