terça-feira, 15 de julho de 2014

Um tempo de vários blocos à esquerda.


Um tempo de vários blocos à esquerda
Na Grécia, o Syriza agregou. Aqui estamos no tempo da desagregação
Por Ana Sá Lopes
publicado em 14 Jul 2014 i (jornal) i online

O Bloco de Esquerda foi um cozinhado miraculoso: conseguir juntar a UDP ao PSR, mexer energicamente, acrescentar os ex-comunistas da Política XXI e depois agitar bem e ter a capacidade de institucionalizar um partido que chegou a eleger 16 deputados – como aconteceu nas legislativas de 2009 – foi um acontecimento extraordinário na política portuguesa.
Há várias razões na origem do sucesso: um discurso que rompia com os “mêmes” da esquerda comunista tradicional, incomporando causas que depois ficaram conhecidas como “fracturantes”; um renascer da esperança numa renovação de rostos e de métodos incompatíveis com o PCP da época. O Bloco conseguiu captar jovens quadros que queriam participar politicamente mas para quem o PCP era “velho” – e a sua morte anunciada. Um desses quadros é Ana Drago, que agora se desvincula, e à sua corrente, do Bloco de Esquerda.
A tensão que leva agora Ana Drago a romper com o Bloco é antiga e remonta muito antes da nova direcção João Semedo-Catarina Martins. Só que essa tensão conseguiu ser gerida, com altos e baixos, por Miguel Portas – e às vezes, ao contrário do continuamente propagado, existem pessoas insubstituíveis. Que faria Miguel Portas, se fosse vivo? Esta é a pergunta que está na cabeça de muitos os que se interessam pelo rumo do Bloco de Esquerda.

As duas principais tensões que existem no Bloco são eminentemente políticas: coloca-se o partido numa posição de negociar um acordo parlamentar ou coligação com um governo PS (o que, aliás, Miguel Portas defendia) ou o Bloco afasta--se disso? Até aqui, vingou essa impossibilidade. A reaproximação ao PCP encetada há bastante tempo – a reunião de sexta-feira foi mais um episódio importante – é uma escolha que inviabiliza qualquer colagem ao PS. Este bloco (onde está a direcção) percebe que o BE falhou na capacidade de se constituir como alternativa na crise a um partido muito velho e com muita experiência em crises, como o PCP.

O sucesso relativo do “Livre” nas europeias aumentou a pressão entre os que dentro do Bloco defendem a aproximação ao PS. É muito provável que estes que agora abandonam o Bloco de Esquerda se preparem para concorrer às próximas eleições legislativas em coligação com o “Livre” – se António Costa, entretanto, no meio dos seus pisca-piscas à esquerda, não arrebanhar vários dirigentes e apoiantes.  

Ficamos, assim, com dois blocos: o bloco mais próximo do PCP e o bloco que o PS, se quiser ou precisar, pode ir buscar para uma coligação nas próximas legislativas. Na Grécia, o Syriza agregou. Aqui o momento é de desagregar.

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