quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Noitadas à força em Lisboa / Lucy Pepper // Bye, bye Lisboa! / ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO


RUÍDO NOCTURNO EM LISBOA
Noitadas à força em Lisboa
Lucy Pepper
23/9/2015, OBSERVADOR

Gostava de inventar uma maneira de fazer ver a estas pessoas que não é simpático manterem milhares de famílias acordadas toda a noite, todas as noites da semana. Mas estou cansada demais.

Estou a escrever esta crónica à uma e meia da manhã.

Antes de abrir o romance policial escandinavo que me vai pôr a sonhar com homicídios sangrentos no Norte da Europa, abri Observador no meu telemóvel, e encontrei esta carta aberta de um grupo de residentes lisboetas para o presidente da câmara. Queixam-se da vida nocturna e do seu barulho no centro da cidade. Na carta, convidam o presidente da câmara a passar uma noite com qualquer um deles para descobrir como é. O barulho está a obrigar residentes a considerar abandonar os seus bairros, e ameaça tornar partes da cidade inabitáveis.

Neste momento, estou a ouvir, como de costume, esse ruído na rua.

Começa por volta das 23h, um crescendo de palavras e risos que chega ao máximo entre a 1h e as 3h da manhã. Esta noite, ainda não chegou ao máximo. Mas é só segunda-feira.

Há conversa alta de cerca de sessenta pessoas na rua, ao pé de um bar. Temos a sorte de só ter dois bares perto da casa. À tarde, um deles tem música em alto-falantes antigos, a tocar jazz dos anos 30 e 60. Nas noites quentes, dá a impressão de que vivemos numa outra época… até chegarem os clientes, que afogam a música e nos fazem voltar logo ao século XX

A noite continua, o barulho aumenta. É costume haver cem pessoas, duzentas pessoas ao fundo da nossa ruazinha.

Há sempre, mas sempre, alguém a cantar num lado ou noutro. Podem ser alunos universitários a entoar o que parecem hinos bolshevik, ou pode ser um gangue de homens a cantar cânticos de futebol, se houve jogo ou não nesse dia. Pode também ser alguém que se acha suficientemente bom para ir aos Ídolos.

Muitas vezes, adormeço antes do barulho começar. Se já estiver muito alto quando vou para a cama, tenho de usar uma app no telefone que imita os sons de chuva (sim, ainda sou inglesa) para tentar mascarar o barulho da rua. Ajuda, mas não muito.

Além do ruído geral, há gritos e berros e risadas demoníacas, inesperadas e aleatórias e capazes de acordar qualquer pessoa a qualquer hora. O mesmo se passa com as conversas longas e estúpidas por debaixo da janela às 5h de manhã, conversas que infiltram os sonhos e nos convencem que fazemos parte dessas conversas longas e estúpidas. Agora mesmo, estou a ouvir umas jovens americanas e uns jovens portugueses que parecem estar a preparar-se para dormir uns com os outros…. seria menos barulhento se fossem… dormir.

Há ainda os gangues de super-importante tolos com capas académicas que acham que Lisboa é Hogwarts, a praxar os caloiros. As nossa ruazinha tornou-se o local de escolha para alguns dos “dementors” torturarem os seus caloiros, obrigando-os a fazer corridas e idiotices, sempre aos berros, a qualquer hora (ai, as praxes… lá irei um dia destes… ).

Há noites em que, de repente e sem razão nenhuma, se faz um grande silêncio, mas essas noites são cada vez mais raras.

Não me posso queixar muito, e geralmente não me queixo. Optamos por mudar para esta rua neste bairro, sabendo bem que se enche com pessoas e barulho aos fins de semana. Mas hoje é segunda-feira e o barulho é intolerável. No nosso prédio, vivem várias famílias com crianças: bebés que precisam de dormir e adolescentes que (aparentemente) precisam de dormir ainda mais.

De manhã, saímos da porta de frente para enfrentar os resultados da noite anterior. O fedor a urina e a vómito (embora não haja muito vómito… não estamos no Reino Unido…). Há copos de plástico no pavimento, na rua, em cima dos carros, nos parapeitos das janelas. Há vidros por todo o lado.

Todas as manhãs da semana.


Gostava de inventar uma maneira de fazer ver a estas pessoas que não é simpático manterem milhares de famílias acordadas toda a noite, todas as noites da semana. Gostava de inventar isso, mas estou cansada demais…. não durmo há dias.


OPINIÃO
Bye, bye Lisboa!
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO 13/09/2015 - PÚBLICO

A Câmara de Lisboa abdicou da sua responsabilidade planeadora e reguladora, abrindo a caixa de pandora.

Em 1990 Barcelona com 1,5 milhões de habitantes atraiu 1,7 milhões de Turistas. Em 2014 Barcelona recebeu 7,5 milhões de Turistas. Rendimento anual através do Turismo atingiu os 12 mil milhões de euros.

Nas Ramblas, em cada 10 transeuntes, 9 são turistas. 1991: 23,7191991 dormidas; 2003: 37,224 dormidas; 2013: 69,128 dormidas.

Assistiu-se assim, à tranformação de toda a cidade num Parque Temático Turístico e à redução de todas as actividades a uma única, omnipresente e obsessiva Monocultura. O Turismo.

Todo e qualquer sentido do Viver e Habitar quotidiano foi dominado e reduzido à erosão permanente do visitar, do residir temporário, do permanente happening nocturno e da festa contínua.

Ao permitir este consumir de forma erosiva, predadora e esgotante, de todas as características que, precisamente, constituíram o atractivo e o motivo da vinda e, originalmente, o apelo de vísita, Barcelona cada vez mais, e paradoxalmente, foi transformada num local onde Turistas apenas encontram outros Turistas. Uma plataforma globalizada, esvaziada dos seus conteúdos, dos seus moradores e autenticidade original.

Tudo isto levou a uma crescente revolta local, com movimentos cívicos e crescentes manifestações de rua, culminando este processo com a eleição de Ada Colau para presidir o Município.

A primeira medida de Colau foi instalar uma moratória durante 1 ano, de todo o licenciamento para novos projectos turísticos, incluindo hóteis, hostels, reconversões para alojamentos temporários, etc.

Levou também à produção do já famoso Documentário “Bye Bye Barcelona”, no qual, todas estas situações e desafios são ilustrados.

Entretanto, Colau entrou em confronto directo com a airbnb e a Booking.com, exigindo destas organizações especialistas em estadias temporárias, a relação completa das moradas e registos de ofertas dos seus sites.

A todos os endereços ilegais serão impostas multas de 15.000 a 90.000 euros, oferecendo Colau como alternativa ao pagamento das multas pelos proprietários destes alojamentos, a disponibilização pelos mesmos, destas moradas durante três anos, como habitaçào social, para os residentes locais.

A recusa das organizações referidas de disponibilizar as informações exigidas, poderá levar à proibição de acesso a estes sites especializados em oferta de alojamentos temporários, em todo o território da Catalunha.

Alfama recebeu recentemente, a visita do Secretário de Estado do Turismo e do Ministro da Economia, que triunfalmente e com um distanciamento “blasé” em relação a um possível papel regulador, equilibrador, planeador, recusaram qualquer reflexão ou dúvida quanto ao crescimento avassalador da oferta e transformação de todas as residências, em alojamentos temporários, sem qualquer tipo de regulamento ou limites, dedicados ao Turismo.

Nesta irrealista e irresponsável atitude caracterizada por um “laissez faire, laisser aller” in extremis, até criticaram uma tímida e tardia preocupação, formulada por um dos grandes responsáveis por esta ausência de gestão e planeamento, Manuel Salgado.

Com efeito, Manuel Salgado ao anunciar em 2008 “A Baixa nunca será um bairro residencial” e ao propor exclusivamente um investimento na hotelaria, residências universitárias e alojamentos de curta e média permanência, entregando a dinâmica do investimento únicamente às exigências dos “mercados”, abdicou da sua responsabilidade planeadora e reguladora, abrindo a caixa de pandora.

No início do processo, antes da crise e respectiva transformação, motivada pela mesma crise, da cidade num gigantesco negócio de estadias temporárias, e acima de tudo, do exôdo maciço de toda a juventude Portuguesa, estes, naturalmente os potenciais habitantes de uma Baixa ainda vazia , ainda teria sido possível planear / estabelecer um equilíbrio.

Assim também, a possível inserção da totalidade da Baixa num regulamento de rigor Patrimonial determinado pela Unesco não convinha à liberdade de manobra de intervenção e licenciamento de Manuel Salgado, pois iria impedir a sua política de “fachadismo” e de destruição sistemática dos Interiores Pombalinos pelos “investidores”.

 Agora, dramaticamente é tarde, e provavelmente de forma irreversível Manuel Salgado e os dois ilustres visitantes de Alfama vão acabar perversamente por “ter razão” na sua irresponsável atitude e ausência de visão.

Entretanto, brevemente, em frente a Alfama vai surgir o novo terminal de Cruzeiros, aumentando o “potencial” e alargando, através das respectivas intervenções e arranjos da envolvente incluindo possivelmente a desejada desactivação da estação de Santa Apolónia, a plataforma da Monocultura.

Bye Bye Lisboa!

Historiador de Arquitectura

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