terça-feira, 28 de outubro de 2014

Lisboa. Marta e Margarida têm um sonho: reabilitar os rés-do-chão abandonados.


Lisboa. Marta e Margarida têm um sonho: reabilitar os rés-do-chão abandonados
Por Marta Cerqueira
publicado em 28 Out 2014 / 28-10-2014 / (jornal) i online
Mariana, Marta, Sara e Margarida são as mentoras do Rés do Chão, um projecto que visa reabilitar os pisos térreos desocupados da cidade

A trabalhar no Brasil, cada vez que vinha a casa, Marta Pavão aproveitava para rever família e amigos e ainda passear por Lisboa. Voltar ciclicamente à cidade onde nasceu permitiu-lhe reparar na quantidade de casas vazias. "Ficava desolada ao percorrer algumas das ruas principais da capital." Juntou então três amigas - Margarida Marques, Mariana Paisana e Sara Brandão -, também elas emigradas entre os Estados Unidos, a Índia e a Argentina - e decidiram fazer alguma coisa para reabilitar os pisos térreos de espaços comerciais desocupados.



O objectivo foi traçado e as quatro arquitectas de 28 anos passaram à prática. Ao arrecadarem o terceiro prémio da FAZ - Ideias de Origem Portuguesa - surge o Rés do Chão, um projecto que aposta numa reocupação horizontal, ao invés da tradicional reabilitação total do edifício. "Por conhecermos bem o bairro de São Paulo decidimos estudá--lo em pormenor", explica Marta, lembrando que em 2013 se depararam com mais de 50% dos pisos térreos desocupados. "Era mais que evidente que esta zona tinha as condições ideais para começarmos o nosso trabalho", acrescenta Margarida.

Com o estudo direccionado para as ruas do Poço dos Negros, da Boavista, de São Paulo, dos Poiais de São Bento e transversais, foi possível perceber que se tratava de um espaço pouco aproveitado para o potencial que tinham: "Tem património histórico, está perto do centro, tem edifícios incríveis, tem historial de ser uma zona de comércio tradicional: era perfeito."

Foi então na Rua do Poço dos Negros que descobriram o espaço ideal para servir de piloto do projecto. O número 119 funciona actualmente como sede da Rés do Chão, mas também como ateliê de trabalho partilhado, subarrendado a mais quatro



Aquilo que foi uma mercearia durante décadas e que estava a servir de armazém há mais de dez anos passou a ser uma espécie de plataforma cooperativa onde trabalham actualmente oito a dez pessoas. "Aproveitámos tudo o que o espaço tinha de original, dos azulejos da parede à parte expositora da mercearia", conta Marta, recordando os dois meses de trabalho, em que foram "arquitectas, trolhas e pintoras". O espaço, que abriu em Junho, serve de escritório às quatro mentoras da Rés do Chão e alberga ainda quatro projectos ligados à moda.

O difícil processo de arrendamento das instalações que servem de sede foi também o espelho do que acontece em muitos espaços da zona quando chega o momento de rentabilizar o negócio. "O imóvel não estava no mercado e o proprietário só estava interessado em vender. Foi difícil mostrar as vantagens que traz um arrendamento. Um espaço fechado não é apetecível para ninguém; já um local reabilitado e aberto torna-o mais interessante, até para uma futura venda", defende a arquitecta.

O local serve de ateliê e montra dos trabalhos das subarrendatárias, que pagam às quatro mentoras entre 150 e 180 euros por mês para usufruir do espaço, preço que inclui despesas de água e luz, direito a montra rotativa e divulgação das marcas. A organização de eventos, com uma série de concertos, festivais e feiras a chamar a atenção para a Rés do Chão, tem sido o mais recente foco do projecto.

Há também especial atenção para as marcas que estão igualmente a ser desenvolvidas neste piso. Joana Quintas é uma das subarrendatárias do espaço, onde tem trabalhado na marca Encaixe, de reaproveitamento de antigas cassetes de VHS para fazer malas e porta-jóias. "Fazia o meu negócio online, mas já há algum tempo que sentia necessidade de ter um espaço físico para trabalhar e expor os artigos", conta ao i, salientando que o saldo tem sido positivo tanto nas vendas como na partilha de experiências: "Como estão várias pessoas da área da moda a trabalhar no mesmo espaço acaba por haver troca de ideias e até de clientes."



MAPA DOS ESPAÇOS VAZIOS
Com um espaço físico aberto, o trabalho das quatro arquitectas, que aos poucos foram voltando para Lisboa, passa agora por fazer um mapeamento do bairro. "Estamos a trabalhar numa lista dos espaços vazios e ao mesmo tempo num mapeamento de todos os negócios que existem nesta zona", diz Margarida Marques. A ideia é que quem cá viva e quem decida vir para cá morar ou trabalhar saiba que tipo de vizinhança vai encontrar: "Só assim vamos conseguir potenciar o bairro." Para esta tarefa contribuiu o concurso BipZip-Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária para 2014 da câmara municipal, que apoia o projecto até Agosto do próximo ano.


Os contactos de pessoas interessadas em arrendar um espaço térreo do bairro são quase diários, garantem. Para Marta Pavão, é a prova de que "o bairro pode voltar ao dinamismo de outros tempos". As arquitectas ressalvam ainda que, apesar da proximidade dos bares do Cais do Sodré, o objectivo não é fazer da zona um pólo nocturno. "O que queremos é que o bairro volte a ser sustentável e que as pessoas possam ter aqui os serviços necessários ao dia-a-dia", concluem.

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