quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Cavaco Silva e Ricardo Salgado. Conheça a história da relação entre Cavaco e Salgado.




Cavaco Silva e Ricardo Salgado
Por Luís Osório
publicado em 10 Set 2014 – in (jornal) i online

Estiveram próximos, mas o Presidente nada sabia. Pode ser verdade, mas a verdade também fragiliza

Os últimos anos não têm sido fáceis para o Presidente da República. Em parte pelas circunstâncias, em parte por inabilidade política, Cavaco Silva sairá do Palácio de Belém com a popularidade em baixo ­ algo jamais visto na história da jovem democracia portuguesa.

Tem-se esforçado por isso. A sua personalidade funcionou na perfeição quando, em pleno crescimento económico, assumiu a liderança de dois governos maioritários. Austero e de boas contas, era a antítese de um certo poder aristocrático à direita e à esquerda, um poder que ameaçava condenar o país à instabilidade permanente. Deixou obra.

Só que a frugalidade e a frieza, virtualidades em São Bento, mataram a possibilidade de deixar uma marca em Belém. Desprezou os primeiros-ministros com quem trabalhou e trabalha, isolou-se e ficou também sozinho porque, ao contrário de Soares ou Sampaio, nunca estabeleceu uma cumplicidade afectiva com os portugueses, mesmo com os que nele votaram.

Não foi decisivo no combate à crise. E em todos os pequenos e grandes problemas preferiu passar as responsabilidades para os outros, mostrar que não sabia, não conhecia, não tinha a informação. Há um par de dias fê-lo de novo a propósito do BES. Afirmou esperar que o governo o tenha informado de todos os factos relevantes, o que, para alguém que escolhe as palavras cuidadosamente, quer dizer o óbvio: insinuou que Passos Coelho não o informou, como era sua obrigação.

No i não dizemos o contrário. Mas Carlos Diogo Santos conta nesta edição a história da relação de Cavaco Silva com Ricardo Salgado. Uma ligação constante nas últimas três décadas, que tem sido importante para um e para o outro. Decisiva política e economicamente. Digo-o sem qualquer juízo de valor, simplesmente foi assim, talvez já não o seja. Salgado caiu em desgraça e Cavaco é o Presidente da República, as coisas são o que são. Porém, quando nas mesmas declarações aos jornalistas sublinhou não ter serviços de fiscalização ou de investigação, ilibando-se assim do conhecimento da dimensão do que lhe passou ao lado, Cavaco não é tão credível como deveria. Porque o país é demasiado pequeno e o Presidente, pela relação com Salgado e com grande parte do poder português (na política, na justiça, no sistema financeiro), tinha a obrigação de saber o que necessitava de saber. Se tal não é verdade, depois de 30 anos de poder, então é porque o senhor Presidente da República é afinal um ingénuo abençoado pela história. Não cola. É, como a maioria dos políticos, um sobrevivente.

Conheça a história da relação entre Cavaco e Salgado
Por Carlos Diogo Santos
publicado em 10 Set 2014 – in (jornal) i online
PR tem sido criticado por ter dito em Julho que o banco estava estável. No domingo justificou que só pode saber do que se passa verdadeiramente no banco quando o governo ou as entidades oficiais lhe comunicam

O Presidente da República respondeu este fim de semana a quem o acusa de ter induzido em erro os pequenos investidores que compraram acções do BES poucos dias antes da decisão de recapitalização do banco. Cavaco Silva justificou que as suas declarações de Julho, dando conta que o BES estava estável, tinham por base a informação oficial de que dispunha e adiantou mesmo que espera ter sido avisado atempadamente pelo executivo de Passos Coelho e pelas entidades oficiais assim que houve conhecimento dos reais problemas do banco. Os canais de informação, porém, entre Cavaco e o universo Espírito Santo sempre existiram. Nesta última declaração, o chefe de Estado disse não ter “ministérios”, “serviços de execução política”, nem “serviços de fiscalização ou investigação” para conseguir informação além da que o executivo lhe disponibiliza. Mas desde há muitos anos que são conhecidas as ligações com a família Espírito Santo e a amizade com Ricardo Salgado.

O i foi recuperar o início de uma relação entre professor e aluno que começou na década de 60 e os encontros que mais tarde começaram a traçar uma maior proximidade: desde jantares privados a apoios financeiros à corrida a Belém de 2006.

A REUNIÃO DAVOS
O mediático encontro de 1989 num hotel da Suíça foi um marco nas relações entre o banqueiro e o então primeiro ministro, mas não o início. Salgado já havia sido aluno de Cavaco no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (actual ISEG) na década de 60. É, no entanto, naquela reunião que é comunicada por Salgado e Manuel Ricardo Espírito Santo a Cavaco Silva a intenção da família de retomar parte do império perdido. O chefe do executivo encontrava-se naquele país para estar presente no Fórum Mundial de Davos. Nos últimos 20 anos muita coisa tinha mudado e é ali – no bar do pequeno hotel encerrado para aquela reunião – que Cavaco fica a conhecer os planos da família Espírito Santo para o futuro próximo. Queriam regressar a Portugal com o objectivo de ganhar a privatização do Banco Espírito Santo Comercial de Lisboa – nacionalizados em 1975 – no âmbito da política de liberalização económica promovida pelos governos de Cavaco. 

PRESSÃO PARA CANDIDATURA A BELÉM
O retorno em força dos Espírito Santo ao país acontece dois anos depois da reunião no hotel da Suíça, ainda durante o executivo liderado por Cavaco Silva. Mas se até então as conversações poderiam não passar de meras formalidades, as dúvidas ficam desfeitas quando anos mais tarde, em 2004, Salgado convida Cavaco para um jantar na casa do Estoril, onde em Julho deste ano foi detido no âmbito da Operação Monte Branco.

Aníbal Cavaco Silva chegou com a sua mulher ao jantar onde além de Ricardo Salgado estava Durão Barroso – então primeiro-ministro –, Margarida Sousa Uva, Marcelo Rebelo de Sousa e Rita Amaral Cabral. Na altura o semanário “Expresso” adiantou que o convite tinha como objectivo “pressionar Cavaco a candidatar-se às eleições presidenciais [de 2006]”. O banqueiro terá referido nesse encontro que a presença de Cavaco em Belém seria importante para o país, uma vez que se encontrava numa situação económico-financeira cada vez mais complicada.

A conversa privada rapidamente se tornara pública, uma vez que dentro do PSD havia movimentações para a corrida a Belém e alguns sectores do partido estavam preocupados com a possibilidade de Pedro Santana Lopes avançar.

Contactado então pelo “Expresso”, Ricardo Salgado confirmou o encontro e admitiu a existência de uma relação de amizade: “[Tratou-se] de um jantar privado de casais que têm laços de amizade.”

MAIS QUE AMIZADE
Mas o apoio à candidatura não se ficou pelas palavras dessa noite. Ricardo Salgado fez questão de, no ano seguinte, doar o máximo permitido por lei à candidatura de Cavaco – que entretanto já havia anunciado que estava na corrida a Belém. De acordo com o “Diário de Notícias”, que consultou as contas das campanhas de 2006, a família Espírito Santo foi uma das grandes financiadoras do actual Presidente da República, tendo doado 104 928 euros – o que representa mais  de 5% do total. Só Salgado doou 22 482 euros, o máximo então permitido por lei. O banqueiro foi mais longe que Oliveira Costa, então presidente do BPN, que apenas doou 15 mil euros.

Os apoios da banca a Cavaco não foram exclusivos da família de Ricardo Salgado, mas os dos Espírito Santo foram exclusivamente para Cavaco. Segundo o mesmo jornal, por exemplo, a candidatura de Mário Soares – ainda que tenha tido financiamento da banca – não recebeu qualquer donativo proveniente do universo Espírito Santo.

Ainda assim, no livro “O Último Banqueiro” é referido que Ricardo Salgado também terá incentivado Soares a concorrer contra o social-democrata. Apesar de haver mais apoios para uns que para outros, a obra refere que o objectivo do banqueiro era que o BES fosse “o banco de todos os regimes”. 

UMA RELAÇÃO QUE SE MANTEVE
 Apesar de  dizer várias vezes que o banco agradava a todas as cores políticas, a verdade é que Salgado volta a dar a mão a Cavaco em 2010. Num evento organizado pelo “Económico” o banqueiro defendeu a recandidatura: “O presidente Cavaco Silva é uma referência nacional. Acho que se deve recandidatar.” As contas das presidenciais de 2011 ainda aguardam publicação de acórdão, pelo que não são conhecidos os valores das doações.

Outros factos comprovam a proximidade entre o Presidente da República e os Espírito Santo. Um deles foi a compra do Pavilhão Atlântico pelo consórcio liderado por Luís Montez, o empresário de comunicação genro de Cavaco Silva, numa operação financiada pelo BESInvestimento.


Cronologia

1989 Cavaco Silva, então primeiro-ministro, e Ricardo Salgado encontram-se na Suíça, juntamente com Manuel Ricardo Espírito Santo. Os membros da família Espírito Santo revelam que têm vontade de regressar ao país e assumir novamente a Tranquilidade e o Banco Espírito Santo.

2004 Um jantar na casa do Estoril de Ricardo Salgado juntava o primeiro ministro Durão Barroso, Marcelo Rebelo de Sousa e Cavaco Silva. O “Expresso” noticiou que o encontro tinha a finalidade de mostrar apoio à candidatura de Cavaco nas eleições presidenciais de 2006.

2004 Cinco membros da família Espírito Santo doaram mais de 104 mil euros à Campanha de Cavaco. Segundo o “Diário de Notícias”, a família Espírito Santo foi mesmo uma das grandes financiadoras, representando mais de 5% do total doado a Cavaco Silva. Salgado doou o máximo permitido, na altura, por lei: 22 482 euros.

2010 Ricardo Salgado pressiona Cavaco a recandidatar-se à presidência da República. E chega a dar a sua posição em público, num evento organizado pelo “Negócios”: “O Presidente Cavaco é uma referência nacional. Acho que se deve recandidatar”. Cavaco respondeu, numa entrevista à RTP a partir de Luanda, dizendo que ira pensar em família nesse cenário.

2014
21 Julho - Durante uma viagem à Coreia do Sul, Cavaco acalma os ânimos e diz que o BES está estável. Adianta que a entidade bancária não é permeável aos problemas do Grupo Espírito Santo.
03 Agosto - É anunciada a recapitalização do Banco Espírito Santo e a sua divisão em dois bancos: um bom e um mau. 
07 Setembro - Após criticas de que terá induzido investidores em erro ao dizer que o banco estava estável, Cavaco reage dizendo que as suas declarações tinham em conta as informações que lhe foram prestadas pelo executivo de Passo Coelho, bem como pelas entidades oficiais. Disse esperar que o Governo lhe tenha dado as informações assim que teve acesso às mesmas.

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