quinta-feira, 12 de março de 2015

Atenas insiste em ser compensada pela Alemanha pelos crimes nazis

Um discurso para consumo interno
DIRECÇÃO EDITORIAL 11/03/2015 / PÚBLICO

O Governo grego continua a difícil tarefa de ter de governar ao arrepio de muitas das suas promessas eleitorais. Alexis Tsipras e a sua equipa continuam a deitar mão a todos truques de semântica para tentar não perder o apoio do eleitorado. A troika que tinha sido baptizada de “as instituições” agora já foi rebaptizada de o “grupo de Bruxelas”. E enquanto Varoufakis arranca para dois meses de intensas negociações com a troika, o Parlamento grego prepara-se para abrir uma nova frente de batalha contra os alemães. Alexis Tsipras retoma outra das promessas eleitorais ao insistir que a Grécia seja compensada pela Alemanha pelos crimes nazis. A Grécia recorre à Conferência Internacional de Paris de 1946 e o Governo de Berlim “puxa” pelo acordo bilateral assinado em 1960 que “apagou” essa dívida. Independentemente de ter ou não razão, o Governo do Syriza precisa de novas bandeiras para disfarçar os cofres vazios e a maior dependência dos credores.

Atenas insiste em ser compensada pela Alemanha pelos crimes nazis
Alexis Tsipras acusou Berlim de usar “truques legais” para fugir ao pagamento de 162 mil milhões de euros. Alemanha diz que já pagou tudo o que tinha a pagar, em 1960

Ana Gomes Ferreira / 12-3-2015 / PÚBLICO

 O Governo grego está decidido a abrir uma nova frente de batalha com a Alemanha, ao insistir no pagamento de compensações pelos crimes e destruição dos nazis durante a II Guerra Mundial. O tema não é novo, mas ontem o ministro grego da Justiça, Nikos Paraskevopoulos, disse estar pronto para aplicar uma decisão do Supremo Tribunal de Atenas e exigir milhares de milhões de euros a Berlim.
“A título pessoal, penso que a autorização para aplicar a decisão [do Supremo] deve ser dada e estou pronto para fazê-lo”, disse o ministro num debate parlamentar sobre os crimes cometidos pelos nazis na Grécia.
O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, não sendo tão directo, foi mais duro: “Depois da reunificação [da Alemanha], em 1990, foram criadas as condições políticas para resolver o assunto. Mas, desde então, os governos alemães escolheram o silêncio, os truques legais e o adiamento. E pergunto-me, numa altura em que tanto se fala de moral na Europa: é esta uma atitude moral?”
A compensação que a Alemanha deve à Grécia é um tema antigo. Tsipras quer reabrir o dossier e fazer regressar ao trabalho a comissão parlamentar criada em 2012 para investigar o assunto mas suspensa em Dezembro do ano passado, quando foram marcadas as eleições antecipadas que deram a vitória ao Syriza.
“O Governo grego tem por objectivo debruçar-se sobre o assunto com sensibilidade e responsabilidade, através do diálogo e da cooperação, e espera a mesma atitude do Governo alemão, por razões políticas, históricas e simbólicas”, disse o primeiroministro. Tsipras apelou também à compreensão dos outros países europeus ao dizer: “É nosso dever para com a História, para com os combatentes de todo o mundo que deram a vida para derrotar o nazismo”.
A Alemanha reagiu a mais esta investida grega, feita num momento de grande tensão política entre os dois países. A Grécia está a negociar com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional as condições para a entrega da última parte de um empréstimo de 240 mil milhões de euros. Em todo o processo, e dos países com real poder de decisão, a Alemanha foi o país mais intransigente quanto às condições do empréstimo e às reformas que os credores consideram obrigatórias para que o dinheiro chegue a Atenas.
“É nossa firme convicção que a questão das compensações teve uma solução legal e política”, disse ontem Steffen Seibert, o porta-voz da chanceler alemã Angela Merkel. Referiu que, na década de 1960, a então Alemanha Ocidental pagou à Grécia 115 milhões de marcos (cerca de 58 milhões de euros).
Antecipando esta reacção, Tsipras disse no Parlamento de Atenas que esse foi um pagamento feito às vítimas dos nazis. Perto de 300 mil pessoas morreram de fome na Grécia entre Abril de 1941 e Outubro de 1944, vários milhares morreram de represálias. Mas, continuou Tsipras, ficaram por pagar os danos feitos ao país: as infra-estruturas foram praticamente todas destruídas e os empréstimos forçados que o Banco da Grécia foi obrigado a fazer à Alemanha entre 1942 e 1944 destruíram por completo a economia.
Nas declarações de Tsipras há quem leia um posicionamento sobretudo para consumo interno — manter pressão sobre a Alemanha, que muitos gregos consideram responsável pelos programas de austeridade que empobreceram os gregos, caso seja preciso fazer em Bruxelas cedências que poderão desagradar aos eleitores. Porém, as palavras do ministro e de Tsipras devem ser levadas a sério, até porque esta foi uma das suas promessas eleitorais.
Os gregos exigem a Berlim o pagamento de uma dívida antiga no valor de 162 mil milhões de euros (108 mil milhões pela destruição de infra-estruturas) — não é um número aleatório, foi definido na Conferência Internacional de Paris de 1946 — e 54 mil milhões relativos aos empréstimos forçados.
O Governo de Berlim considera que um acordo bilateral assinado em 1960 apagou essa dívida de guerra que a Conferência Internacional de Paris determinou que existia. Posteriormente, considerou que o processo de reunificação encerrara definitivamente o assunto das compensações de guerra. Porém, há 20 anos que os familiares e próximos das vítimas exigem nos tribunais indemnizações. Em 1997, um tribunal grego condenou a Alemanha a pagarlhes 28,6 milhões de euros. E foi uma queixa dos familiares e próximos das vítimas que levou o Supremo Tribunal de Atenas, em 2000, a considerar que há base legal para o pagamento de compensações ao Estado grego — o Governo de então, socialista, decidiu não aplicar a sentença que Nikos Paraskevopoulos quer recuperar.


O ministro da Justiça reconheceu que o caso é “juridicamente muito complexo” e que a data para aplicar a decisão depende de negociações entre Atenas e Berlim “e da autorização do Parlamento grego”.

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