sábado, 7 de junho de 2014

O Costa no Castelo


“Convinha que se discutisse política. Retirando a saudação à herança Sócrates e uma avaliação mais correcta das origens da crise, Costa não disse nada que ficasse no ouvido. Mas parece que a sedução chega.”

O Costa no Castelo
Por Ana Sá Lopes
publicado em 7 Jun 2014 in (jornal) i online
Não deixa de espantar a onda de sebastianismo a crescer à volta de Costa

A sério, isto não aconteceu com ninguém. Não aconteceu com Durão Barroso (um desastre como líder da oposição), não aconteceu com Guterres ("a picareta"), não aconteceu com Sócrates (o homem do aparelho, excessivamente à direita e que dava entrevistas atulhadas de citações), não aconteceu com Cavaco (o "provinciano"que só falava de números e que era tão à direita que fez implodir o bloco central), não aconteceu com Soares, nem aconteceu com Jorge Sampaio, que não teve hipótese de lá chegar. Talvez tenha acontecido com Ramalho Eanes uma vez - e com o partido que inventou outra. Por outras palavras, tudo isto é muito esquisito.

Há pessoas que acreditam há muitos anos que António Costa dava um bom secretário-geral do PS. Por razões que nunca foram convenientemente esclarecidas, ele sempre recusou avançar. Deixou Sócrates fazê-lo em 2004 (fizeram um pacto em que só um deles avançaria), não quis em 2011 e deixou o caminho aberto a Seguro. Recuou novamente há um ano e meio numa comissão política "em nome da unidade do partido", sabe Deus porquê. Se o objectivo de tantas recusas, recuos, suspenses, volta atrás, palavras cuidadosamente medidas sobre a sua capacidade de ser secretário-geral e um livro - o "caminho aberto" para qualquer lado - era conseguir que no dia em que quebrasse o tabu tinha uma passadeira vermelha, então esse objectivo está conseguido. A liderança de Seguro foi em muitos aspectos desastrada - mas também decorreu no pior momento possível, e logo a seguir ao governo PS mais odiado pelos portugueses, o que tinha assinado o Memorando da troika.

Não deixa de espantar esta onda de sebastianismo a crescer à volta de António Costa, que junta gente muito muito à esquerda do PS com gente muito, mas muito à direita do PS, numa salada de frutas inesperada. Uns acreditam que Costa será o homem que fará a ponte à esquerda (com os exemplos de Roseta e Sá Fernandes em Lisboa). Outros que fará o bloco central com Rui Rio ou com alguém do PSD que não se chame Coelho. Outros ainda que "a abrangência" fará o PS conquistar num ápice a maioria absoluta. António Costa está a ser santificado na praça pública: o Messias está a chegar ao Largo do Rato.

Convinha que se discutisse política. Retirando a saudação à herança Sócrates e uma avaliação mais correcta das origens da crise, Costa não disse nada que ficasse no ouvido. Mas parece que a sedução chega.

EDITORIAL
A “agenda” de Costa e a “crise” do Governo
DIRECÇÃO EDITORIAL 07/06/2014 - PÚBLICO
Costa acena no PS com “uma nova agenda” e o Governo com uma nova crise. Cavaco deixa avisos a todos.


Enquanto António Costa, vindo de Lisboa, escolheu o Porto para apresentar não apenas a sua candidatura a secretário-geral, mas também as suas intenções ao PS, o Governo acenava em Lisboa com a eventualidade de eleições antecipadas se o TC vier a chumbar as medidas que anteontem anunciou. Não é um impasse, é um jogo. Com o PS a braços com uma crise interna que o ocupará pelo menos até Setembro, a hipótese de eleições pode agradar à maioria PSD-CDS, nem que seja como hipotético cenário. Até porque, enquanto o PS não escolher outro, o candidato a primeiro-ministro continuará a ser António José Seguro, até o destronarem do lugar. Ora, nas urnas isso seria desfavorável ao PS, com os eleitores a arriscarem escolher um futuro derrotado ou, pelo contrário, a agravarem, com o seu voto, a crise interna do partido (nova “vitória mínima” seria, no mínimo, um desastre para quem ambiciona governar). O que opõe António Costa a isto? Uma “nova agenda” para uma década, um “PS forte” com “energia motivadora” para “mobilizar Portugal” (a ida ao Porto foi encenada nesse sentido, para desfazer a ideia de um candidato “lisboeta”), a aposta numa “mudança na Europa”, mas com forte consciência nacional (“somos europeístas, mas não podemos ser auto-ingénuos”) e uma linha de raciocínio mais euro-atlantista, para tentar separar as águas internas. Os apoiantes rejubilam, os adversários dizem que tudo isso já tinha sido dito e proposto por Seguro. Guardam-se agora para Ermesinde, para a comissão nacional de dia 22, na certeza de que durante meses o PS não parará quieto. Como levá-lo, assim, a eleições? Por isso a ameaça da maioria, reconfortada. Sendo que, do lado de Belém, não haverá demissão do Governo nem desejo de eleições. Faz parte do jogo imaginá-las e afastá-las em seguida. Um custo muito elevado, diz Cavaco. É um recado para quem o queira ouvir, do PS de Seguro ao Governo, passando pelo TC.

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