domingo, 15 de fevereiro de 2015

Para onde vai a Grécia de Tsipras? O problema grego é político. Não é a dívida. É a reforma do Estado e da economia Jorge Almeida Fernandes


Para onde vai a Grécia de Tsipras?
O problema grego é político. Não é a dívida. É a reforma do Estado e da economia

Jorge Almeida Fernandes / 15-2-2015

A Grécia apanhou a Europa de surpresa em 2009 e continua a surpreendê-la. Historiadores, economistas e politólogos gregos sempre aconselharam os responsáveis europeus a conhecer um pouco melhor a História grega contemporânea. A questão da dívida ocupa quase toda a cena. Mas a dívida é uma manifestação, não a raiz do problema. Para os historiadores, o “problema grego” não é económico mas político — diz respeito ao funcionamento do Estado. A questão não está nos gregos mas nas instituições. A reforma do Estado e da economia é o nó do problema.

O “sistema grego”
O “sistema grego” remonta ao século XIX. A Grécia emancipouse do Império Otomano em 1829 e o novo Estado começou a ser criado por altos funcionários alemães que acompanhavam o primeiro rei, o príncipe Otão da Baviera. Foi imposto um modelo centralizador contra as resistências de uma sociedade que vivia num quadro político, institucional e cultural otomano.
“A construção prosseguiu dificilmente ao longo dos séculos XIX e XX, com avanços e recuos”, resume George Prevelakis, especialista da geopolítica balcânica e embaixador na OCDE. “Para obter a aceitação das populações rurais e reprimir a sua recusa da modernidade política importada, o poder serviu-se do aparelho de Estado não apenas como instrumento de repressão mas como sistema de distribuição de uma espécie de renda ou tributo. A principal moeda de troca foi o emprego pelo Estado. Um lugar na administração traduzia-se num primeiro tempo pela submissão e, a seguir, em votos.”
Este é o “pacto fundador” que, em grande parte, determinou os estigmas políticos e sociais da Grécia. A fuga ao fisco tornou-se em muitos casos numa prática “legal”: a Igreja Ortodoxa, o maior proprietário do país, ou os grandes armadores estão constitucionalmente isentos. As profissões liberais estavam tacitamente isentas e passaram a protestar contra a “perseguição fiscal” imposta pela troika. “Se a Grécia tivesse um efectivo sistema fiscal, nos padrões da zona euro, a receita duplicaria”, concluía em 2012 o economista Kostas Vergopoulos.
Para poder distribuir uma renda a um grande número de clientes, a elite política tinha de encontrar fontes de financiamento. Para manter um Estado pletórico era necessário sobrecarregar fiscalmente a economia que, em troca, desenvolveu uma cultura de fraude fiscal.
“Nunca sendo suficientes as receitas, foi necessário olhar para o estrangeiro, ontem para a Europa e os Estados Unidos, hoje para a Rússia e a China”, anota Prevelakis. “As elites gregas aprenderam a explorar os sentimentos de simpatia para com a Grécia, assim como a situação geoestratégica do país para obter financiamento estrangeiro.”
Nos últimos 40 anos, os dois grandes partidos, o Pasok, do clã Papandreou, e os conservadores da Nova Democracia, reorganizaram em larga escala as redes de patrocínio. Andreas Papandreou, no poder após 1981, construiu um “socialismo a crédito”, escreve o historiador Nicolas Bloudanis. Impôs-se politicamente pela capacidade de arrancar fundos europeus para alargar a sua base clientelar. “Mas não é o único responsável: a direita é tão estatista como o Pasok. A classe política grega sempre confundiu dramaticamente rendimento e empréstimos.”
Ao clientelismo somam-se os privilégios corporativos de centenas de grupos sociais e económicos fechados — dos advogados aos camionistas —, tal como uma miríade de taxas e isenções em benefício de grupos particulares. É uma “cadeia de direitos adquiridos” que modela e atravessa a sociedade.
Além da austeridade, a Grécia comprometeu-se a fazer uma reforma integral da sua máquina administrativa e da economia. Mas a maioria das medidas foi bloqueada por poderosos grupos de interesses.
Leszek Balcerowitz, que dirigiu as reformas da transição na Polónia nos anos 1990, fez um apelo à UE sobre a crise grega: “Ser flexível na dívida mas intransigente nas reformas”. Não o “perdão” da dívida que Tsipras pede mas uma maior flexibilidade na reestruturação. A mensagem seria “premiar as reformas, não o populismo económico”, e incentivar o crescimento — não pensando apenas na Grécia mas em países como Portugal, Espanha, Itália ou França. A confusão entre reformas e austeridade é perversa. As reformas não sacrificam a generalidade da população, apenas os interesses instalados.
Tsipras e o nacionalismo
A vitória do Syriza significou o desmoronamento do velho sistema bipartidário. Para onde vai a Grécia de Tsipras?
Logo a seguir à vitória do Syriza, observou o historiador Sthatis Kalyvas: “Dado que o Syriza se opõe a muitas das reformas estruturais que são necessárias, (...) a aplicação do seu programa exige nada menos do que um compromisso da UE em financiar permanentemente os crescentes défices. Isto não é realista.”
Tsipras estaria perante um desafio: “Se se mostrar capaz de reformar a disfuncional máquina administrativa, reformar o sistema de pensões, cortar a corrupção e a evasão fiscal, será celebrado como um grande reformador e dominará a política grega por uma década.” Mas a probabilidade deste cenário seria muito baixa — o que as duas semanas seguintes confirmaram.
Tsipras escolheu o terreno da dívida para uma estratégia de confronto com Berlim. Sobre reformas, pouco ou nada disse. Yanis Varoufakis prometeu acabar com a “cleptocracia grega”.
A chave da política de Tsipras é o nacionalismo e, em particular, a germanofobia. Por isso reabriu a questão das “reparações de guerra”. Uma vez mais, é bom lembrar os acessos de febre nacionalista que regularmente percorrem a Grécia. O retrato que a Grécia moderna traça de si mesma é o de vítima: dos otomanos e depois da Turquia, da Grã-Bretanha, da Itália fascista, da Alemanha nazi, dos americanos durante a ditadura dos coronéis, agora da UE e, uma vez mais, dos alemães. Andreas Papandreou e o ex-primeiroministro Antonis Samaras foram mestres na manipulação dessas febres. É uma receita segura para apelar à coesão nacional e esconder os erros.
Tsipras optou pela aliança com o partido ANEL (extremadireita), em detrimento do To Potami (centro- esquerda). O economista Pavlos Eleftheriadis, membro do To Potami, faz uma virulenta denúncia da sua deriva nacionalista e antieuropeia. “Mais do que criticar a austeridade como um erro político, ele condena-a como um ataque à Grécia e como uma imposição neocolonial.”
Que se segue? Escrevia na sexta-feira o diário Ekathimerini: “O Syriza ganhou as eleições com um misto de promessas e fanfarronadas. Agora, para ter sucesso no Governo, tem de pôr termo ao choque com os nossos credores, unificar o partido, unir os gregos e enfrentar os problemas que estão por resolver há longos anos. O partido de Tsipras tem do seu lado as esperanças da maioria dos gregos. É a sua força. Se o Syriza desperdiça este vento favorável, a esperança perdida transformarse-á em desilusão e fúria.”


Tsipras recusa- se a fazer o diagnóstico do “problema grego”. Ou melhor, substituiu- o por um passe de magia: “a libertação nacional do jugo estrangeiro”

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