domingo, 17 de maio de 2015

Questão grega favorece Governo de Passos e moderação de Costa / Grécia. Terceiro resgate ou o fim da novela de um país que devia estar fora do euro


Questão grega favorece Governo de Passos e moderação de Costa
NUNO RIBEIRO 17/05/2015 - PÚBLICO

A batalha entre a memória e a esperança dos portugueses, a tradicional dicotomia em tempo eleitoral, foi superada pelo receio das consequências ainda imprevisíveis de uma crise exógena.

No guião governamental, o final do primeiro semestre é apontado como tempo de redenção, antevê-se uma janela de oportunidade aberta por resultados ma-croeconómicos de conforto. Neste tabuleiro, um factor externo baralha os dados. Da solução encontrada na União Europeia (UE) para a questão grega depende, em boa medida, o sorriso de São Bento e a validação da prudência de António Costa.

“Há seis meses, o cenário de ruptura [de Atenas com a UE] não era contemplado”, analisa Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). “Se a ruptura acontece, o Governo português sai reforçado”, admite. “Um dos elementos centrais da argumentação do executivo tem sido não haver alternativa; caso surja um caminho mais brando para a Grécia, ficam em causa as políticas de austeridade, a questão grega não é inocente para o Governo”, afirma Carlos Jalali, politólogo e professor da Universidade de Aveiro.

“O discurso de Bruxelas serve ao Governo, embora o PS, por não se ter associado às posições radicais em relação à União Europeia, tenha margem de manobra”, assegura Ana Rita Ferreira, professora de Ciência Política da Universidade da Beira Interior e do Instituto de Políticas Públicas. “A consolidação da ideia de não haver uma alternativa radicalmente diferente [à austeridade] favorece o Governo e fortalece o novo discurso socialista, há um PS antes e outro depois do relatório de Mário Centeno”, pondera António Nogueira Leite, catedrático de Economia e Finanças da Universidade Nova de Lisboa, referindo-se ao documento encomendado pelo Largo do Rato a 12 economistas. “É um programa clássico de voltar a pôr dinheiro nas mãos da classe média”, comenta a politóloga.

Um relatório criticado pelas forças à esquerda do PS, que o consideram uma ponte para um futuro bloco central. A propósito, a professora da Universidade da Beira Interior recorda o discurso prudente do secretário-geral do PS após a sua ronda informativa pelas capitais europeias. “António Costa nunca pôs em causa o tratado orçamental, o que outros partidos de esquerda fizeram”, recorda Ana Rita Ferreira. “Nem falou da reestruturação da dívida, pelo que foi muito criticado, o que lhe dá margem de manobra face ao caso grego”, sustenta.

A Grécia é um marco
A eclosão da crise grega é um fenómeno exógeno a Portugal. Mas ilustra uma nova fase de fazer política no seio da UE e confirma níveis de dependência até agora impensáveis. “É raríssimo um factor externo influenciar tão decisivamente a política interna”, reflecte Carlos Gaspar. Avaliar as suas repercussões é um risco, porque dependem do teor e densidade da solução encontrada com Atenas. Mas o calendário das decisões — em Junho

Julho — tem a inexorabilidade dos prazos fixos e ocorre em plena campanha pré-eleitoral portuguesa. A volatilidade da presente situação torna obsoleta a encenação do relógio digital que Paulo Portas mandou instalar na sede do CDS/PP no Largo do Caldas, que fazia a contagem decrescente do tempo para o fim da assistência financeira externa. E torna, no mínimo, voluntarista o contentamento de quando todos os marcadores chegaram a zero.

Daí que o discurso actual da maioria, que neste sábado à noite celebrou com um jantar em Guimarães a saída da troika, esteja apegado a esta realidade. “Na sessão da Aula Magna de Lisboa [6 de Maio] Passos Coelho disse que o pior já passou, mas referiu o perigo de as coisas correrem mal, o que reforça o peso do caso grego”, lembra Carlos Gaspar.

“A maioria afirma que as coisas não vão ser como dantes, há um antes e um depois, que não há alternativa à política de rigor das contas”, corrobora Carlos Jalali. Se ocorrer uma tragédia grega, há a tentação do “eu ou o caos”.

“O discurso de Passos Coelho é inteligente, se quisesse vestir outra pele perderia a credibilidade, ao fim de quatro anos de sacrifícios tão fortes não pode simplesmente inverter a estratégia”, assinala Ana Rita Ferreira. “É verdade que a troika saiu, que há mais autonomia, mas ainda não há a inversão das políticas de austeridade, dizer o contrário é não ter adesão à realidade”, acrescenta. “Do pós-troika, o que se realça foi não ter sido necessário um segundo resgate”, avança Carlos Jalali.

A gestão que o executivo fez destes 12 meses não foi linear. “A intervenção política do Governo sobre temas económicos continua a surpreender, porque é errático a tentar tirar partido da melhoria gradual da situação económica, devia haver uma linha de continuidade”, aponta António Nogueira Leite. O catedrático aponta um exemplo: “Nas exportações, era mais importante referir a sustentabilidade do processo, que implica investimento e conquista de mercados, do que celebrar números, pois há demasiada dependência da conjuntura.”

“A conjuntura vai evoluir favoravelmente nos próximos meses, mas não sei se o Governo vai a tempo de a aproveitar. Os dados de Junho caem em cima das eleições e os cidadãos são sensíveis ao estado do seu bolso”, prossegue Nogueira Leite. A margem é estreita. “A percepção dominante é a do último ano, os dados económicos agregados podem demorar algum tempo a chegar aos bolsos dos portugueses”, refere Carlos Jalali. “O grande factor na determinação do voto é a avaliação do estado económico do país, o cumprimento do défice, o pagamento das dívidas, mas também a situação económica de cada um e, neste momento, tenho dúvidas de que haja uma conjugação do cumprimento dos cortes orçamentais com a situação pessoal, ainda não ocorreu esta inversão de trajectória”, assinala Ana Rita Ferreira. “Há um crescimento homólogo de 1,4%, mas a criação de emprego não está ao mesmo nível da destruição dos postos de trabalho”, observa.

Deste dilema fez eco, em 21 de Fevereiro do ano passado, Luís Montenegro. Em vésperas do 35.º Congresso do PSD, o líder da bancada parlamentar sentenciou: “A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor que em 2011”. A formulação não foi a melhor, pois sugeria a existência de um país sem gente, de uma entidade quase volátil sem a substância do desemprego e de outros males sociais. Mas revelou prudência.

Muitos casos políticos
“A gestão do Governo nos últimos tempos ficou marcada pelo colapso do império Espírito Santo, que foi bem gerido e que o diferencia de anteriores executivos”, lembra António Nogueira Leite. A professora da Universidade da Beira Interior elenca dossiês que desgastaram o executivo. “A reforma da Justiça deixou os tribunais parados, a colocação dos professores foi um caos, há a privatização da TAP, os vistos gold”, enumera. “A experiência demonstra que as alterações das nossas vidas têm sido acompanhadas pelo deflagrar de muitos casos políticos que ocupam o espaço comunicacional”, refere Nogueira Leite.

Carlos Jalali não deixa de olhar para o outro prato da balança. “Os funcionários públicos têm mais dinheiro no bolso do que há um ano, ainda que menos do que há três”, afirma. “Quem não perdeu o emprego, quem sobreviveu, tem a expectativa de melhoras”, comenta o consultor Pedro Bidarra, ex-vice-presidente da BBDO. Daí, para o perito, a multiplicação de mensagens optimistas. Os “cofres cheios” de Maria Luísa Albuquerque são simbólicos porque proclamados por uma ministra que não se caracteriza pela prodigalidade.


Tudo se resumia, assim, “a uma batalha entre a memória e a esperança dos portugueses”, na dicotomia do consultor. Até que surgiu a questão grega.

  Grécia. Terceiro resgate ou o fim da novela de um país que devia estar fora do euro
ANTÓNIO RIBEIRO FERREIRA
16/05/2015 / Jornal i online

Atenas tem de pagar 27 mil milhões este ano. #Só em Junho e Julho, a factura chega aos 15 mil milhões. Europa e FMI preparam-se para o pior.

Os números falam por si. Depois de ter pago, este mês, 770 milhões ao FMI com dinheiro do fundo de emergência que tem no Fundo Monetário Internacional, a Grécia tem mais dois meses alucinantes pela frente. Em Junho e Julho, a factura vai chegar aos 15 mil milhões de euros de um total de 27 mil milhões que o país terá de pagar até final de 2015. As campainhas de alarme tocaram em Washington com a solução encontrada terça-feira por Varoufakis para não entrar em incumprimento com o FMI, algo que, até agora, só aconteceu com o Sudão, a Somália e o Zimbabué.

A primeira resposta ao alarme veio de Frankfurt, com o presidente do BCE, Mario Draghi, a voar para a capital norte-americana, para conversações com Christine Lagarde. O BCE é o próximo a receber dinheiro de Atenas: uma factura de 7,8 mil milhões que o ministro das Finanças grego já disse que não ia pagar. Quer um aumento das imparidades, isto é, um adiamento dos prazos de pagamento. A resposta de Draghi deve ser dada nos próximos dias, mas o cenário mais certo é o aumento das tensões entre Atenas e os credores internacionais.

Com a corda ao pescoço, a Grécia insiste em aumentar a despesa pública, com ajudas sociais, readmissão de funcionários públicos, reabertura da televisão pública e outras medidas tomadas à revelia do Eurogrupo e do FMI. Enquanto isto acontece em Atenas, com os ministros do Syriza a fazerem discursos inflamados em que recusam qualquer rendição e a assinatura de acordos que ponham em causa as promessas eleitorais, as negociações no âmbito do chamado Grupo de Bruxelas marcam passo. Apesar de o ambiente ter melhorado com a saída de Varoufakis, as informações sobre as finanças gregas continuam a ser escassas e os credores voltam a manifestar publicamente a sua perplexidade com o comportamento do governo grego.

As chamadas linhas vermelhas de Tsipras e Varoufakis continuam em cima da mesa. Recusam mexer na legislação laboral, nomeadamente nos contratos colectivos de trabalho, na política fiscal, no sistema de salários e no de pensões. A posição do Eurogrupo também é clara: os países da moeda única também têm linhas vermelhas e, sem acordo, não sairá um cêntimo para os cofres gregos.

O braço-de-ferro dura desde Fevereiro e não tem fim à vista. Ou tem, se a Grécia ficar sem dinheiro e não tiver outro remédio a não ser aceitar as imposições dos credores. Ou, caso não se renda, sair com estrondo do euro, depois de mais ou menos referendos para salvarem a face de um partido, o Syriza, que chegou ao poder com uma mão-cheia de promessas eleitorais que seriam pagas pelos credores.

A saída da Grécia do euro deixou há muito de ser um tabu. Todas as instituições estão a aproveitar este longo impasse para traçarem cenários e calcularem custos sobre essa saída. O próprio governo grego começa, aos poucos, a preparar a população para essa saída. Esta semana, numa conferência em Atenas, o ministro das Finanças grego admitiu que a Grécia nunca devia ter entrado na moeda única. As razões de Varoufakis podem não coincidir com a opinião dos que perceberam há muito que a entrada precipitada de Atenas no primeiro pelotão da moeda única só foi possível porque os decisores políticos de Bruxelas fecharam os olhos a contas públicas falsificadas e a miragens sobre o estado real da economia grega.

O erro de 2002 ficou a nu em 2010, quando o país entrou em bancarrota e arrastou uma boa parte da sua população para o desemprego e a pobreza. Agora, quase cinco anos e 210 mil milhões depois, a situação não melhorou: o país não tem dinheiro para pagar aos credores e continua sem acesso aos mercados. Um beco sem saída, com muitos recuos e poucos avanços, que está a prejudicar a Grécia e a atrasar a recuperação económica da zona euro. Com os mercados em alerta e desconfiados com o possível tsunami grego, as economias da zona euro, em particular dos países periféricos, crescem tão devagarinho que não criam emprego suficiente para reduzir rapidamente o drama social do desemprego.
Mas o desespero grego também tem facetas positivas. Depois de juras de fé contra as privatizações levadas a cabo nos últimos quatro anos e o anúncio solene da suspensão de todos os processos de privatização, o governo de Alexis Tsipras está a acelerar a venda de mais um terminal do porto do Pireu. Os interessados são chineses e o dinheiro da venda é preciso como pão para a boca para pagar a credores. Não chega é para tanta factura acumulada pelo país dos Jogos Olímpicos de 2004.  

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