sábado, 27 de dezembro de 2014

Rússia classifica NATO como principal ameaça à segurança nacional

O regresso de uma tensão histórica
DIRECÇÃO EDITORIAL 27/12/2014 / PÚBLICO

O abandono, por parte do regime de Kiev, do estatuto de não-alinhado que até aqui tem vindo a caracterizar a Ucrânia já fazia prever o que aí vinha: uma reedição da histórica tensão política e militar entre blocos, transpondo para o século XXI o antagonismo entre os países da NATO e os do Pacto de Varsóvia (a URSS e o antigo bloco comunista do Leste europeu), colocando agora de um lado a NATO e do outro a Rússia. O Presidente russo, Vladimir Putin, aprovou uma nova versão da sua doutrina militar em que a NATO surge como a principal ameaça à segurança nacional. Não é o único fantasma que Moscovo tem pela frente (a instabilidade nos países árabes, com destaque para o Iraque e a Síria, também foi inscrita no rol), mas a perspectiva de ver a Ucrânia entrar para o bloco da NATO é, para a Rússia, o desafio maior. Daí a subida de tom, que terá efectiva correspondência (ainda que a título defensivo) no campo militar.

Rússia classifica NATO como principal ameaça à segurança nacional
RITA SIZA 26/12/2014 - PÚBLICO

Nova versão da doutrina militar do Kremlin foi aprovada pelo Presidente Vladimir Putin.
A expansão das capacidades militares da NATO representa a maior ameaça à segurança nacional da Rússia, apesar da “reduzida probabilidade” de uma guerra aberta e de “larga escala” contra o país, diz uma nova versão, actualizada, da doutrina militar do Kremlin que foi aprovada esta sexta-feira pelo Presidente Vladimir Putin.

A revisão da doutrina militar, originalmente definida por Putin em 2010, foi justificada com a necessidade de prever as respostas aos novos desafios externos representados pelo crescimento do bloco da NATO, pelo rescaldo da chamada Primavera Árabe, os conflitos na Síria e Iraque e ainda a “desestabilização de várias regiões” nas fronteiras da Rússia. Segundo o Kremlin, a revisão também veio incorporar novos riscos internos para a segurança, como por exemplo ataques tecnológicos e informáticos, terrorismo e até mesmo a corrupção.

A revisão surge depois de meses de tensão e braço-de-ferro entre a Rússia e a NATO, em sequência da crise na Ucrânia: a anexação da Crimeia pelo Presidente Putin, em Março, e o apoio aos rebeldes separatistas das regiões de Lugansk e Donetsk, acabaram por reeditar o antigo confronto da Guerra Fria. Aliás, o Kremlin alertou o bloco atlântico para a possibilidade de uma crise sem retorno, e ameaçou um corte definitivo de relações com Kiev, se a Ucrânia avançar com uma candidatura formal para a adesão à NATO.

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, referiu-se à renúncia do estatuto de neutralidade aprovado pelo Parlamento ucraniano esta semana como “um perigo” para a segurança europeia e “uma provocação” fomentada pelos aliados ocidentais, que “querem prolongar a crise na Ucrânia e promover a confrontação entre a Rússia e a Ucrânia”, especulou.

As manobras recentes dos Estados Unidos e dos aliados, que movimentaram tropas nos territórios contíguos à fronteira russa, violam os princípios da legislação internacional, declara o documento assinado por Putin. A principal preocupação de Moscovo diz respeito ao desenvolvimento de um sistema balístico anti-míssil estratégico, que os aliados vêm discutindo, e cuja instalação, segundo o Kremlin, “põe em causa a estabilidade global e o equilíbrio de poder em termos de capacidades nucleares (…) ou do recurso a armas convencionais estratégicas e de precisão”.

 O Kremlin também assinala um novo nível de ameaça que tem a ver com a “emergência de redutos de tensão inter-étnica ou inter-religiosa, as operações de grupos estrangeiros de radicais armados ou de companhias militares privadas em áreas adjacentes às fronteiras da Federação Russa e dos seus aliados, bem como da existência de contradições territoriais e do aumento do separatismo e extremismo em diferentes regiões do mundo”.


Mas a revisão mantém inalterado o carácter puramente defensivo da doutrina militar russa, designada a proteger os interesses nacionais do país. O grosso do antigo documento continua válido (por exemplo no que diz respeito à definição das regras de combate das Forças Armadas, ou do uso de armamento nuclear apenas em caso de “risco existencial”), mas as actualizações indicam um claro endurecimento da postura de Moscovo perante os seus “inimigos”, assinalam os analistas – a nova doutrina contempla uma nova noção de “detenção não-nuclear”, que implica um grau elevado de alerta militar.

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