sábado, 21 de março de 2015

Salgado. O homem que não voltará a ser banqueiro




Salgado. O homem que não voltará a ser banqueiro

Salgado até pode ser inocente mas não pode fugir à responsabilidade de ter sido o líder que levou o GES ao descalabro. Um líder que não assume a sua responsabilidade não é digno desse nome. É um cobarde
Por Luís Rosa
publicado em 20 Mar 2015 in (jornal) i online

Depois de o provérbio chinês da pele do leopardo e da honra dos homens ter marcado a primeira audição de Ricardo Salgado na comissão parlamentar de inquérito, foi a vez de Fernando Pessoa ser citado de forma imprecisa para evitar um pedido de desculpa a accionistas, investidores e depositantes do Banco Espírito Santo (BES).

É precisamente por aqui que devemos começar: só um homem autista, que vive isolado do mundo que o rodeia, pode considerar que não deve um pedido de desculpa a accionistas, investidores e clientes que foram defraudados pela sua gestão. Ricardo Salgado até pode ser inocente de todas as irregularidades que lhe apontam, mas não pode fugir à responsabilidade de ter sido o líder de administrações que levaram o BES e o Grupo Espírito Santo (GES) ao descalabro. Um líder que não assume as suas responsabilidades não é digno desse nome. É um cobarde.

A segunda audição de Ricardo Salgado, na verdade, não trouxe nada de novo. O ex-presidente do BES insiste que, com alguma tolerância de tempo do Banco de Portugal e uma ajuda financeira do Estado, poderia ter dado a volta à situação catastrófica que a sua gestão promoveu no BES. Salgado insistiu pela enésima vez que é uma vítima da acção do governador Carlos Costa – invertendo completamente as responsabilidades no descalabro do império da família Espírito Santo, como se o líder do Banco de Portugal fosse também ele um Espírito Santo ou uma espécie de primo mau oculto de Ricardo Salgado. Fechado no seu mundo, Salgado não percebe que o tempo em que o Banco de Portugal apenas fazia estudos e se confundia com a Associação Portuguesa de Bancos pertence a um passado longínquo. E muito menos entende que quanto mais atacar Carlos Costa mais a opinião pública perceberá que essa é precisamente a prova de que o Banco de Portugal incomodou e fiscalizou o ex-Dono Disto Tudo.

O que não quer dizer que o governador, tal como os restantes reguladores, não tenha a sua quota--parte de responsabilidade – mas que em nada se assemelha à de Ricardo Salgado e dos restantes gestores.

O líder do BES durante mais de 20 anos começou bem a sua segunda audição, mas foi perdendo força face ao escrutínio intenso dos deputados bem preparados da comissão parlamentar de inquérito. Salgado tentou, mais uma vez sem êxito, combater a ideia de quenão é o responsável máximo pelo descalabro do império do GES. Mas hoje é um homem acossado, cansado, com pouca energia, com um raciocínio mais lento – mas que está consciente de que passará o resto da vida a tentar provar a sua inocência nos inúmeros processos-crime e contra-ordenacionais abertos em mais de oito países que investigam a gestão do BES e do GES.

Mais que passar o resto da vida a defender-se, Ricardo Salgado sabe também que não voltará a ser banqueiro em Portugal ou em qualquer outro país relevante do resto do mundo. E essa é a sua maior derrota. Ao fim e ao cabo, Salgado foi educado para liderar os destinos do “seu” banco, foi educado para liderar o grupo empresarial de uma família que tem tanta importância para Portugal como os Rockefeller para os Estados Unidos ou os Rothschild para a Europa e foi educado para liderar com mão de ferro e forma incontestável.

O mundo em que vive neste momento sem poder e sem influência não é o mundo em que foi educado e aquele que pensava que seria eterno. Pior do que está a acontecer só a prisão. Uma realidade que não é tão utópica como era a sua queda em desgraça há dois anos.

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