quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Em lume brando, por Luís Osório


Em lume brando
Por Luís Osório
publicado em 25 Set 2014 in (jornal) i online
A pressão cresce em torno do primeiro- -ministro e a incerteza é maior que ontem

O primeiro-ministro pode estar inocente, mas sejamos claros: a declaração de exclusividade assinada pelo seu próprio punho, publicada no "Expresso" e no "Público", perdurará em muitas memórias.

Recapitulo. Na pior das hipóteses, Passos Coelho recebeu dinheiro que não podia ter recebido. Se entre 1995 e 1999 não era deputado em regime de exclusividade, jamais poderia ter cobrado um subsídio de reintegração; mas se o seu contrato fosse de exclusividade, então não poderia ter recebido dinheiro da Tecnoforma. No mais tormentoso cenário, se não é culpado de uma coisa, é culpado da outra. Um problema moral e mortal: é que o esquecimento atingiria os cofres do Estado, pois, a confirmar-se tudo isto, não teria declarado os valores e pago os respectivos impostos.

Para não ficar a queimar em lume brando, pediu um parecer à procuradoria. A PGR ganhou tempo adiando a resposta e o Bloco de Esquerda já avisou que não deixará arrefecer o corpo.

Aconteceu há quase duas décadas, tinha 30 anos e ainda cirandava pela juventude partidária e pelos falsetes da ópera - uma eternidade. O assunto prescreveu, mas para um primeiro-ministro em não há matérias que prescrevam. Ele sabe-o bem. O tema é da ética republicana: o primeiro executivo do Estado não se pode comportar como um chico-esperto saído de um livro de Eça. Isto se a pior das hipóteses se comprovasse, uma situação que não interessa a quase ninguém.

A substituição de líder seria um problema também para o PS. Para Costa ou Seguro é melhor que vá até ao fim; sair agora por este "quilo de batatas" na mercearia do bairro só atrapalharia na contagem de votos em 2015.

E mesmo para Rui Rio e outros putativos líderes futuros seria criar um mártir, que, no altar das vítimas, voltaria mais cedo ou mais tarde, e ainda mais forte, para ocupar o lugar que lhe fora usurpado.

O desejo de todos, menos do Bloco e do PCP, é que Passos Coelho prossiga até ao fim, porque, no final de contas, todos (os que esperam no seu partido ou na oposição) aguardam que vá até ao final num caminho que terminará com o seu próprio calvário. Se têm razão, isso já é uma outra história, um dia tornarei ao tema.


O primeiro-ministro pode ainda assim estar inocente, mas conhece as regras do jogo. Mesmo inocente haverá sempre quem o ache culpado. Não sairemos daqui, do quentinho do lume onde todos os dias chamuscamos mais um bocadinho a credibilidade do regime.

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