sábado, 31 de outubro de 2015

Cavaco ainda não acredita

A mensagem é igual, o destinatário não
Direcção Editorial 30/10/2015 - PÚBLICO

Cavaco mudou o tom do discurso e com isso ajudou a desanuviar o clima de tensão na política.

Que Cavaco Silva vai aparecer na tomada de posse do Governo? Foi a questão colocada nesta quinta-feira neste mesmo espaço. O Cavaco que indigitou o primeiro-ministro há pouco mais de uma semana com um discurso divisionista e acrimonioso? Ou o Cavaco que há quatro anos deu posse a Pedro Passos Coelho com um discurso mais conciliador e construtivo? Na tomada de posse nesta sexta-feira, no Palácio da Ajuda, apareceu o segundo. Não que o conteúdo da mensagem tenha sido substancialmente diferente daquele de há uma semana, porque não foi. Os recados para as negociações que se desenrolam à esquerda foram repetidos, um a um. Mas na tomada de posse nesta sexta-feira, como disse João Galamba, do PS, apareceu um Presidente que baixou, e de que maneira, os decibéis no tom de crispação, o que só ajuda a fortalecer o seu papel de garante do “regular funcionamento das instituições democráticas". E ganha legitimidade para tentar estabelecer pontes entre as diferentes forças políticas.

Fugindo ao tom, e indo à substância, o caderno de encargos deixado no discurso de Cavaco Silva não difere muito daquele de há quatro anos, só que desta vez o remetente não era o mesmo. Se há quatro anos o Presidente pedia a Passos Coelho o “cumprimento dos compromissos assumimos perante as instituições internacionais", e que Portugal não estava em condições de viver "crises políticas sucessivas", desta vez repetiu a mensagem, mas percebeu-se que Cavaco já não estava a falar para o primeiro-ministro que estava na sala no Palácio da Ajuda. Estava a tentar comunicar com o Largo do Rato, com a Soeiro Pereira Gomes e com a Rua da Palma. O Presidente continua a dizer que ainda não lhe foi apresentada "uma alternativa estável, coerente e credível" de governo, o que quer dizer que Cavaco está longe de estar convencido sobre a bondade e a viabilidade de um governo alternativo que venha a nascer à esquerda no Parlamento.

Cavaco ainda não acredita
Leonete Botelho 30/10/2015 -

A intervenção do Presidente da República na tomada de posse do governo PSD/CDS tenta corrigir a linha das interpretações do discurso que proferiu há uma semana, quando anunciou ter indigitado Passos Coelho como primeiro-ministro. Desde logo, ao sentir necessidade de justificar a opção que tomou: pelos resultados eleitorais, pelo “costume político-constitucional” de que forma governo quem ganhou as eleições e – last but not least - porque as outras forças políticas, de esquerda, ainda não lhe apresentaram “uma solução alternativa de Governo “estável, coerente e credível”.

Todo o discurso completa depois esta linha de raciocínio sobre o que representa, para ele, a estabilidade, a coerência e a credibilidade. Pese embora estas três palavras não sejam as mais repetidas no discurso, Cavaco Silva acentua a importância da estabilidade e da credibilidade para aquilo que define como o “superior interesse nacional”. E este é todo virado para a manutenção da “linha de rumo”.

Palavras como “consolidar”, “prosseguir”, “preservar”, “não regredir”, “fidelidade aos compromissos” reforçam a ideia de estabilidade, responsabilidade e credibilidade que tanto repetiu. Sempre com a economia no topo das preocupações.

Nas duas páginas e meia de intervenção, o Presidente da República enumera as obrigações de Portugal em matéria de disciplina orçamental, do Pacto de Estabilidade ao Tratado Orçamental, passando pela dívida e pelo défice, União Bancária e Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento.

Recorda o programa de assistência depois do país ter estado “à beira da bancarrota”, enaltece os “sinais de esperança” e acena com os riscos de se perder a credibilidade externa que permitem os meios de financiamento. Mas reserva apenas uma frase para falar do combate ao desemprego e da promoção de justiça social.


Por fim, o Presidente evoca a importância da estabilidade política, sem a qual “Portugal torna-se um país ingovernável” e “ninguém confia num país ingovernável”. Desta vez, as referências implícitas ao PCP e ao BE são menos crispadas, mas não deixam de estar lá. Como está lá a dúvida profunda que Cavaco Silva tem em relação a um governo apoiado por estes dois partidos. A palavra-chave deste discurso é a credibilidade. E Cavaco ainda não acredita.

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