segunda-feira, 9 de junho de 2014

O furacão que ganhou dois lugares em Bruxelas sem passar por São Bento


O furacão que ganhou dois lugares em Bruxelas sem passar por São Bento
ANA HENRIQUES , MARIA LOPES e JOSÉ AUGUSTO MOREIRA
Marinho e Pinto, presença assídua em programas de televisão, capitalizou votos nas regiões onde estão as maiores audiências. O homem que causou a maior surpresa das últimas eleições desanca nos políticos e agora é político, diz ser de esquerda mas condena a co-adopção, foi advogado e jornalista ao mesmo tempo vários anos, defende o nacionalista Mário Machado e o ex-autarca Isaltino Morais e considera as leis contra a violência doméstica impregnadas de um “feminismo impertinente”
Como é que uma voz tão crítica dos políticos resolve ir parar à política? Talvez porque o palco privilegiado que tinha no mundo da Justiça já foi desmontado. Ou porque gosta de passar a ideia de que pode fazer diferente e integrar o pequeno grupo dos políticos que eram uma excepção à regra que apregoava sobre “ladrões” — e continua a apregoar — nos programas da manhã televisiva.

A eleição como eurodeputado do advogado e ex-jornalista António Marinho e Pinto — e, por arrastamento, do número dois da lista do MPT — Movimento Partido da Terra, José Inácio Faria — prova que uma televisão líder de audiências consegue vender presidentes com a mesma facilidade com que vende sabonetes, como dizia há uns 15 anos o então director da SIC, Emídio Rangel. A mensagem não importa, o que conta é que ela passa efectivamente para os espectadores. E Marinho e Pinto passou.

Rangel não elegeu um presidente, mas já os apresentadores da TVI Cristina Ferreira e Manuel Luís Goucha têm boa quota de responsabilidade pela ida do ex-bastonário para Bruxelas e Estrasburgo — as cidades belga e francesa entre as quais se divide o Parlamento Europeu — e por este ter arrastado consigo o desconhecido José Inácio Faria.

Cruzando as audiências regionais do programa da manhã Você na TV! com os resultados do MPT, nota-se a influência do factor TV. A norte, onde a dupla Goucha-Ferreira tem o dobro da audiência em relação à região Centro ou Lisboa, foi onde Marinho conseguiu, em média, os melhores resultados, ficando em terceiro lugar no top dos partidos mais votados na maioria dos distritos — no total nacional, ficou em quarto lugar. Na freguesia de Vila Chã do Marão, em Amarante, no distrito do Porto, onde Marinho nasceu, o MPT não recebeu em 2009 um único voto; a 25 de Maio, teve 98, só ultrapassado pelos 122 do PS.

Nos últimos anos, quando ainda era bastonário e já depois de deixar o cargo e até em período de campanha eleitoral, Marinho Pinto sentou-se quase semanalmente nas cadeiras do Você na TV! (é também comentador residente do programa Justiça Cega, na RTP Informação), num cenário enquadrado por reformadas e donas de casa que somam à pensão mensal as senhas de presença nos plateaux televisivos. Que o aplaudiam e meneavam a cabeça em sinal de acordo quando o advogado levantava a voz contra políticos ladrões, os ladrões ladrões, e os restantes ladrões mascarados da sociedade portuguesa. E há muitos por aí, na voz de Marinho e Pinto.

Frontal e sem medo de levantar o dedo nas discussões, é-lhe conhecida também alguma vaidade, que lhe serve de combustível e o motiva a distribuir duras e desassombradas críticas. Fê-lo nos discursos oficiais de bastonário (que mandou compilar na revista da Ordem para colocar à venda e fez questão de publicitar no programa da TVI), nas intervenções em conferências, nos programas de televisão ou quando havia um microfone de rádio ou TV ligado por perto. A actual ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, é um dos seus alvos preferidos.

Aprumou o discurso — populista, dirão alguns — ao tipo de audiência que tem na TVI mas que multiplica em diversas intervenções. Destila veneno contra governantes e deputados, juízes, jornalistas, polícias: “Este fenómeno da corrupção não é desligado da sociedade portuguesa. Temos os políticos que temos, os magistrados que temos, os jornalistas que temos, os advogados que temos porque somos o povo que somos”, disse à SIC em 2009. Fala contra a corrupção que assola o Estado e a morosidade da Justiça parecendo esquecer que os advogados apresentam os mais diversos expedientes para complicar administrativamente muitos processos. Critica os deputados à Assembleia da República que exercem em simultâneo a advocacia em escritórios que trabalham com sectores sobre os quais depois legislam — os “bufarinheiros”. Numa entrevista recente ao Jornal de Notícias, afirmou: “Nos últimos 40 anos, temos visto todo o tipo de negociata na política: pessoas que entram como bancários e saem como banqueiros, entram como operários e saem como empresários, entram com uma mão à frente e outra atrás e saem com fortunas fabulosas.”


O discurso truculento granjeia-lhe rangeres de dentes mais discretos ou mais directos. A quem já o apelidou de palhaço responde: “Nunca me considerei palhaço; intervenho na vida pública com seriedade e sacrifício pessoal.” Foi esse sacrifício, justificou, que o fez exigir um salário de bastonário equivalente ao do procurador-geral da República.
MPT, Marinho e PinTo

Na curta carreira político-partidária activa (o mandato de bastonário foi um tempo de política sem partido), orgulha-se de ter sido ele a escolher o partido e não o contrário. E faz disso ponto de honra, vincando num auto-elogio ser o “único candidato” a quem isso aconteceu. As consequências para o partido, se um dia Marinho entender “divorciar-se” e escolher novo amor, só mais tarde se conseguirão aferir. O advogado diz que foi pelo programa do MPT, que defende valores humanitários e ambientalistas. Na campanha eleitoral, a sigla do partido foi-lhe bem útil: ora apelava ao voto no partido do trevo de quatro folhas, ora explicava, em tom pedagógico, que a cruzinha era na linha que dizia MPT, as iniciais do seu nome, Marinho e PinTo, ou Marinho e Pinto Terra. Simples coincidência ou talvez um fato escolhido à medida.

Contou que foi repetidamente convidado a candidatar-se às autárquicas, quer pelo partido rosa quer por outras esquerdas. E que recusou sempre. Se foram os lugares que não lhe enchiam as medidas ou se foi ele quem se insinuou, ignora-se. Certo é que nenhuma força política lhe pegou na palavra quando se mostrou disponível para ocupar o lugar de provedor de Justiça.

Agora que as portas da política se escancaram de par em par, Marinho e Pinto teve a prova de quanto vale e é possível que já olhe para si como uma marca. Falta fazer a conta: os 234.602 votos arrecadados pelo MPT nestas eleições permitem ao partido encaixar mais de 675 mil euros, a que se somarão as subvenções directas do Parlamento Europeu. O advogado usou várias vezes a TVI para barafustar não contra o financiamento dos partidos mas contra o facto de o esconderem, ao mesmo tempo que ia desfiando, frente às câmaras, números em milhões que vão do bolso dos portugueses para os cofres partidários.


Antes de vestir o fato de candidato, apelou, em várias ocasiões, à abstenção. Em Junho de 2011, antes das legislativas que elegeram o actual Governo, defendeu num noticiário da SIC que fazer “greve à democracia por um dia” seria um “solavanco democrático” das instituições políticas e uma “punição democrática para a mediocridade, para o oportunismo e para a incompetência dos políticos portugueses. De todos”.

O seu percurso político fez-se na esquerda. Foi membro do Movimento Democrático Estudantil, foi detido pela PIDE, militou na Juventude Comunista, isto entre os tempos das lutas académicas e da euforia da revolução de Abril de 1974. Hoje, estará mais no centro-esquerda, tendo em conta, por exemplo, as suas posições sobre a co-adopção por casais homossexuais — o que torna irónico o facto de a entrada de leão de Marinho na política se ter dado à conta do sacrifício de algum eleitorado socialista, partido a quem roubou também o nono deputado. Assumiu que nunca votara no MPT, mas já votou PS, PCP na maioria das vezes, Bloco e PSD em algumas autárquicas — varia consoante acha que é mais “útil” à esquerda.

Tem uma ideia de Europa solidária, baseada nos cidadãos, na liberdade e na paz. Quer instituições europeias mais políticas e menos burocráticas, e políticas que fortaleçam o euro e reforcem a estrutura bancária. O Tratado Orçamental deveria ter sido referendado, mas não vale a pena chorar sobre leite derramado, agora o que há a fazer é cumpri-lo e tentar melhorá-lo. Prometeu que vai lutar por medidas de combate ao dumping social e fiscal para impedir que empresas que operam num país vão pagar impostos a outro com taxação mais favorável. Ao contrário do que defendeu o antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates — que admira —, Marinho e Pinto considera que a dívida é para pagar até ao fim sem perdões —, não pagar é para os indigentes.

O novo político que acusa os políticos profissionais de gostarem de jogar em vários tabuleiros em simultâneo, e de se esforçarem por deixar várias portas entreabertas, já aprendeu que ganha trunfos deixando indefinições no ar. Quando o questionaram sobre o que fará com o capital eleitoral que conseguiu, os cenários de legislativas em 2015 e presidenciais em 2016 fizeram-lhe brilhar os olhos e dizer logo que conseguia cumprir em Belém melhor que o actual inquilino.

Ainda há um ano e meio, quando o telefone do líder do Movimento Partido da Terra tocou e do outro lado estava uma secretária da Ordem dos Advogados a convidá-lo para um almoço de trabalho com o bastonário, John Baker não sabia ao que ia. Marinho e Pinto tinha escolhido um dos seus restaurantes de eleição — seus e de meia classe política portuguesa — para se lhe oferecer como cabeça de lista para as europeias. John Baker conta como ficou surpreendido com a inesperada oferta. Afinal, nunca nas suas inúmeras diatribes contra os poderes instituídos Marinho e Pinto tinha revelado a sua alma ecologista. Ou sequer monárquica, outra das tendências que acolhe o MPT no seu seio.

“Vinham lá as autárquicas, nós ainda nem estávamos a pensar nas europeias”, recorda o dirigente partidário. “Disse que tinha estudado o nosso programa e que tinha grande admiração por Ribeiro Telles”, fundador do MPT. A “união de facto”, como lhe chama o ex-bastonário, revelou-se profícua para ambas as partes. É verdade que Marinho e Pinto sempre se assumiu como um homem de esquerda, mas por ironia a única vez que o MPT entrou no Parlamento foi pela mão do PSD, com deputados independentes eleitos pelas listas laranja.


Entorses ideológicas à parte, John Baker prefere recorrer ao jargão empresarial para descrever aquilo que alguns já designam por “barriga de aluguer”: “É uma parceria que nos está a beneficiar mutuamente. Ele aumentou a visibilidade do MPT, é indiscutível: passámos à primeira divisão dos partidos portugueses.”
Os ecologistas pretendem que a parceria seja duradoura, ao mesmo tempo que tentam refrear ambições a mais altos voos. “Dentro do partido, ainda não houve qualquer discussão sobre as próximas legislativas ou presidenciais”, vai avisando Baker, depois de o advogado ter admitido a possibilidade de entrar nas disputas nacionais de 2015 e 2016, renunciando assim a Bruxelas.

O furacão Marinho arrastou consigo o desconhecido José Inácio Faria, militante do MPT que, como jurista na Câmara de Lisboa, já trabalhou com dirigentes de vários partidos, de Santana Lopes a João Soares, passando pelo comunista Rui Godinho. Tornou-se o segundo deputado europeu do Partido da Terra, que ficou na singular posição de não ter um único representante no Palácio de São Bento.

A chegada ao Parlamento Europeu, há quatro dias, trouxe, para já, o primeiro banho de realidade. Marinho Pinto queria integrar o MPT no grupo dos Verdes, mas estes negaram-lhe a casa por se opor à co-adopção. E os novos eurodeputados tiveram de se desdobrar em contactos com outros grupos parlamentares.

Longe da  “aristocracia lisboeta”

Casado pela segunda vez com uma professora de Filosofia, dedicou a sua vitória nas europeias às filhas, uma das quais emigrou para Macau, repetindo assim a história de vida dos seus avós.

Marinho tem seis meses de vida na aldeia que o viu nascer, Vila Chã do Marão, no concelho de Amarante, quando a mãe, uma mulher habituada a trabalhar no campo, ruma a Niterói, no Brasil, com o marido, alfaiate. O clima tropical fez medrar a conta bancária do pai de Marinho, mas não poupou a saúde à mãe, conta uma prima do advogado, Júlia Marinho Pinto, que se recorda de os ver regressar a Vila Chã, ainda não tinha começado a despontar a barba ao rapaz. Ganhara uma irmã por terras de Vera Cruz, mas perdera um pai — que preferiu nunca voltar, obrigando a camponesa a criar sozinha os dois filhos. Com a ajuda de familiares, a mãe instala-se em Vila Real quando chega a altura de irem para o liceu, e matricula-os no Colégio de S. Gonçalo. Foi nessa altura que começou a acamaradar com estudantes de esquerda, costuma contar o advogado, que em jovem era um apaixonado pela astronomia com o sonho de ser piloto aviador.

Os amigos que ficaram dos tempos de estudante de Coimbra acreditam que não foi só a rudeza da aldeia dos contrafortes do Marão que lhe talhou o estilo de resistência ao “politicamente correcto”, mas também o tempo das lutas académicas, da euforia do 25 de Abril e da convivência com a intelectualidade coimbrã. Construiu desde então um afrontamento dirigido a “uma certa aristocracia lisboeta”, como, com indisfarçável gozo, gosta de se referir àqueles que elege como alvo.

Foi a dita “aristocracia lisboeta” que o derrotou na primeira tentativa de chegar à liderança da Ordem, em 2004, mas já não nos dois escrutínios seguintes — a vitória seria total em 2007 e, depois, com números ainda maiores e inéditos, em 2010.

Coimbra é mais do que a cidade onde estudou, é onde teceu referências e foi ele próprio uma figura da boémia estudantil, recordava há uns anos o Diário de Notícias. Coimbra é a base à qual regressa quando sai da Madeira, de novo quando acaba o breve período em Macau, onde em 1987 foi assessor do Governo, e onde, já adulto, retoma os estudos e reencontra académicos, advogados, gente da cultura, mas também companheiros das lutas estudantis entretanto convertidos em figuras da política e do poder.

Ficou conhecida a tertúlia regular que mantinha nas noites do café Trianon com personalidades da academia e de todos os quadrantes políticos. Gente de esquerda como Orlando Carvalho ou Vital Moreira, Rodrigo Santiago, o socialista Fausto Correia ou o centrista Manuel Queiró, entre outros.

Marinho e Pinto dividiu a sua vida profissional em mais frentes além da advocacia. Começou por ser jornalista, tendo sido delegado da agência ANOP na Madeira (1978-80). Pouco tempo depois, acusou Alberto João Jardim de se portar como “feitor de quintaleco e capataz de fabriqueta”. Houve pressões do Governo Regional para ser substituído, mas há pouco tempo, num programa que dividiu com Jardim, disse ter sido muito bem tratado na ilha. Depois da breve passagem por Macau, foi correspondente do Expresso em Coimbra — mas fazia questão de ir à redacção do jornal em Lisboa para participar nos plenários, como o da tradicional eleição da figura do ano, onde dava asas aos seus dotes de orador e de tribuna. Acumulava a escrita de notícias com a redacção de processos — apesar de ser crítico da acumulação de profissões —, mas garante que cumpria a deontologia das duas actividades.

É o jornal onde denuncia o perdão fiscal à Cerâmica Campos assinado por Oliveira Costa, então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no Governo de Cavaco Silva: o caso chega a inquérito parlamentar. É também dessa altura o processo judicial que moveu e ganhou a Oliveira Costa, que dissera numa entrevista à Antena 1 que António Marinho (o seu nome profissional) tinha “pena fácil e muito pouco honesta”, que fora “corrido de Macau” e “não honrava a profissão”. Terá sido a primeira vez que um membro do Governo foi condenado por difamação.

Marinho e Pinto foi vários anos em simultâneo professor do ensino secundário e depois do ensino superior. Apesar de ter entregue a carteira profissional, diz sentir-se ainda jornalista — “quem foi nunca deixa de o ser”, afirmou há dois anos.
A vitória do "candidato dos descamisados"

O Marinho e Pinto de hoje já é, no discurso e na imagem, mais polido do que aquele que aparecia há uns anos na televisão em mangas de camisa, suspensórios a segurar as calças e brilhantina no cabelo, faz notar um amigo seu: “Nessa altura, parecia um merceeiro e usava uma linguagem excessivamente informal para um advogado. Era considerado um palhaço.”

Só que no final de 2007 é ele que os seus pares escolhem para ficar à frente da Ordem. Encabeça uma lista de desconhecidos, sem os nomes sonantes das grandes sociedades de advogados, e chega a fazer campanha sozinho à porta de tribunais. Lança um retrato da justiça portuguesa, intitulado Dura Lex, cuja apresentação fica a cargo do fiscalista Saldanha Sanches, que lhe gaba a coragem por denunciar o mau funcionamento das instituições.

Um dos seus rivais na corrida para a Ordem chama-lhe o “candidato dos descamisados”: é essa classe cada vez maior de advogados pobres dependentes das defesas oficiosas que lhe dá, em grande parte, a vitória e que há-de mantê-lo como bastonário durante seis anos.

O discurso antipoderosos e anticorrupção granjeou-lhe muitos ódios e ainda mais simpatias. Os juízes tornam-se um dos seus principais alvos. Quando o presidente do Supremo Tribunal de Justiça cessa funções, presenteia-o com um comentário demolidor: “Noronha Nascimento é daquelas pessoas que não olham a meios para atingir os fins. Ideologicamente, é um estalinista puro, ou seja, é capaz de fazer alianças com o próprio diabo. Enquanto todos os outros tribunais mostravam aquilo que se procura no site de um tribunal, o do Supremo exibia a figura mefistofélica do seu presidente. O seu filho conseguiu arranjar um emprego num organismo do Estado que dependia directamente de José Sócrates.”

As polémicas seguem-se a um ritmo quase tão intenso como o dos processos disciplinares que lhe vão sendo levantados pela própria Ordem, onde exige, antes de ser eleito, que o bastonário tenha pela primeira vez direito a salário — e equiparado ao de procurador-geral da República. É a democratização plena do acesso ao cargo, até ali só ao alcance de quem pudesse prescindir de salário durante os três anos de mandato ou de quem conseguisse continuar a atender clientes nos intervalos das suas funções. Expatriado em Lisboa, Marinho passa a morar num hotel também pago pelos advogados, mas há velhos hábitos de que não abre mão, como o pão com azeite e alho ao pequeno-almoço a fazer as vezes da manteiga. O cabrito assado no forno do Solar dos Presuntos traz-lhe memórias das terras do interior do país, contra cujo abandono tanto batalha.

As redes sociais explodiram de gozo e incredulidade pela forma como, no Verão passado, condenou a co-adopção. Na sua coluna de opinião do Jornal de Notícias, dizia que o momento mais belo da vida do ser humano se dá quando “é retirado da vagina ensanguentada” da sua mãe, “ainda todo sujo, roxo e disforme”.

“Nunca esquecerei o momento em que nasci e o primeiro beijo que a minha mãe me deu — quase moribunda por me ter parido”, acrescentava, perante a incredulidade dos leitores. Na rubrica televisiva Justiça Cega, chegou a declarar que “uma das coisas que o Brasil mais tem exportado para Portugal são prostitutas”, e ainda em Março não hesitou em afirmar que o processo de Isaltino Morais não foi isento, considerando chocante que lhe tenha sido recusada a liberdade condicional. As leis da violência doméstica, considera-as impregnadas de um certo “feminismo impertinente”.

Seis meses depois de se tornar bastonário, visita na cadeia Mário Machado, criticando o facto de o líder nacionalista estar preso preventivamente, na sua opinião, devido à sua ideologia. Mário Machado estava então a cumprir dez anos de cadeia por crimes de discriminação racial, posse de arma ilegal e agressões, entre outros crimes; e antes já tinha ficado provado em tribunal o seu envolvimento no homicídio de Alcino Monteiro, um cidadão de origem cabo-verdiana espancado até à morte no Bairro Alto.

Ainda antes, Marinho e Pinto declara que o processo Casa Pia “visou decapitar e esfrangalhar” a direcção do Partido Socialista. Não há-de ser a última vez que toma as dores do PS: em 2009, diz que o processo Freeport não é mais do que “uma conspiração cozinhada numas reuniões entre políticos, jornalistas e inspectores da Judiciária”.

Vê ser-lhe instaurado pela Ordem o décimo processo disciplinar por acusar a ministra da Justiça de se portar “como uma peixeira”. O que não o impede de, menos de um ano depois, apelidar a governante de “barata tonta”, vingativa e traiçoeira. “Toda a gente sabe em Lisboa que subiu muito profissionalmente quando o marido [Paulo Teixeira Pinto, de quem já se divorciou] estava à frente do Banco Comercial Português”, atira.

Na Ordem, os seus opositores chumbam-lhe as contas várias vezes e pedem a sua cabeça. “Terão de me aguentar”, riposta Marinho e Pinto, que só abandona o cargo de bastonário no fim do segundo e último mandato possível, antes do Natal passado, e que lhe tira parte do palco mediático de que tinha desfrutado até então. Deixa uma última prova de poder, fazendo eleger a sucessora que ele próprio designou, Elina Fraga.
A sua truculência “é um estilo cultivado de que tirou partido”, observa o mesmo amigo, que compara a empatia que o antigo bastonário suscita em muita gente com a de Mário Soares, “mas em pior”. E que não tem dúvidas de que o advogado, que considera um grande comunicador, usou a Ordem “como púlpito para ganhar visibilidade e prestígio”. “Com o seu discurso, ganhou grande apoio da burguesia suburbana”, prossegue, acrescentando que o advogado age por instinto, tal como o antigo Presidente da República. Gosta, como ele, de dormir e de comer — “vorazmente” — e é também sensível aos encantos femininos.

As inúmeras discordâncias públicas que manteve com Marinho e Pinto não toldam o discernimento ao seu antecessor na Ordem. “Foi o único vencedor das eleições europeias em Portugal”, observa Rogério Alves, para quem o resultado eleitoral que obteve o coloca “numa posição privilegiada para ser disputado por partidos maiores” e para entrar na vida política nacional. “É alguém profundamente talhado para o sucesso político, mestre em dizer aquilo que as pessoas gostam de ouvir.” E quando envereda pelo exagero ou pelo politicamente incorrecto, consegue capitalizar a desvantagem a seu favor: “Acentua a sua faceta de pessoa frontal, destemida.”

O advogado Rodrigo Santiago, que conhece Marinho e Pinto desde os tempos de estudante de Direito, tem uma explicação para uma carreira política que “não se previa”: “Como já lá tinha o vírus e a energia, a evolução acabou por ser natural.”


Aos olhos de um dos amigos de Coimbra (velho militante no CDS-PP que pede o anonimato), Marinho e Pinto é simples de descrever: “Um combatente que não vira a cara à luta, custe o que custar, homem convicto, de repentes e sem medo, e que acabou sem querer por se transformar numa figura nacional.” Sem querer, querendo.   

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