sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Governo de “iniciativa presidencial” não, o resto talvez…/ As exigências de Cavaco Silva - JOÃO MIGUEL TAVARES / Banqueiros querem estabilidade, finanças consolidadas e compromissos cumpridos

As exigências de Cavaco Silva
JOÃO MIGUEL TAVARES 19/11/2015 - PÚBLICO

Como as coisas estão, Cavaco só pode investir António Costa se desinvestir em si próprio.

À hora a que escrevo, a página oficial da Presidência da República informa-nos de que: “Presidente Cavaco Silva observou unidade de aquicultura da IlhaPeixe”, “Presidente visitou em Câmara de Lobos nova unidade produtiva da Vinhos Barbeito”, “Presidente inaugurou no Funchal Design Centre Nini Andrade Silva”. Consta que também houve divertidas considerações sobre o tamanho da banana da Madeira. Isto é esquisito? Sim, há que admitir que é um pouco esquisito. Não querendo eu desmerecer a machucha importância da Sétima Jornada do Roteiro para uma Economia Dinâmica, assim de repente lembro-me de um ou dois assuntos mais urgentes para Cavaco tratar.

E se eu acho isto esquisito, imaginem os socialistas, os comunistas e os bloquistas, que se desdobraram, num estado semicatatónico, em entrevistas e depoimentos enquanto durava o périplo madeirense do Presidente da República. “É um escândalo!”, gritou Jorge Lacão. “É indigno!”, sussurrou Marisa Matias. “É um gangster!”, ululou o deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro. Convencidíssima de que a jogada de António Costa foi limpinha, limpinha, a esquerda olha agora para Cavaco como se ele fosse um apanha-bolas a queimar tempo para impedir a equipa contrária de ganhar o jogo. Só há um problema com tão arguto raciocínio: Cavaco não é um apanha-bolas. Não agora. Não nesta altura do campeonato. Durante boa parte do seu mandato, a Constituição, de facto, atribui ao Presidente pouco mais do que um papel de figuração. Mas, neste preciso momento, Cavaco Silva é um verdadeiro árbitro do sistema político, e é tão constitucional dar posse a António Costa como não dar posse a António Costa.

Mais do que isso: se Cavaco assinasse de cruz os papelinhos que o secretário-geral do PS andou a congeminar com a esquerda, sem reclamar garantias adicionais, estaria a trair as suas funções de contrapeso do regime e a imolar o discurso que proferiu no dia 30 de Outubro. Foi há apenas 20 dias, mas, dada a falta de memória generalizada, convém recordar as suas palavras e a utilização de um verbo pouco dado a subtilezas – exigir. Disse Cavaco: “Exige-se ao Governo que respeite as regras europeias de disciplina orçamental, nomeadamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento, os pacotes legislativos denominados Six Pack e Two Pack e o Tratado Orçamental”. E, para quem tivesse dúvidas, lá veio o verbo outra vez: “Exige-se, igualmente, que o Governo respeite os compromissos assumidos pelo Estado português no âmbito da União Bancária.”

Não é “aconselha-se”. Não é “recomenda-se”. Não é “seria porreiro, pá”. É “exige-se”. E eu continuo sem ver como é que estas exigências são cumpridas pelos três papelinhos assinados pelo PS. Aliás, tendo em conta que a Europa não é referida uma só vez, será difícil encontrar por ali qualquer interpretação generosa que permita inferir que Bloco, PCP e PEV estão disponíveis para aceitar tais responsabilidades. Ah, esperem, é verdade: os três partidos assumiram que aquilo que será posto em prática é o programa eleitoral do PS, e o programa do PS assume o respeito pelos compromissos europeus. Mas aí, vão-me desculpar: se o programa do PS assume os compromissos europeus e se o Bloco, o PCP e o PEV assumem o programa do PS, então eles que apliquem a propriedade transitiva à política e assinem de uma vez por todos um acordo decente. Como as coisas estão, Cavaco só pode investir António Costa se desinvestir em si próprio.


Banqueiros querem estabilidade, finanças consolidadas e compromissos cumpridos
Maria Lopes 18/11/2015 - 10:54 (actualizado às 20:51)PÚBLICO

Presidente recebeu a banca em Belém, mas ninguém se pronunciou sobre soluções de Governo. Nesta quinta-feira é a vez de economistas e cinco ex-ministros das Finanças e amanhã Cavaco Silva reúne-se novamente com os partidos.

Com palavras diferentes mas todos com o mesmo sentido: os sete banqueiros que esta quarta-feira passaram pelo Palácio de Belém defenderam que o país precisa de estabilidade económica, financeira e fiscal, de prosseguir o esforço de consolidação das contas públicas, e de cumprir os compromissos internacionais. Entre a maioria dos que apenas fizeram uma curta declaração aos jornalistas e os raros que aceitaram perguntas, nenhum quis falar sobre a natureza do próximo Governo – se de gestão ou de iniciativa do PS –, mesmo que isso possa ter implicações sérias seja no rating da República seja no cumprimento dessa espécie de caderno de encargos que os banqueiros deixaram ao Presidente da República.

Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), foi directo: um futuro novo executivo deve ter “capacidade de acção estratégica, muita lucidez e grande realismo”. Para isso, o patrão dos banqueiros considera ser “fundamental” criar um “clima de confiança e de segurança” junto dos cidadãos e dos mercados “não só dos financeiros mas também dos mercados políticos”. Para isso é fundamental que se continue a cumprir os compromissos internacionais – “europeus e outros”, vincou ­-, se prossiga o “rigor das finanças públicas e se acelere a trajectória económica que o país vem seguindo desde os últimos anos”.

O presidente da APB salientou ser “absolutamente necessário criar condições para atrair, mobilizar e dar segurança aos investidores”, mas também é preciso que “haja um grande contributo do Governo para a estabilidade do sistema financeiro”. Vincando que a criação de riqueza depende do investimento e do financiamento”, Faria de Oliveira defendeu que o país, as empresas e os cidadãos precisam que haja um sistema financeiro “sólido e rentável”, com “bancos fortes”. Porque, argumentou, “não há possibilidade de melhorar a condição de vida dos portugueses se não houver criação de riqueza, que antecede sempre a sua distribuição”.

Faria de Oliveira foi o último dos sete banqueiros ouvidos nesta quarta-feira por Cavaco Silva sobre as “condições de financiamento da economia portuguesa no quadro da rejeição" do programa de Governo e sobre as "orientações de política económica e financeira essenciais para assegurar a estabilidade do sistema financeiro", descreveu a Presidência.

O presidente do Millennium BCP, Nuno Amado, defendeu que os dois aspectos mais importantes a que um futuro Governo deve dar atenção são a estabilidade nas políticas, em especial nas fiscais para aumentar a confiança dos investidores, e o cumprimento dos “compromissos mais importantes” a nível europeu – e para isso o Orçamento [do Estado] tem um papel “charneira”.

Eduardo Stock da Cunha, presidente do Novo Banco, recusou qualquer relação entre a natureza do próximo Governo e o processo de venda. Preferiu focar-se em defender que “Portugal terá de continuar a garantir junto dos mercados internacionais que honra os seus compromissos, que é uma pessoa de bem” e manter a trajectória de consolidação das contas públicas. Questionado sobre a demora do Presidente em decidir, vincou que Cavaco Silva “sabe bem os prazos de que dispõe; compete-nos a nós aceitar e respeitar as opções que tem nessa matéria e assumir isso com a maior das tranquilidades”. Não há porém, na lei, quaisquer prazos para que o Chefe de Estado decida sobre o assunto.

À necessidade de estabilidade do sistema financeiro defendida por todos, o presidente da Caixa Geral de Depósitos, José de Matos, acrescentaria a “estabilidade macroeconómica em geral para o país". "Nós somos um banco da economia social e por isso preocupam-nos os impactos sociais de um clima de instabilidade e de retrocesso", vincou o presidente do Montepio Geral, José Félix Morgado, sem especificar que tipo de Governo traria essa instabilidade. Também numa declaração sem direito a perguntas, António Vieira Monteiro, do Santander Totta, defendeu que Portugal precisa de um Governo "forte e estável” e salientou a importância fundamental da diminuição do desemprego e a justiça social - a mesma que Passos disse ser o centro da acção do seu novo Governo - para o desenvolvimento do país.

Fernando Ulrich, do BPI, considerou que Passos fez um “excelente trabalho” desde 2011, mas “confia” que António Costa, se for nomeado primeiro-ministro, terá o “sentido de responsabilidade necessário” para manter o “rigor das finanças públicas e a garantia da estabilidade do sistema financeiro”.

Economistas e ex-ministros quinta-feira, partidos na sexta
Os conselheiros de Estado escolhidos por Cavaco, Vítor Bento e António Bagão Félix, assim como os antigos ministros das Finanças do PS Fernando Teixeira dos Santos, Luís Campos e Cunha, Daniel Bessa, e do PSD João Salgueiro, e o antigo ministro da Economia Augusto Mateus (PS) são os economistas convidados por Cavaco Silva para audiências nesta quinta-feira. São quatro ministros de governos socialistas e dois de executivos sociais-democratas. Amanhã será a vez dos sete partidos com assento parlamentar.

Daniel Bessa (PS) defendeu há pouco tempo não ser bom ter um Governo de gestão, e que este é antes uma “solução de recurso", que poderá acabar em “inflação”. O também socialista Campos e Cunha disse em Outubro estar “relativamente convencido de que [um governo à esquerda] nunca acontecerá”. Seria um “saco muito estranho” e uma solução “possível” mas que não lhe agradava muito prometia ser “duradoura” para o país.

Teixeira dos Santos afirmou há semanas que "a cor política do Governo não será o que mais importará aos agentes económicos. Será, isso sim, dissipar incertezas criadas" e que maior desafio de governo do PS é repor a confiança interna e externa. E o economista Augusto Mateus considerou “muito positivo” que a nova composição do Parlamento traga a “oportunidade para haver uma relação mais interactiva entre os partidos e para colaborarem mais uns com os outros naquilo que é do interesse nacional". Mas avisou: "Não podemos correr o risco de deixar que os mercados, sobretudo os que financiam a economia portuguesa, convirjam para uma situação de desconfiança sobre o futuro da nossa economia. É algo, obviamente, que deve ser profundamente acautelado."

À direita, Bagão Félix acusou António Costa de estar a fazer uma “batota eleitoral” ao querer impor um Governo de iniciativa do PS. João Salgueiro, embora admita que um Governo de “maioria de esquerda consistente podia ser uma boa experiência, ainda que arriscada”, rejeita a eficácia de “um simples apoio parlamentar” que “dificilmente será estável e penaliza, em especial, o PS”. Adivinha um “estado de graça de seis meses” com a complacência da Europa, “mas depois vamos pagar a conta”, avisa.

A audição dos partidos costuma ser o último passo do Presidente antes de anunciar a sua decisão, mas Cavaco Silva poderá ainda convocar o Conselho de Estado, para o que precisa de três dias de antecedência. com Sérgio Aníbal

Governo de “iniciativa presidencial” não, o resto talvez…
Paulo Pena 20/11/2015 - PÚBLICO

Cavaco Silva prepara-se para ouvir os partidos, pela segunda vez desde as eleições. As hipóteses do Presidente são limitadas.

Sem o poder máximo de que dispõe no sistema político português – o de dissolver o Parlamento –, Cavaco Silva tem tentado conquistar espaço político comprando tempo. Ouvindo figuras que escolheu, e que na sala das bicas do Palácio de Belém transmitem à opinião pública, em conferências de imprensa sucessivas, as suas dúvidas e os seus anseios. Algumas e alguns coincidirão com os do próprio Presidente. Mas restam-lhe poucas alternativas para lidar com um Parlamento que parece disposto a levar o braço-de-ferro até ao fim.

É mais seguro analisar o que Cavaco Silva recusa, do que aquilo que tenciona fazer. Em 2013, durante a crise provocada pela demissão de Paulo Portas, Cavaco mostrou-se favorável a um Governo de entendimento entre os então três maiores partidos: PSD, PS e CDS. Enquanto duravam os encontros entre as direcções de Pedro Passos Coelho, António José Seguro e Paulo Portas, ganhou espaço um rumor. Cavaco poderia indigitar um Governo de iniciativa presidencial que materializasse esse entendimento, mesmo que os partidos não chegassem a qualquer acordo. Cavaco foi rápido a desmentir a possibilidade, em declarações à RTP, em Julho de 2013: “Se um Governo que passa na Assembleia não responde perante o Presidente mas só perante a Assembleia, então não faz qualquer sentido um Governo de iniciativa presidencial.”

Para o efeito, o Presidente citou a revisão constitucional que retirou ao chefe de Estado a tutela política sobre o Executivo e a possibilidade de o exonerar: “É um plano que está totalmente excluído, porque desde 1982 com a revisão constitucional os Governos deixaram de responder politicamente perante o Presidente da República.”

Por isso, os deputados que se opuseram a esta diminuição dos poderes presidenciais criticaram, na altura, como Vital Moreira, a limitação: “Cortam-lhe o braço direito e acrescentam-lhe um dedo à mão esquerda”, ironizou o constitucionalista. Outros, como André Gonçalves Pereira viram nesta alteração uma mudança de regime, do semi-Presidencialismo para um “parlamentarismo regulado”.

Em troca, o Presidente recebeu a tal “bomba atómica”, a dissolução, que Cavaco Silva não pode usar (porque o Parlamento só pode ser dissolvido seis meses após a sua posse).

Esse é o poder que permitiu, por exemplo, a Jorge Sampaio impor limites ao Governo de Pedro Santana Lopes. Cavaco não pode, como Sampaio, invocar o poder de dissolver o Parlamento para fazer cumprir aquilo que considera ser obrigatório na actuação do Governo.

Parecem restar-lhe, então, apenas duas alternativas: indigitar António Costa, que dispõe de uma maioria parlamentar que viabiliza o seu Governo, ou manter Pedro Passos Coelho em “gestão”, com poderes limitados e em minoria no Parlamento.

Cavaco Silva ainda não convocou o seu órgão consultivo, o Conselho de Estado. Mas se o fizer, provavelmente ouvirá dos seus 19 conselheiros a mesma conclusão. Costa ou Passos.


Mas, tal como em 2013, Cavaco pode surpreender.

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