domingo, 15 de novembro de 2015

“Muitos socialistas estão incomodados, contorcidos e desiludidos com este PS”


ENTREVISTA
Muitos socialistas estão incomodados, contorcidos e desiludidos com este PS”
SOFIA RODRIGUES 14/11/2015 - PÚBLICO

O líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, acusa o líder do PS de fazer uma “golpada” e de ter colocado uma hipotética governação do país na obrigação de procurar o “apoio simultâneo” do BE e PCP.
Advogado, 42 anos, Luís Montenegro sustenta, na sua primeira entrevista após a reeleição para a liderança da bancada do PSD, que há muitos socialistas que estão “envergonhados” com a estratégia prosseguida por António Costa, mas que estão “em silêncio”, “à espera das benesses” que podem advir do poder. A recusa do PS em fazer uma revisão da Constitucional para antecipar eleições mostra que estão "entranhados na batota".

O PS já recusou a revisão constitucional para permitir eleições e há constitucionalistas a dizer que é inviável por poder vir a coincidir com as presidenciais. O que lhe parece?
A questão é saber se o PS está ou não disponível para dar uma solução a um problema que ele próprio criou, à golpada que construiu. Não me passa pela cabeça que o tenha feito aproveitando as regras constitucionais que impedem a realização de eleições nesta altura. A este propósito, devo dizer que Álvaro Beleza [secretário nacional do PS] apresentou esta proposta no final de Outubro. Creio que há um PS envergonhado que pensa que esta seria a melhor forma de ultrapassar o impasse criado pelo partido: por um lado, não consegue viabilizar o governo PSD/CDS, por outro lado, também não consegue uma coligação com BE, PCP, PEV e PAN. É admirável que António Costa não esteja disponível para resolver, ouvindo a voz do povo, a embrulhada em que meteu o país. Esta revisão extraordinária resolveria esta situação e também acabava com uma norma que não tem fundamento no nosso sistema constitucional, carrega mais problemas do que contribui para uma qualquer solução. A indisponibilidade liminar do PS só pode demonstrar o oportunismo que tomou conta da sua actual liderança. Estão entranhados na batota democrática.

Mas, na proposta de revisão constitucional do PSD de 2010, já Passos Coelho era líder, não consta esta intenção e ao mesmo tempo é sugerida a moção de censura construtiva…
A rejeição do programa de Governo é completamente diferente da apresentação da moção de censura, porque a rejeição impede o Governo de iniciar funções e a censura pressupõe a avaliação dum programa que um Governo está a executar. Mas não é isso que está em cima da mesa neste momento. Nem tão pouco uma revisão alargada. Estamos a colocar uma questão cirúrgica e extraordinária. A situação criada foi a de um duplo bloqueio: o PS adulterou a vontade popular e simultaneamente criou a percepção de ter uma alternativa, quando se trata apenas de inconsistentes e frouxas posições conjuntas. O PS nem aparece com um governo que, mesmo nascendo da batota, garanta estabilidade, durabilidade, previsibilidade e solidez na governação, nem permitiu ao governo do povo que começasse a governar.

Com a demissão do governo, o acordo PSD/CDS para a governação desfaz-se. Como é que as duas bancadas vão actuar?
Neste momento, o Governo está em funções em gestão, o acordo mantém-se inalterado e a nossa intenção é que possamos prosseguir um trabalho conjunto nas bancadas parlamentares.

Na prática como é que vai funcionar? Todas as iniciativas serão conjuntas ou haverá apenas consulta prévia?
Não adiantaria ainda nenhum desses pormenores, mas asseguro com toda a certeza manteremos a relação muito próxima e coesa como até aqui.

Essa estratégia passa por rejeitar, à partida, as iniciativas vindas da esquerda?
O PS colocou o apoio parlamentar do seu governo hipotético nas mãos do BE e do PCP. E já não ponho aqui o PEV porque não tem votos suficientes de per si para poder, com qualquer um dos outros, formar uma maioria. Essa pergunta não deve ser dirigida nem ao PSD nem ao CDS. Deve ser dirigida ao BE, ao PCP e em conjunto. Para que as políticas e as medidas de um hipotético e futuro governo do PS, que vierem ao Parlamento, passarem, é preciso o apoio simultâneo do PCP e do BE. A grande verdade e a grande conclusão é que o PS colocou a sua governação nas mãos destes dois partidos e na circunstância de procurar o apoio conjunto e simultâneo nos dois.

Então o PS não contará com qualquer apoio por parte do PSD?
Essa é uma questão que só nos cabe a nós decidir com total independência e autonomia dos interesses do PS. Mas essa não é uma questão que se deva colocar ao PSD ou ao CDS. O tiro certeiro é perguntar a quem quis derrubar o Governo, no pressuposto de quem tinha uma solução duradoura, estável e consistente com estes partidos específicos, se o vai conseguir alcançar ou não. Eu diria que o ponto de partida, que são os textos distribuídos pelos partidos, é muito frouxo, muito inconsistente, não garante uma governação estável e exibiu a maior das fraquezas. É que, de facto, estes partidos só se unem e uniram com um objectivo que foi derrubar o Governo. Foi, aliás, a única coisa que aplaudiram todos em simultâneo e de pé foi quando foi anunciado o resultado da aprovação da moção de rejeição. É simbólico e é sintomático.

O PSD alega que tem dado apoio a governos minoritários do PS. Isso não vai voltar por acabar por acontecer?
A questão é deslocada. Não deve passar pela cabeça de ninguém, nem de António Costa nem do PS, governar com o apoio do PSD e do CDS como ponto de partida. Porque, se assim fosse, aquilo que faria sentido é o PS respeitar a vontade do povo, deixar este Governo a continuar em funções, e naturalmente fazer as suas exigências, propostas e contributos para viabilizar a política sufragada pelo povo. Agora, temos que ser todos muito sérios e assumir a plenitude das nossas decisões. António Costa fez uma opção em que, de uma assentada, meteu na gaveta a democracia, meteu na gaveta a tradição do PS, meteu na gaveta a história das lideranças de Mário Soares, de António Guterres e de José Sócrates, meteu na gaveta um conjunto de posições inconciliáveis que tanto afastaram o PCP, o BE e o PS. Tudo com o único objectivo de ser primeiro-ministro. Isto não é nenhum desrespeito pelo PCP e pelo BE, que têm toda a legitimidade para ambicionar participar em governos. Devem fazê-lo, não no pressuposto de traírem os seus programas, mas de aproximarem os seus programas ao PS. Isso objectivamente não aconteceu. Há alguma coligação entre o PS, o PCP e o BE? Não, não há. Há algum acordo de incidência parlamentar que vincule em simultâneo estes três partidos para formar a maioria absoluta que tanto têm apregoado? Não, não há.

O Presidente da República deveria dar posse a um governo com estes acordos ou deveria exigir mais?
Teremos respeito absolutamente supremo sobre a capacidade de intervenção e de decisão do senhor Presidente da República. Como partido devemos dizer que não vemos nestas posições conjuntas – que nem acordos lhe quiseram chamar – consistência para podermos ter políticas estáveis e não desperdiçar o esforço dos últimos anos. Vemos as posições conjuntas bilaterais, feitas dois a dois, algumas até relativamente incongruentes, cheias de generalidades, que assumem compromissos, umas vezes até dizem ‘vamos examinar’, ‘vamos tentar conseguir em conjunto’. Nem sequer o apoio político do governo é assegurado. É de facto muito pouco.

O PCP e o BE deviam estar no governo?
Acho que esta aliança negativa para se transformar numa maioria positiva devia ter um compromisso programático muito maior e, porventura, compromisso de intervenção governativa. Há, de facto, aqui uma certa hipocrisia política nesta percepção de que se quer dar ao país de que há um grande acordo, quando afinal ainda não há uma maioria positiva que suporte o Governo. Pela primeira vez desde o 25 de Abril, o Governo não teve a oportunidade de começar a executar o seu programa. Deve haver hoje muitos socialistas militantes e votantes incomodados, contorcidos e diria mesmo desiludidos com este PS de António Costa. Isto não é o PS que a democracia portuguesa conheceu nos últimos 40 anos.

No histórico o que sabemos é que, na crise de 2013, o Presidente exigiu que Paulo Portas se mantivesse no governo...
Desconheço essa exigência, não sei se é verdade ou não e cabe na margem de intervenção e decisão do Presidente da República.

Concorda que o hipotético governo PS tem legitimidade constitucional?
Creio que é relativamente pacífico que, do ponto de vista formal e constitucional, uma solução destas é possível. Agora, a Constituição não é feita só dessa possibilidade, é preciso que os governos assegurem o cumprimento dos tratados orçamentais, que uma norma constitucional também obriga, assumam que os principais desígnios estratégicos do Estado português sejam cumpridos. Estas posições políticas não resolvem aquilo que separa e divide o PCP, o BE e o PS. Lembro-me de António Costa dizer a António José Seguro que ele era igual ao PSD/CDS, naquilo que era a concepção geral do que era a política financeira do país, só se diferenciava pela dose, pelo ritmo. Hoje todos aderiram à tese do doutor Seguro. António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins são os novos seguristas da política portuguesa, porque, de facto, aquilo em que apenas se entenderam foi em acelerar a recuperação de rendimentos.

Se esse hipotético Governo PS conseguir manter e até cumprir uma legislatura, Passos Coelho tem condições para continuar como líder da oposição?
Essa é a pergunta mais perversa que se pode fazer nesta altura. Como é possível que se pergunte se o líder do partido que ganhou as eleições, depois de quatro anos de liderança de governo, com muito sacrifício e dificuldade, tem condições para continuar a fazer o seu trabalho, quando aquilo que se devia perguntar é como é que o líder que foi derrotado clamorosamente, depois de ter prometido levar o seu partido de uma vitória do poucochinho a uma vitória de maioria absoluta, se passeia alegremente a assinar às escondidas, em salas de terceira categoria no Parlamento, acordos bilaterais com outros partidos. Eu não interfiro na liderança do PS, mas é espantoso que o PS não esteja ele próprio a fazer essa discussão. Mesmo que António Costa queira continuar. Aliás, também já há alternativas. Porventura, haverá um grande silêncio dos socialistas, dos que concordam, dos que discordam. Muitos se envergonham da estratégia de António Costa. Mas aí é o poder que manda mais alto, infelizmente, está relativamente claro para mim, com todo o respeito pelos socialistas, estão todos muito envergonhados mas também à espera das benesses que poderão advir da chegada do PS ao poder.

Sentiu na campanha que Costa tinha predisposição para negociar à esquerda ou até que tinha um acordo apalavrado com o PCP?
Eu tenho a certeza absoluta que nenhum eleitor votou no PS com vontade de ver o PS a formar um governo apoiado pelo PCP e pelo BE. Uma coisa são as declarações de diálogo político que foram feitas, outra coisa é formar uma coligação de governo. Estou, aliás, para ver quem é que vai capitular. Em matéria europeia, quem é que vai capitular?

Está a dizer que o PSD e o CDS votam contra?
Não, isso é independentemente do voto do PSD e do CDS. Em matérias de reformas na saúde, na educação, que disseram que tinham de ser revertidas, quem é que vai capitular? Vai ser o PS, o PCP ou o Bloco? Não são o PSD e o CDS que têm de ser chamados à pedra. São os que agora se juntam que vão ter de responder.

Vê-se um dia como líder do PSD?

Não, fazem-me essa pergunta muitas vezes. Não vislumbro que o PSD possa ter problemas de liderança muito antes de 2021 e agora se calhar até mais de 2024. Digo isto com toda a convicção. Pedro Passos Coelho é o líder que os sociais-democratas querem, é o líder que o país precisa que continue no PSD nos próximos anos. É absolutamente prematura essa questão.

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