terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Seguro foi aos mercados.

Seguro foi aos mercados
Por Ana Sá Lopes
publicado em 19 Fev 2014 in (jornal) i online

O discurso anti-austeridade é incompatível com a profissão de fé no “défice zero”
Há um espectro que atravessa a liderança de António José Seguro – e não, não são os críticos que, com alguma regularidade, vêm a público denunciar alguns dos “inconseguimentos” do líder socialista. O espectro é mais profundo e inclui também esses críticos, que não têm um programa alternativo – e que, infelizmente, se estivessem no governo acabariam a fazer metade das políticas deste governo e uma boa parte das de Hollande, o homem em quem apostaram e depois os desiludiu.

António José Seguro foi ontem aos mercados, ao participar na Lisbon Summit do influentíssimo semanário britânico “The Economist”. E, por muito que Seguro seja desdenhado dentro de (algumas) portas, o que disse serviu para ser bem-visto nos mercados. O PS de Seguro (e, vá lá, o PS de qualquer outro líder alternativo a Seguro, no momento em que as coisas estão) “orgulha-se” de ter contribuído activamente para que Portugal fosse dos primeiros a assinar o Tratado Orçamental. Se, cá dentro, Seguro fez questão de bater o pé para que o défice zero não ficasse inscrito na Constituição (uma cedência à esquerda, com a qual concorda, de resto, o Presidente da República, Cavaco Silva), para os mercados gabou-se ontem de ter contribuído para que o défice zero ficasse fixado numa “lei de valor reforçado”.

Os mercados podem ficar descansados. Nada do que ontem disse Seguro foi de molde a assustar os “investidores” e as “grandes lideranças europeias”. A conversa anti-austeritária é para funcionário público ver, pensionista ver, desempregado ver, cidadão com o salário cortado ver. A verdade é que, por muito que tenha defendido a sua política alternativa para a Europa, nomeadamente a emissão de eurobonds que fariam diminuir a pressão sobre os países frágeis, o que Seguro prometeu “aos mercados” foi que, com o PS, também haverá “equilíbrio das contas públicas”. Afinal, de que serviu insistir tanto em que o Tratado Orçamental não ficasse na Constituição, se Seguro se orgulha tanto de o ter metido numa lei de valor reforçado? (Outro socialista, Rodríguez Zapatero, enfiou-o mesmo na Constituição de Espanha).

A vida tal como nos é imposta pelo governo é insuportável – mas prometer uma alternativa não-austeritária é impossível. Seguro sabe-o e é por isso que, no local certo, faz questão de lembrar os seus pergaminhos austeritários – o “sim” ao défice zero que se transformou numa espécie de certidão de óbito da social-democracia europeia.


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