quinta-feira, 17 de abril de 2014

Legitimidades


OPINIÃO
Legitimidades
VASCO PULIDO VALENTE 18/04/2014 – PÚBLICO

Uma “revolução” (ou um pronunciamento militar) contra um regime político ilegítimo é, por definição, legítima. Mas dela não deriva uma legitimidade revolucionária. A legitimidade revolucionária não existe. Não passa de um poder de facto.

Desde o primeiro momento que os “capitães de Abril” não perceberam (ou mesmo rejeitaram) esta realidade. Quando saíram à rua, já traziam um “programa” para Portugal, feito não se sabe por quem e largamente copiado do programa do PCP. Não viram, ou viram bem de mais, que estavam assim a substituir a sua vontade à vontade do país. Por outras palavras, que estavam a criar uma nova ilegitimidade. Isto não os comoveu. Os putativos “valores” da “revolução” serviram para justificar qualquer espécie de arbítrio ou de violência.

Sob a tutela, e com a colaboração, do PC e da extrema-esquerda, o MFA descolonizou, nacionalizou, ajudou a ocupar a terra no Alentejo e no Ribatejo, “saneou”, onde o deixaram, personagens que não lhe pareciam, e às vezes não eram, de confiança, censurou a imprensa e a televisão, prendeu a torto e a direito, sem processo ou mandato, e acabou com uma campanha que se destinava a desprestigiar e a suprimir a Assembleia Constituinte. Em quase tudo, seguiu, letra a letra, o manual de Lenine. Quando, em 2014, as “luminárias” da política, do jornalismo e da cultura e até a dra. Assunção Esteves, a segunda figura do Estado, se esforçam por manifestar aos “capitães de Abril” o seu “carinho”, o seu “afecto” e a sua “gratidão”, esquecem que, entre os primeiros dias do Verão de 1974 e o “25 de Novembro” de 1975, não existiu em Portugal verdadeira liberdade; e que só oito anos mais tarde os portugueses conseguiram abolir a tutela militar do Conselho da Revolução.


O coronel Vasco Lourenço e os seus consócios querem agora falar na Assembleia da República, presumivelmente para defender aquilo a que chamam “ideais” de Abril, que, na sua douta opinião, o Governo anda por aí a trair. Sucede que o Governo foi eleito e que nenhum título assiste aos militares, que se consideram depositários de uma herança hoje desacreditada e morta, para expender no Parlamento as suas frustrações. Verdade que a fúria contra a “austeridade” vai tomando formas cada vez mais dúbias. Mas seria intolerável que a República se comprometesse com um gesto que afectaria gravemente a sua própria legitimidade.

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