terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Banif perdeu 900 milhões em depósitos numa semana. Guia para a queda do banco


Banif perdeu 900 milhões em depósitos numa semana. Guia para a queda do banco

Uma síntese de tudo o que deve saber sobre o Banif. Um banco cuja situação se arrastou anos, encurralado pelos riscos no balanço e uma Comissão Europeia que sempre quis a sua venda a um banco maior.

Ana Suspiro
Edgar Caetano
David Dinis
21/12/2015, OBSERVADOR

O Banif perdeu cerca de 900 milhões de euros em depósitos na semana frenética que começou com uma notícia, entretanto corrigida, de que o banco ia “fechar” e que os depósitos estavam em risco. E que terminou com a medida drástica da resolução bancária, que levará ao fim desta marca histórica da banca nacional, o Banco Internacional do Funchal.

Perante a degradação acelerada da situação de liquidez, o Banco Central Europeu deu ordens para retirar ao Banif o estatuto de contraparte do sistema financeiro europeu, uma medida que produzia efeitos esta segunda-feira. Um guião semelhante ao que conduziu em agosto de 2014, também anunciado de forma dramática no domingo à noite, à resolução do Banco Espírito Santo.

O Banco de Portugal reconheceu logo no domingo que a situação de liquidez de Banif tinha “sofrido uma degradação muito acelerada nos últimos dias”, com “consequentes riscos para a manutenção do seu fluxo normal de pagamentos e satisfação das suas responsabilidades para com os clientes”.

Sabe-se entretanto (pela deliberação do Banco de Portugal) que o banco foi declarado em risco ou em situação de insolvência no sábado, quando seguiu o convite para o Santander e o Popular apresentarem ofertas vinculativas. Só o Santander Totta o fez no prazo.

A resolução do banco, que implica para os contribuintes custos pesados (que poderão ser mitigados no futuro), foi o culminar de um processo que se arrastava há quase três anos e que sempre teve do outro lado, em Bruxelas, uma Comissão Europeia irredutível na opinião de que o Banif não tinha viabilidade e deveria ser integrado num banco maior.

Caminhada (a passos largos) para o precipício

No final de setembro de 2015 o Banif tinha 6.182 milhões de euros em depósitos, mais 1.700 milhões em outros recursos de clientes fora de balanço, num total que superava os oito mil milhões de euros. Já na altura se tratava de uma queda de quase 5%, que contrastava com a tendência de aumento dos depósitos nos outros bancos do sistema. A partir de outubro, contudo, a situação do Banif chegou a um ponto de ebulição. O Santander Totta revela que recebeu depósitos (presume-se que inclui recursos de clientes nesta rubrica) no valor de seis mil milhões de euros.

Vendo-se envolvido na discussão política do pós-eleições, as dificuldades do Banif começaram a sentir na bolsa de valores, com as ações a acumularem várias sessões consecutivas de quedas na ordem dos dois dígitos. O sangramento de depósitos terá acelerado logo a partir da segunda quinzena de outubro, mas escalou para uma hemorragia a partir da semana passada, depois da polémica notícia da TVI de que o banco iria fechar. Segundo apurou o Observador, na semana após essa notícia o Banif perdeu cerca de 900 milhões de euros, um perda incomportável para um banco da dimensão do Banif.

O governo anterior, sobretudo nos últimos dois anos, procurou sempre encaminhar o problema para o Banco de Portugal e deu pouca importância às negociações com a DGCom. À medida que se sucediam os oito planos de reestruturação chumbados (número confirmado já por Maria Luís Albuquerque), foi cada vez menor a proatividade do governo e cada vez menor a paciência de Bruxelas. Má ideia, porque “abandonar a negociação com a DGCom é perder a negociação com a DGCom. Como se viu”, disse um especialista do setor financeiro ao Observador.

Banif podia ter caído logo em 2013. Depósitos dificilmente sairiam imunes

A troika sempre foi cética quanto à recapitalização do Banif e a Concorrência europeia sempre duvidou dos planos de reestruturação, apesar de ter aprovado a ajuda pública de forma temporária, ainda no tempo de Vítor Gaspar. Nessa altura, em finais de 2012, caminhava-se para a crise de Chipre, em que foi proposto um corte a todos os depósitos – incluindo aqueles abaixo da linha sacro santa dos 100 mil euros.

Nessa altura, era diretor adjunto da DGCom Gert-Jan Kooman, que liderou a proposta para o bail in dos depósitos em Chipre. Fonte que acompanhou o processo garante que, caso não tivesse havido essa aprovação provisória da ajuda estatal ao Banif, teria havido um corte aos depósitos no Banif logo nessa altura. Além disso, uma resolução do Banif, nessa altura, poderia perturbar a recuperação da perceção de risco em torno de Portugal. Recorde-se que no final de 2012 estava a preparar-se a primeira emissão de dívida de longo prazo em mercado, por parte de João Moreira Rato (presidente, então, do IGCP) e também de outros bancos, que aconteceria logo dos primeiros dias de 2013.

Além disso, havia que considerar a importância sistémica do Banif nas ilhas, onde tradicionalmente as pessoas tendem a reagir de forma muito imprevisível a momentos de incerteza na banca. E um terceiro ponto: a perceção face ao Banif entre os emigrantes, que tendem a confiar no banco para colocar as remessas, que se tornaram nessa altura uma fonte importante de financiamento para a banca.

Que solução é esta que foi encontrada?

Perante a pressão do tempo e das instâncias europeias, a solução foi encontrada dentro de muitos constrangimentos e com custos muito elevados para os contribuintes, já reconheceu o primeiro-ministro.

A aplicação da medida de resolução levou à separação do Banif não em duas, mas em três partes: a operação bancária, com créditos e depósitos, passou para o Santander Totta; os ativos imobiliários e algumas participações e créditos de má qualidade serão transferidos para uma sociedade veículo, a Naviget; outras participações sociais, obrigações para com acionistas relevantes, obrigações de dívida subordinada, entre outros, ficam no Banif, um banco em resolução que ficará na esfera do Estado.

É para concretizar este complexo desenho, cujas implicações ainda não se conhecem totalmente, que entram as ajudas públicas que o Governo diz serem de 2.255 milhões de euros. A este valor junta-se ainda mais uma garantia de quase 750 milhões de euros.

A fatia mais importante deste envelope corresponde aos 1766 milhões de euros que serão financiados diretamente pelo Estado e usados para recapitalizar o Banif, ou o que sobra dele. Cerca de mil milhões correspondem a injeções de capital necessárias para corrigir os desequilíbrios contabilísticos que resultam do destaque dos ativos que o Santander não quis comprar e que ficam na esfera pública.

Como estes ativos, sobretudo imobiliário e créditos, têm imparidades associadas (perdas), foi preciso transferir também capital para cobrir essas imparidades, designadamente para o veículo que fica a gerir os ativos de pior qualidade do Banif.

O ministro das Finanças, Mário Centeno, manifestou esperança de que a exploração destes ativos, sobretudo via venda, permita retornos que baixem o esforço financeiro da resolução do Banif. Quanto maior for o nível de perdas agora reconhecido, maior será o potencial ganho no futuro e a Comissão Europeia impôs um haircut de 75% nos ativos que passam para a sociedade veículo, o que faz com o que potencial de ganho futuro com a venda seja mais animador.

O bolo contempla ainda garantias da ordem dos 750 milhões de euros assumidas junto do Santander Totta por conta dos ativos e passivos que este banco recebeu, para salvaguardar perdas futuras eventuais face aos valores a que foram transferidos. O preço de 150 milhões de euros pago pela parte saudável do Banif já está está descontado no apoio público anunciado pelo executivo.

Quem assume a responsabilidade da decisão?

O Banco de Portugal justifica-a com “as imposições das instituições europeias e a inviabilização da venda voluntária do Banif”. A Comissão Europeia diz que “as autoridades portuguesas e a Comissão concordaram que, apesar da anterior recapitalização estatal, de 1,1 mil milhões em 2013, a viabilidade do Banif não poderia ser restaurada”. Já António Costa diz que esta foi uma “opção do governo e do Banco de Portugal” que é a que “melhor defende o interesse nacional”.

Mas Costa acrescenta que o arrastar da situação pelo anterior executivo “conduziu a que as instituições comunitárias instassem as autoridades nacionais a apresentarem até ao dia de hoje [domingo] uma solução, sob pena de o Banif deixar de ter condições para operar no mercado”.

O ministro das Finanças denuncia: “Foram demasiados meses e demasiados procedimentos inconclusivos, que não permitiram que esta situação se fechasse, o que fez aumentar o custo da solução implementada neste momento.”

O governo e os partidos à esquerda vão procurar capitalizar politicamente esta responsabilidade/culpa da coligação com uma comissão parlamentar de inquérito ao Banif. A anterior ministra, Maria Luís Albuquerque, garantiu já que estava consciente das dificuldades do banco e recusou a tese de que adiou a operação por causa da venda do Novo Banco.

O caso Banif fica por aqui, como garantiu António Costa?

O primeiro-ministro, António Costa, disse que “esta opção apresenta como vantagem o facto de constituir uma solução definitiva para o problema, não ficando o Estado português sujeito a perdas futuras ou dependente de um incerto processo de venda do banco”. Costa garante que o trabalho, a partir de agora, será feito no sentido da “recuperação possível dos custos hoje assumidos”, isto para “não iludir os contribuintes”.

Um especialista do setor financeiro, ouvido pelo Observador, diz que é arriscado fazer esta garantia de que o problema está resolvido, por muita folga que se tenha previsto nesta operação para contingências. “Pode haver reavaliações nos ativos que são transferidos para o veículo, podem valer muito menos do que aquilo que estão avaliados, portanto quando há uma transferência desses ativos significa que pode ser necessário mais capital depois”, diz a mesma fonte.


Além disso, a medida de resolução prevê que o Santander possa voltar a contactar o Estado no sentido de renegociar a avaliação feita aos ativos que comprou agora, algo que está previsto na garantia estatal autorizada por Bruxelas.

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