terça-feira, 18 de novembro de 2014

Porque Passos Passos Coelho não remodela o governo?


Porque Passos Passos Coelho não remodela o governo?
Por Luís Osório
publicado em 18 Nov 2014 in (Jornal) i online
Preferimos os que rompem a direito aos que se mostram razoáveis

Na óptica do primeiro- -ministro não faz qualquer sentido, como tantos apregoam, a aposta numa remodelação - sobretudo se nela estiverem incluídos Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz. A principal razão de Passos Coelho não é, neste caso, a defesa dos melhores interesses do país ou a cedência à sua tão afamada teimosia, mas apenas o convencimento de que é um dos poucos trunfos políticos que lhe restam.

O país reconhece a sua coragem. Sabe que não é alguém que deixa cair ministros ao sabor das revoadas mediáticas, que não é sujeito a pressões ou sensível a recados. O primeiro-ministro joga o seu futuro político, mesmo que seja a longo prazo, na ideia de que é um homem diferente dos outros, um líder que, ao contrário da maioria, não demite um ministro só porque uma larga maioria de professores, pais e opinião pública exige que o faça. Ou não se desembaraça da ministra da Justiça por juízes, advogados, ordens e nomenclaturas lhe rogarem por essa saída. Preferirá morrer com as suas convicções a capitular na fraqueza que faz tombar os fracos.

No plano da aritmética da sobrevivência política tem razão, está a jogar bem, e se o país, entre o deve e o haver, vier a reconhecer que equilibrou as contas e salvou Portugal da bancarrota, será o que quiser ser uns anos mais tarde. Poderá até ser premiado com um resultado menos mau do que se possa supor nas próximas legislativas. Não evitará a vitória de António Costa, tal assombro só veria luz se surgisse um qualquer cometa do além ou um escândalo terreno.

O problema é o princípio. Nuno Crato deveria ter saído há muito tempo. A demissão de Miguel Macedo teria de ter sido aceite no instante em que este a apresentou. Relvas não deveria ter apodrecido politicamente tantos meses, e por aí adiante. A representação de homem providencial (mesmo que a representação obedeça ao que é na sua essência, o que dou de barato) não pode ser mais importante que o respeito pelo Estado e pelos cidadãos. É uma questão moral: o primeiro-ministro não nos pode exigir mais competência, mais seriedade, mais brio, melhores contas nas nossas vidas quando, ao nível da cúpula da sua administração, pactua com graves incompetências que põem em causa a vida de milhares de pessoas.

É uma obsessão portuguesa privilegiar os líderes que rompem a direito, os que se sacrificam, os melhores. Preferimo-los aos que são razoáveis ou únicos. Mesmo nas piores alturas, mesmo no império das vacas magras, temos a estranha obsessão de querer que alguns entre nós sejam os melhores do mundo, de desejar que os nossos produtos, a nossa fruta, queijo ou vinho sejam galardoados, que os atletas sejam medalhados e os cientistas reconhecidos. Uma obsessão que nos afasta da possibilidade de sermos únicos. Verdadeiramente únicos. Verdadeiramente reconhecidos como um povo diferente de todos os outros povos e lugares. Não melhores, não piores. Pode até ser que Passos Coelho venha a fazer o contrário e remodele o governo. Mas só obrigado o fará. Só por cima da sua vontade. Porque sabe que um dia, quando o vento amainar, o povo o reconhecerá como o que herdou a coragem portuguesa, o que remou contra a corrente, o melhor.


E o país? O país não tem nada a ver com isto.

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