sábado, 29 de novembro de 2014

PSD desafia PS a ser a favor da lei do enriquecimento ilícito. Enriquecimento ilícito. Uma ideia da ONU Por Luís Rosa


PSD desafia PS a ser a favor da lei do enriquecimento ilícito
Teresa Leal Coelho diz estar disponível para propostas dos socialistas de combate à corrupção
Sofia Rodrigues / 29-11-2014 / PÚBLICO

O PSD quer trazer o PS para o debate em torno da criminalização do enriquecimento ilícito e desafia mesmo a liderança de António Costa a um entendimento em torno de medidas de combate à corrupção.
“Lançamos o repto ao PS na criminalização do enriquecimento ilícito, a par de outras medidas de combate à corrupção que o PS queira propor. Estamos disponíveis para um pacote anticorrupção”, afirmou ao PÚBLICO a vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho.
Ressalvando que a proposta da criminalização do enriquecimento ilícito “não é nova”, a deputada do PSD mostrou vontade de que o consenso conseguido no Parlamento em 2012 — à excepção do PS, que votou contra — fosse alargado à bancada socialista, pelo menos, “a parte” dela.
O PSD e o CDS não voltaram a apresentar uma proposta de enriquecimento ilícito desde o chumbo unânime do Tribunal Constitucional (TC), em Abril de 2012, e que resultou de um pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República. Mas desde então a dirigente social-democrata tem trabalhado no diploma para procurar responder às questões colocadas pelo TC. “Temos dois ou três caminhos que nos aproximam ao respeito pelas preocupações manifestadas pelo Tribunal Constitucional e por uma parcela da doutrina”, afirmou a deputada.
O PSD terá ainda de acertar com o CDS as soluções legislativas para ultrapassar o chumbo do diploma. Os centristas sempre ofereceram resistências à proposta e sentemse respaldados pelo acórdão do TC. “Temos o compromisso de analisar novas propostas, com as devidas cautelas constitucionais”, disse Telmo Correia, vice-presidente da bancada do CDS. Os centristas manifestaram sempre muitas dúvidas sobre a tipificação do crime e optaram por não destacar o assunto na reacção à entrevista de Passos Coelho à RTP1, na quinta-feira à noite.
Uma das dúvidas colocadas pelo TC incide na obrigação de justificação da proveniência dos bens e rendimentos que, segundo o entendimento dos juízes, choca com as garantias processuais do visado numa investigação judicial. Teresa Leal Coelho lembra que “por via fiscal já se viola a inversão do ónus da prova”, embora “seja o único caso em que a doutrina é tolerante com esta obrigação de demonstração” por parte de quem é visado. “O nosso entendimento é que isto devia ser universal”, defendeu.
O outro ponto sensível gerado pelo diploma é o direito ao silêncio. A crítica sobre o crime do enriquecimento ilícito é que o silêncio incrimina o visado na investigação. “É que a demonstração da proveniência dos bens deve ter uma configuração em termos que não ajude a incriminar. Entendemos que isto tem de ser possível”, afirmou.
A vice-presidente do PSD defende que a criminalização do enriquecimento ilícito não deve aplicar-se apenas aos titulares de cargos políticos, mas que “deve ser transversal à sociedade”. Esta ideia assenta no princípio de que os recursos financeiros são escassos, numa sociedade aberta de mercado, e que esta é uma medida protectora do capital existente.
Teresa Leal Coelho admite que, se o PSD quisesse apenas penalizar os políticos, poderia ter aceite a proposta da anterior direcção do PS de António José Seguro quanto à obrigação de os deputados demonstrarem o seu património.

Nos últimos anos, os socialistas sob a liderança de José Sócrates votaram sempre contra as propostas de criminalização do enriquecimento ilícito, quer a de Marques Mendes (em 2007), quer a de Manuela Ferreira Leite (em 2009) e ainda a de Passos Coelho em 2012. Teresa Leal Coelho garante que o tema tem estado sempre em cima da mesa e rejeita qualquer associação com o caso do ex-primeiro-ministro José Sócrates. A lei voltou à ribalta quando Passos Coelho, na entrevista, se referiu a ela e defendeu que não se pode “baixar os braços” no combate à corrupção.

Enriquecimento ilícito. Uma ideia da ONU
Por Luís Rosa
publicado em 29 Nov 2014 in (Jornal) i online
Os sucessivos casos ligados a corrupção ou desvio de fundos, como o Face Oculta, o Furacão, o BES, os vistos gold ou Sócrates, obrigam os partidos a reagir

Isaltino Morais demitiu-se de ministro das Cidades e do Ordenamento do Território em Abril de 2003 no dia do primeiro aniversário do governo de Durão Barroso. Tinha 1,2 milhões de euros depositados num banco suíço que nunca tinha declarado ao fisco ou ao Tribunal Constitucional – valor a que se somavam cerca de 500 mil euros depositados em Portugal. Duas semanas depois da demissão argumentou: “90 por cento do meu património foi herdado” e “aos 14 anos já era titular de 20 prédios”, sendo essa a explicação da origem do seu património. Uma visita a Mirandela permitiu constatar que Isaltino tinha herdado duas casas (uma com 30m2 e outra com 25m2) nos arredores da cidade, quatro terras de centeio, uma terra de centeio e trigo, 24 oliveiras, sendo duas estranhas, mais 14 em criação, 14 árvores de lenha, quatro árvores  de fruto e quatro figueiras. A parte mais valiosa desta herança foi vendida por cerca de 750 euros.Isaltino foi condenado e esteve um ano na prisão pelos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Vem este pequeno resumo do caso Isaltino a propósito do crime de enriquecimento ilícito que a deputada Teresa Leal Coelho (PSD) insiste em criar, depois de um chumbo do Tribunal Constitucional (TC) em 2012 à lei aprovada por PSD, CDS, BE e PCP – apenas o PS votou contra. Os sociais-democratas querem retomar o debate, como sempre prometeram, e com a ajuda do CDS fazem um repto ao PS para encontrarem uma fórmula jurídica que permita contornar o chumbo do TC – cujos principais argumentos se basearam na violação da presunção de inocência e da inversão do ónus da prova.

Éimportante referir, em primeiro lugar, que a inversão do ónus da prova já existe no ordenamento jurídico português. Existe no direito penal, devido à norma que obriga à perda de bens a favor do Estado no caso de o património do arguido não se coadunar com os seus rendimentos declarados, e existe no direito fiscal, em que a quase ditadura legal da administração fiscal obriga a pagar primeiro e a reclamar depois.

Por outro lado, a criação do crime de enriquecimento ilícito é recomendada pelas Nações Unidas – uma instituição que está longe de ser populista – na sua Convenção contra a Corrupção e existe em países tão diferentes como França, Áustria, Islândia, Lituânia,Argentina ou Brasil. A ideia de Leal Coelho (ver página 4) passa por alargar o crime a todos os cidadãos, permitindo abranger, além dos funcionários públicos e titulares de cargos políticos, o sector privado.

Os sucessivos casos ligados a corrupção, fraude fiscal ou desvio de fundos, como o BPN, Duarte Lima, Face Oculta, Furacão, BES, vistos gold, BES ou José Sócrates, obrigam os partidos políticos a reagir.

Alguns desses casos ainda não estão terminados, sendo os dois últimos muito recentes, mas as suspeitas noticiadas minam a confiança dos cidadãos no regime e dos investidores internacionais na economia portuguesa. A República precisa de dar sinais claros de que será mais exigente com os seus representantes, funcionários e cidadão. Só assim teremos uma economia de mercado verdadeira, transparente e que promova a concorrência e o desenvolvimento económico. A conclusão só pode ser óbvia: o debate sobre a lei do enriquecimento ilícito é obrigatória e urgente. Para não termos mais Isaltinos.

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