quinta-feira, 7 de maio de 2015

Governo diz que vai prosseguir com “determinação” a venda da TAP / A “bandeira” de um país / JOÃO ROCHA DE ALMEIDA

A “bandeira” de um país
JOÃO ROCHA DE ALMEIDA 08/05/2015 - PÚBLICO

Num momento em que se exigia que a crise fosse gerida com um mínimo de visão estratégica, a TAP respondeu com provinciana tacanhice.

Os pilotos da TAP decidiram fazer greve durante dez dias. Foi-lhes imposta a obrigação de realização, nesse período, de um total de 306 voos. Serviços mínimos. Tem de ser, nada a fazer. Mas a TAP decidiu fazer destes serviços mínimos um exemplo. Estes serviços são tão mínimos que quase não os vemos. Mas só se a perspectiva for de quem está a norte.

Num total de 306 voos (qualquer coisa como uma média de 30 voos por cada dia de greve) a TAP achou que seria suficiente realizar apenas seis com partida ou destino no Aeroporto Francisco Sá Carneiro (Porto). Meia dúzia de voos, uns de/para o Funchal e outros de/para o Luxemburgo.

Os números, só por si, já eram de uma clareza cristalina. Mas então a TAP decidiu ir mais longe, e o seu porta-voz explicou, em declarações à Lusa transcritas no PÚBLICO, que a lógica era simples: “O aeroporto de Lisboa tem dimensão maior, é aqui que está o principal hub da companhia. Lisboa gera mais tráfego e toda a operação para as Américas e África.” Pois é. De facto, mais absurdo do que atribuir ao aeroporto do Porto seis dos 306 (!!!) voos “obrigatórios” é justificar essa decisão com base num argumento esférico, estribado numa lógica que disfarça uma decisão insustentável e vergonhosa sob um manto de uma pretensa “racionalidade” saloia, que não atende a qualquer lógica de justiça social na repartição dos incómodos gerados pela greve. O critério é só um: a TAP dá mais voos “obrigatórios” ao aeroporto de Lisboa, porque o aeroporto de Lisboa é maior precisamente porque tem mais voos.

O facto de a TAP demonstrar não ter discernimento que lhe permita perceber o absurdo argumentativo que utilizou diz muito acerca dos motivos pelos quais se encontra na situação difícil que todos os dias é notícia desde que me lembro. Num momento em que se exigia que a crise fosse gerida com um mínimo de visão estratégica, a TAP respondeu com provinciana tacanhice, concluindo com uma explicação que confunde premissa com conclusão e justifica o que não fez hoje com o que não fez no passado e demonstra não ter vontade de fazer de agora em diante.

De acordo com os dados que foram utilizados pela ANA para fixação das taxas reguladas de 2014, o aeroporto do Porto teve em 2014 um volume de tráfego correspondente a cerca de 32% do volume de tráfego registado, no mesmo ano, no aeroporto de Lisboa. Para a TAP, em tempos de escassez, bastam 2% dos voos. Não há um voo para Paris, não há um voo para Londres, nem uma ligação para Frankfurt. A concorrência certamente agradece.

Querem, portanto, fazer da TAP a bandeira do país? Obrigado, mas o país de que a TAP quer ser bandeira não é, certamente, o país que eu quero para o futuro. Infelizmente, também não posso dizer que seja um país do passado. Se calhar o problema é mesmo meu: a TAP conhece muito melhor o “país” em que vivemos do que eu.

Advogado; joaorochadealmeida@gmail.com

Governo diz que vai prosseguir com “determinação” a venda da TAP
RAQUEL ALMEIDA CORREIA 07/05/2015 - PÚBLICO

Secretário de Estado nega reuniões com Efromovich. Fernando Pinto envia carta aos trabalhadores a reconhecer esforço durante a greve.

Apesar da greve e das críticas da oposição, o Governo diz estar determinado em concluir a privatização da TAP, que dá na próxima semana um passo importante com a apresentação de propostas de compra por parte dos potenciais investidores.

No briefing que se seguiu ao Conselho de Ministros desta quinta-feira, o secretário de Estado dos Transportes reagiu às afirmações feitas pelo secretário-geral do PS, numa entrevista à TVI. Na quarta-feira, António Costa disse que, se for eleito primeiro-ministro nas eleições legislativas agendadas para o Outono, “tudo fará para evitar a perda de controlo” da transportadora aérea.

Para Sérgio Monteiro, “o mais importante” a extrair destas declarações é o facto de o principal partido da oposição “ver com bons olhos uma privatização”, embora defenda um modelo completamente diferente, com a dispersão de uma minoria do capital em bolsa.

Tal como já fez anteriormente, o secretário de Estado veio criticar este caminho, defendendo que não é possível vender em bolsa uma empresa com capitais próprios negativos e que uma operação desse tipo “não gera recursos suficientes”, já que o Governo estima que a TAP necessita de 300 milhões de euros no curto prazo.

Apesar do apelo do secretário-geral do PS para que “até às eleições não seja tomada nenhuma decisão que se torne irreversível”, Sérgio Monteiro frisou que o Governo prosseguirá “com determinação” o objectivo de privatizar a TAP. “Faremos o que nos compete. Criaremos condições para que a empresa possa concorrer no mercado com as mesmas armas de todos os seus concorrentes”, acrescentou.

Já o ministro dos Assuntos Parlamentares criticou o PS pelo facto de “ter opiniões diferentes sobre a TAP quando está no poder e quanto está na oposição”. Recorde-se que foram os socialistas que incluíram, no memorando de entendimento assinado com a troika em 2011, a venda da companhia de aviação, embora defendam que o propósito sempre foi uma privatização parcial. Ora, o actual Governo decidiu desfazer-se já de uma participação de 66%, com o objectivo de que o Estado saia totalmente do capital no médio prazo.

Questionado sobre o facto de a SIC ter noticiado que Gérman Efromovich estava em Portugal para reuniões com o Governo, o secretário de Estado dos Transportes negou a existência desses encontros. “Não sabia que estava em Lisboa”, respondeu, assegurando que o empresário, cuja oferta foi rejeitada na primeira tentativa de venda da TAP em 2012, “nunca manifestou vontade ou interesse em reunir-se com qualquer outro membro do Governo”.

Sérgio Monteiro esclareceu que “as reuniões obedecem a regras muito estritas”, já que “são dados momentos no tempo” para este tipo de encontros. “Veremos no dia 15 de Maio” se Efromovich apresenta uma proposta, concluiu.

A verdade é que o empresário, dono do grupo sul-americano Avianca, ainda não tomou uma decisão sobre se irá entrar na corrida à TAP. E só mesmo no dia 15 de saberá que escolha fez, embora, ao que o PÚBLICO apurou, haja poucas expectativas de que avance.

"Conversa surda" com os pilotos
Sobre a greve de dez dias convocada pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, que teve início a 1 de Maio e prolonga-se até ao próximo domingo, o secretário de Estado não quis antecipar se irá ter consequências negativas no processo de privatização. “Saberemos o impacto já daqui a pouco tempo, seja no número de candidatos, seja no valor” oferecido, disse, referindo-se ao facto de os potenciais investidores terem até 15 de Maio para apresentar uma proposta final de compra pela TAP.

Quanto às negociações com os pilotos, que parecem ter caído definitivamente por terra, Sérgio Monteiro disse que o tema é uma “conversa surda” porque estão em cima da mesa exigências impossíveis de satisfazer, como a cedência de uma participação entre 10% a 20% no capital da TAP.

O governante fez questão de sublinhar que “no início, a direcção do sindicato antevia que ao sétimo dia não haveria pilotos suficientes para que os serviços mínimos fossem cumpridos”, mas nesta quinta-feira a TAP está a realizar “85% dos voos”. Uma fasquia superior à que tem sido assegurada desde que a paralisação começou, na ordem dos 70%.

Marques Guedes voltou a apelar “à responsabilidade dos pilotos”, considerando que o sindicato teve uma “atitude pouco responsável, no mínimo”. Para o ministro, a ameaça de um novo período de greves “revela um profundo desrespeito para com os portugueses, o país e a empresa”.

Presidente da TAP assume necessidade de reestruturação
Já o presidente da TAP, que se multiplicou em entrevistas e reuniões com pilotos para evitar a greve, enviou na quarta-feira uma carta aos trabalhadores em que agradece “o enorme esforço e profissionalismo demonstrados ao longo destes dias, tanto pelos pilotos que têm viabilizado diariamente a maior parte da nossa operação, como por todo o  pessoal envolvido nas diversas actividades”.

Para Fernando Pinto, este esforço evitará “que maiores perdas e prejuízos sejam acarretados para a TAP”, embora os prejuízos dos primeiros cinco dias de paralisação já tenham, de acordo com estimativas do Governo, atingido os 17 milhões de euros.

O gestor fala de “alguma esperança de que os danos causados na imagem e credibilidade da companhia possam ser contidos, de modo a podermos restabelecer, com razoável rapidez, a normalidade das nossas operações, e, pouco a pouco,  reconquistarmos a confiança dos nossos clientes”.

Mas, ainda assim, reconhece que é necessária uma reestruturação da transportadora aérea. “Com este esforço de controlo de danos em que estamos empenhados,  a necessária restruturação da empresa, a ter de ser levada a cabo, poderá talvez ser encarada de forma um pouco menos exigente, minorando os sacrifícios necessários”, refere na missiva

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