segunda-feira, 17 de março de 2014

Carta aberta ao 71º subscritor do Manifesto. A raiva que o manifesto dos 70 provocou /OPINIÃO/ JOSÉ PACHECO PEREIRA. Ou tás quietinho ou levas no focinho Por Ana Sá Lopes

OVOODOCORVO publica a resposta de António Costa ao artigo de Pacheco Pereira sobre o Manisfesto dos 70 , actualizando assim o debate .

Carta aberta ao 71º subscritor do Manifesto
17/03/14 00:07 | António Costa in DE online

O 71º subscritor do manifesto pela reestruturação da dívida pública, sim, José Pacheco Pereira, o notável que não assinou um documento tão relevante para o nosso futuro colectivo apenas por incúria, considera que as opiniões críticas a uma proposta de perdão de dívida a dois meses de fecharmos o programa de ajustamento com a ‘troika' são de quem está ao serviço de interesses obscuros, do Governo, dos credores, o que é, claro, tudo a mesma coisa.

Porque os críticos do manifesto são, para José Pacheco Pereira, e não só, uma tropa de combate. Pobreza de espírito, auto-avaliação.

A imprensa económica, o Diário Económico e eu próprio estamos dentro desse círculo de ferro da confiança do poder, escreve Pacheco Pereira. Porquê? Porque só isso pode explicar a discordância em relação a um manifesto que, na verdade, é apenas um pedido de perdão de dívida e um acto falhado de oposição ao Governo e em particular ao primeiro-ministro, Passos Coelho. Como rejeito ataques ‘ad hominem' contra quem quer que seja, reescrevo apenas: uns serviram para credibilizar os objectivos de outros, o ‘manifesto dos 70' não é produto de uma geração, é inter-geracional, mas continua errado, apesar disso. Na substância e na forma. Há, na lista dos 70 notáveis, de tudo, os que acreditam convictamente nas ideias, há os outros, os que não suportam a ideia de Passos Coelho como primeiro-ministro, há os que querem discutir propostas com o País, há os que estão, no fundo, zangados com o País por não terem sido os escolhidos, há os que gostariam de ter sido escolhidos por Passos Coelho, há os que ficaram fora do círculo do Governo. O manifesto é suficientemente branco na linguagem para ser um albergue espanhol, onde cabem todos.


José Pacheco Pereira diz o que julga saber, mas não sabe o que diz. A imprensa económica tem um papel insubstituível na avaliação, e análise rigorosa, do desempenho do Governo no quadro da ‘troika', mas também dos manifestos, dos seus erros e fragilidades, dos pró-governo e dos anti-governo. Claro, a imprensa económica estaria do lado certo se alinhasse com José Pacheco Pereira. Desconhecerá, também, que o Diário Económico promoveu um manifesto no último trimestre de 2012 contra o ‘enorme aumento de impostos' decretado pelo Governo, porque considerava, e considera, que o Governo errou. Considerará esta discordância secundária, mas não saberá, por exemplo, que o manifesto foi entregue e discutido no Parlamento, porque mereceu a assinatura de mais de 60 mil notáveis, os portugueses sem colunas de opinião, sem programas de televisão, esmagados por impostos e que, por causa disso, apoiaram nesta iniciativa. E hoje promoveria outro, por estabilidade orçamental, por um tecto na despesa pública, por excedentes primários. E José Pacheco Pereira seria convidado a subscrevê-lo. Duvido que o fizesse.


José Pacheco Pereira bem tenta defender o manifesto dos 70, mas não consegue. Só ataca os que o criticam. Porque não quer, porque não sabe? Pelas duas razões. O 71º subscritor bem sabe o que está em causa, a reestruturação da dívida, não é apenas uma questão de semântica ou de comunicação, é uma proposta que tem um objectivo - Portugal deve beneficiar de um perdão de dívida - para conseguir outro - Portugal tem de manter o Estado como está, sem reformas. Mas como os 70 subscritores sabem, e José Pacheco Pereira também, se os credores levassem o manifesto a sério, as consequências seriam suicidas, contrárias aos seus objectivos, e, portanto, é preciso deixar espaço à ambiguidade, à falta de transparência, num documento que, diga-se de passagem, é pobre do ponto de vista técnico, inconsistente até, mas é habilidoso do ponto de vista político, fino, oportunista também, quando aproveita o prefácio do Presidente da República e a dificuldade, inquestionável, do que se vai seguir a 19 de Maio. Não, a nossa vida colectiva não vai mudar no dia 20, não haverá nenhum 1640, com ou sem relógio em ‘countdown', haja alguma coisa em que concordo com José Pacheco Pereira. E é por isso que é tão importante fazermos o nosso trabalho, ganharmos a confiança dos credores para beneficiarmos da solidariedade europeia. É assim, não é ao contrário.


Os 70 subscritores, e José Pacheco Pereira também, têm todo o direito à opinião, sem censura, de ninguém, em qualquer momento, mesmo nos mais impróprios. Têm também de ter a paciência para ouvir as críticas, para ouvir que se o manifesto pela reestruturação da dívida fosse assumido pelo País, agora e nos termos propostos, estaríamos a caminho de um segundo resgate, de mais cortes cegos e mais austeridade. Têm de estar preparados para ouvir que, enquanto o País não for capaz de assegurar saldos orçamentais primários excedentários, isto é, sem juros, estamos mesmo nas mãos dos credores. Não é raiva contra ninguém, nem mesmo contra José Pacheco Pereira, é bom-senso a favor do País. Não é um problema de censura, de ditadura dos mercados, é a realidade, enquanto precisarmos dos credores, oficiais e privados, para financiar os nossos défices. Haverá alternativas se e quando deixarmos de depender dos mercados, dos credores, e isso depende de nós. Mas, a avaliar pelo manifesto, não sucederá tão cedo.


O peso da dívida pública é excessivo? Como é evidente. Ninguém, creio, no seu juízo perfeito põe em causa a necessidade de avaliar de que forma poderemos diminuir o peso da dívida, que vale hoje 120% do PIB em termos líquidos, que custa mais de sete mil milhões por ano. Só não pode é ser assim, com um proposta mal-disfarçada de perdão de dívida. Ou alguém admite que a ‘troika' aceite uma segunda renegociação do empréstimo dos 78 mil milhões nos prazos e nos juros de forma isolada no contexto europeu sem novas exigências? Sem novos cortes? Para não falar nos credores privados, porque esses não negoceiam, aumentam os juros na proporção directa do risco, como o fizeram na crise política de Julho. E no impacto desta proposta nos credores portugueses, os bancos, os depositantes e até os aforradores em dívida pública. Alguém fez contas?


A sustentabilidade da dívida pública é também a sua circunstância. E o que está em causa, nesta questão, é a capacidade de a reduzirmos, a prazo, nos termos do Tratado Orçamental, para um valor em torno dos 60% do PIB, com pressupostos que são, no mínimo, ambiciosos. Quer de crescimento nominal da economia, quer de saldos primários, que de juros. Mas por sê-los, o caminho da reestruturação - não pagamos - como primeira decisão é o pior de todos, tornaria estes objectivos impossíveis.


Se, na verdade, o manifesto não tivesse o verdadeiro objectivo de criar espaço para um perdão de dívida, não seria necessário apresentá-lo desta forma, com este estrondo. Os promotores do manifesto querem um perdão, acreditam neste caminho, e quiseram, pelo caminho, condicionar o Governo no fecho do programa e nas eleições europeias, o que é legítimo. Mas fazem-no com o engano. Porque, afinal, dizem, reestruturação e renegociação são a mesma coisa. Não são. Se fossem, os subscritores do manifesto estariam na verdade a elogiar o Governo, porque é isso que João Moreira Rato e o IGCP têm feito. Sem manifestos, sem notáveis. Seja com os credores oficiais, a ‘troika', seja com os privados, como de resto vai fazê-lo outra vez esta semana, com mais uma operação de troca de dívida. Qualquer outra solução, de mutualização de dívida dos países do euro, que existirá a prazo, só será possível com mais federalismo, coisa que defendo, com mais partilha de soberania, coisa que provavelmente muitos dos 70 subscritores, e José Pacheco Pereira, não apoiam.


Finalmente, José Pacheco Pereira diz que os críticos do manifesto estão instalados, mas a verdade é que o manifesto da reestruturação da dívida pública é a mais surpreendente declaração de ‘statu quo' que se leu nos últimos três anos, depois de tantas acusações, acertadas, de que a reforma do Estado prometida por Pedro Passos Coelho perdeu-se nas páginas do guião de Paulo Portas.


O manifesto põe no primeiro lugar da lista de prioridades do Governo uma proposta de perdão da dívida pública do País, coisa que até Teixeira dos Santos, insuspeito de apoiar o Governo, considera errado. Sim, para os 70 subscritores, e para José Pacheco Pereira, não há segundo lugar na lista, há um, apenas um. O que é que isto nos diz? Que apesar das diferenças partidárias, não há diferenças ideológicas. Para os subscritores do manifesto, e para José Pacheco Pereira, o Estado está bem como está, é, aliás, irreformável. Defendem-no por convicção, por necessidade também. É uma forma de ver o País e o seu futuro. É também a evidência de que os consensos não valem por si, valem por aquilo que trazem, e este consenso não traz nada de bom.

José Pacheco Pereira, venha outro manifesto.


OPINIÃO
A raiva que o manifesto dos 70 provocou
JOSÉ PACHECO PEREIRA 15/03/2014 - PÚBLICO

Este surto de raiva, com laivos claramente censórios, não me surpreende. Estava à espera dele.
É difícil imaginar tanta raiva, tanta vontade de calar, tanto desejo de pura exterminação do outro, como aquele que se abateu sobre o manifesto dos 70 signatários a pretexto da reestruturação da dívida, uma posição expressa em termos prudentes e moderados por um vasto grupo de pessoas qualificadas, quase todas também prudentes e moderadas.

Nem isso poupou os seus signatários a uma série de insultos, acusações ad hominem, insinuações e o que mais adiante se verá. Sobre eles caiu a excomunhão que retira os seus nomes do círculo de ferro da confiança do poder.

Pelo contrário, alguns dos que os atacam ganharam o direito de lá entrar, e os que já estão lá dentro viram reforçada a confiança que lhes permite uma vida almofadada dos custos da crise. São os “responsáveis”, discordam às vezes no secundário, mas portam-se bem. Os 70, pelo contrário, portaram-se muito mal. Num mundo cada vez mais dos “nossos” e dos “deles”, bastante parecido com o paradigma marxista da luta de classes, os signatários cometeram vários pecados mortais, e ficaram do “lado errado”. É com eles que estou e é com eles que quero estar, não tendo assinado o manifesto apenas por incúria minha em responder a tempo ao convite que me foi feito. Mas é como se o tivesse assinado, por isso incluam-me na lista dos insultos, que já estou habituado.

Veio ao de cima tudo, a começar pelo primeiro-ministro, que os tratou de essa “gente”, ou porque tinham uma “agenda política” ou porque eram “cépticos” por natureza, inúteis para o glorioso esforço nacional de empobrecer como programa de vida. O manifesto era “antipatriótico”, com um timing inaceitável, a dois meses da “libertação” de 1640, feito pelos “culpados” do esbanjamento, pelos “velhos” a defenderem os seus privilégios, pelos defensores do statu quo dos interesses instalados, pelos “jarretas”, pela “geração errada”. O seu objectivo escondido, ao assinarem o manifesto, é outro, é “manter o modelo de negócio que temos, o Estado que temos, e atirar a dívida para trás das costas”, escreve António Costa em editorial do Diário Económico. José Gomes Ferreira é mais claro: “Estará a vossa iniciativa relacionada com alguns cortes nas vossas generosas pensões?”

Os argumentos ad hominem abundam. Alguns dos signatários que são de direita, um bom exemplo é Adriano Moreira, passaram a ter que ser de esquerda, o que é um modo muito interessante de lhes recusar a identidade, esvaziá-los do que foram toda a vida, para substituir essa identidade por aquilo que é, na sua pena, um anátema: “Já cá faltava um manifesto, de espectro partidário amplo, mas com uma ideologia única, de Esquerda”, diz, de novo, um editorial de António Costa no Diário Económico.

Cada vez mais se generaliza em Portugal a idade como insulto, diminuição, culpa, e todos são “velhos” por associação. Falta-lhes a desenvoltura dos “jovens”. José Gomes Ferreira pergunta: “Que tal deixarem para a geração seguinte a tarefa de resolver os problemas gravíssimos que vocês lhes deixaram? É que as vossas propostas já não resolvem, só agravam os problemas. Que tal darem lugar aos mais novos?” De facto, troquem Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix, Vítor Martins, Sevinate Pinto, o presidente da CIP, Capucho, Sampaio da Nóvoa, Braga da Cruz, Gomes Canotilho, Manuel Porto, Teresa Beleza, e tantos outros, pelos “mais novos”, Relvas, Arnault, Marco António, Passos, pelos yuppies das consultoras financeiras que antes vendiam os swaps, e agora iam negociá-los para o Governo, pelos jovens lobos dos escritórios de advogados que fazem todos os negócios do Estado e vice-versa, sob a batuta de alguns velhos “que estão lá sempre”, pelo jovem que era para ser propagandista do Impulso Jovem, pelos gestores desempoeirados que usam o Twitter todas as horas e que circulam de cargos políticos para a Caixa, para a RTP, para Angola, dos ministérios para as empresas do PSI-20, ou aqueles que os chineses empregam para manter um link, útil, mesmo que caro. Manuela Ferreira Leite é “velha”, Catroga é novo. “Que tal darem lugar aos mais novos?”

Nos comentários dos blogues pró-governamentais, ou seja, no fim da cadeia alimentar, espuma-se de ódio junto com erros de ortografia, alguns dos quais eu corrijo para se perceber, outros ficaram: “Este tipo de "notáveis" (…) sinceramente mentem nojo. Concordo em pleno com o nosso primeiro-ministro com o facto de hoje em dia já nem sequer consegue responder a este tipo de escumalha que hoje em dia aparece na comunicação social, parlamento em fim....por todo lado”; “foi uma ideia idiota que passou pela cabeça de alguns”; “infelizmente estamos já habituados a que figuras da direita se mudem para a ideologia da esquerda irresponsável vá-se lá saber a troco de quê, ou talvez fácilmente se saiba...(…) São gente golpista, que facilmente vende a alma e a dignidade.” E estes são alguns comentários reproduzíveis, a maioria é puro insulto soez.

A imprensa económica teve nesta fronda contra o manifesto um papel central, enfileirou editoriais furiosos e notícias com títulos críticos sobre como o manifesto de nada valia e como felizmente ninguém ouvia estes “irresponsáveis”, repetindo os argumentos do antipatriotismo, do “timing errado” que sairia “caro” ao país, caso alguém “ligasse” ao manifesto, que deitaria abaixo o adquirido pelos “sacrifícios” dos portugueses, como disse o primeiro-ministro e eles glosam. José Gomes Ferreira vai mais longe – se as coisas correrem mal, a culpa é vossa: “Mesmo sendo uma proposta feita por cidadãos livres e independentes, pela sua projecção social poderá ter impacto externo e levar a uma degradação da percepção dos investidores, pela qual vos devemos responsabilizar desde já. Se isso acontecer, digo-vos que como cidadão contribuinte vou exigir publicamente que reparem o dano causado ao Estado.” A mensagem essencial é “saiam da frente”, a mesma que está na capa e no título de um livro de Camilo Lourenço, que achava bem que houvesse um novo resgate porque isso “disciplinaria” os preguiçosos dos portugueses.

O que é que tocou esta corda hipersensível de governantes, jornalistas da imprensa económica, homens da banca, alguns empresários e os seus agentes na ideologia “orgânica” do “ajustamento”? Primeiro, voltar ao bom senso e deixar os revolucionarismos de “mudar Portugal”, mostrar que há uma política alternativa, que pode ser difícil, mas é muito mais realista do que a política actual, ou seja, que há alternativas. E, pelo caminho, revelar a grande hipocrisia em que assenta a política governamental, e em nome da qual os portugueses têm vindo a ter a vida estragada: é que para se pagar a dívida, tem que haver folga para o crescimento económico e qualquer outra solução é pura e simplesmente irrealista. A questão é que daqui a uns anos, quando tudo isto desabar, nenhum destes corifeus políticos dos “mercados” vai estar por cá, mas a sua herança estará.

Segundo, que essa alternativa implica uma nova forma de estar na Europa, ou seja, responsabiliza-nos pela acção e não pela submissão. É como num velho ditado gaullista sobre os comunistas: “Só fazem aquilo que lhes permitimos que façam”. E como nós permitimos tudo, fazem tudo. Na Europa é-se mais realista, incluindo nos “mercados”, do que se pensa e seja porque nós actuamos, ou seja a reboque do que pode acontecer na França, Itália ou Espanha, a política vai mudar. Só que, quando mais tarde Portugal o reclamar como membro de parte inteira da União, mais estragado estará o país, maior será o preço.

Terceiro, o manifesto revela que o único consenso transversal existente hoje na vida pública portuguesa, é exactamente aquele que põe em causa a actual política do Governo e dos seus apoiantes. O outro “consenso” assenta num rotativismo entre PS e PSD, obrigados a um pacto que impõe uma política “única” e a aceitação e institucionalização de um colaboracionismo face a uma Europa que pode aceitar “manter-nos”, mas com rédea curta e disciplinados. É apenas a blindagem da actual política em eleições, para que, quer se vote no PSD ou no PS, tudo continue na mesma. Esse seria um enorme risco para a democracia.

Este surto de raiva, com laivos claramente censórios, não me surpreende. Estava à espera dele, na sua magnitude e violência. E não vai acabar, vai-se tornar endémico. Ele é o efeito a curto prazo de uma política que se assume para vinte ou trinta anos de empobrecimento, centrados num único eixo: pagar aos credores, obedecer aos mercados. Essa política não pode ser conduzida em democracia, só pode existir com base num regime autoritário.

Historiador


Ou tás quietinho ou levas no focinho
Por Ana Sá Lopes
publicado em 14 Mar 2014 – in (jornal) i online
O grupo dos 70 atira para cima da mesa o problema central que se tem de enfrentar

As reacções do governo e dos seus apoiantes ao manifesto dos 70 pela reestruturação da dívida são interessantes naquilo que revelam de uma coisa viscosa instalada na sociedade portuguesa desde a ditadura - e que a democracia removeu parcial mas nunca completamente. É o "tá quietinho ou levas no focinho", um medo estrutural português que a crise económica veio agravar, como também agravou o despotismo, a arrogância, a prepotência dos pequenos poderes que se inspiram nos grandes: governo, troika, etc.
O "tá quietinho ou levas no focinho" foi a resposta generalizada dos críticos do grupo misterioso que publicou um manifesto a pedir a reestruturação da dívida. Esse grupo inclui um conjunto de perigosos revolucionários - já identificados pelo sistema do "não há alternativa" -, como o professor Adriano Moreira, o conselheiro de Paulo Portas (já ex-conselheiro por estes dias) para as questões económicas António Bagão Félix, a ex-líder do PSD Manuela Ferreira Leite (autora da famosa frase "não há dinheiro para nada"), do patrão dos patrões António Saraiva, etc. Não se pode falar de nada porque não é o timing, porque isto está a correr tão bem (para eles, os críticos, deve estar), porque o relógio da troika está a marcar o zero, porque "os mercados" vão dar cabo de nós, não se pode falar porque não se pode falar. Discutir a sério é perigoso, o ideal é fazermos meia dúzia de slogans que não se traduzem em coisa nenhuma concreta para animar a populaça - "retoma", "milagre económico", "sinais positivos", "crescimento" sem se saber como, etc.
Ao incluir na agenda a reestruturação da dívida precisamente no momento em que a questão deve ser posta (não são o Presidente e o governo que dizem querer discutir o pós-troika e pedem consensos?), o grupo dos 70 atira para cima da mesa o problema central que o país tem que enfrentar se quiser ter algum futuro. Discutir o manifesto com base no "timing" ou na biografia de alguns dos que o assinam é um atentado à inteligência.
E já agora, só para que conste, ficam aqui as palavrinhas de Carlos Moedas, quando ainda não era secretário de Estado, escritas num blogue em 2010. É longo, mas vale a pena: "No caso da dívida pública [...] se Portugal quisesse voltar aos níveis de dívida pública de 2007 [...] teria de apresentar um superavit primário das contas públicas (antes de juros) de 6% ao ano durante cinco anos ou de 3% ao ano durante dez anos. Alguém acredita que estes cenários são possíveis a curto ou mesmo a médio prazo? Eu tenho muitas dúvidas, e por isso só nos resta (a nós e a outros) o possível caminho da reestruturação da dívida. Ou seja, ir falar com os nossos credores e dizer-lhes que dos 100 que nos emprestaram já só vão receber 70 ou 80."
Moedas sabia (e ainda sabe, claro) que "este é um caminho árduo e complicado, a tal parede de que tanto se fala mas que nos permitiria começar de novo. A austeridade é necessária e urgente, mas se mantivermos os níveis actuais de dívida dificilmente conseguiremos crescer a níveis aceitáveis [...] e se não crescermos morremos". Se Moedas sabe isto, os idiotas inúteis talvez não.


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