sábado, 15 de fevereiro de 2014

Europa quer impor-nos saída à irlandesa.

Europa quer impor-nos saída à irlandesa
Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 15 Fev 2014 in (jornal) i online

Quem manda não quer um programa cautelar, para forçar a ideia de que a crise acabou
A Irlanda saiu directamente para os mercados porque não quis aceitar o programa cautelar que lhe apresentaram, e que impunha uma série de condições inaceitáveis. Dublin tinha um contexto específico diferente do português e do grego, porque se tinha recapitalizado e porque o seu colapso tinha basicamente a ver com a banca e o sector financeiro em geral.

Além disso, a Irlanda pôde fingir que fez uma escolha muito antes das eleições europeias, enquanto Portugal tem de anunciar a decisão em cima da votação, o que pode desestabilizar a Europa toda se o desiderato não for percebido como um sucesso, que, aliás, até já se pretende impor também à Grécia, numa prova de que a realidade ultrapassa mesmo a ficção.

Ora a saída directa de Portugal para os mercados sem a rede do programa cautelar envolve perigos e custos enormes que importa procurar identificar minimamente. Apesar disso é justo dizer que Passos Coelho está neste momento sem alternativa e vai ter de atirar o país para um oceano de incertezas e desatar a remar na esperança de não se afundar, usando a determinação que tem de se lhe reconhecer.

Mas também é justo assinalar que, depois de ter anunciado o cataclismo provável de um segundo resgate no Verão, o governo foi, imprudentemente, a primeira entidade a falar de saída limpa e a rejeitar a hipótese do programa cautelar.

Perseguindo essa estratégia, Portugal tem ido apressadamente aos mercados pedir dinheiro a mais de 5%, juntando um pé-de-meia de que só vai precisar daqui a um ano e que poderia obter a 3% mais tarde com uma rede cautelar de segurança. A diferença é substancial e pode ultrapassar 500 milhões de euros em juros. Esta antecipação é portanto um jogo perigoso, de efeitos potencialmente perversos, por ser a convergência de três factores: a bravata de um Passos manietado, o falso grito do Ipiranga de Paulo Portas e uma Europa que quer à viva força apresentar sucessos.

Se efectivamente se confirmar a chamada saída limpa, cujos perigos estão à vista e começam a preocupar os mais esclarecidos, Passos Coelho poderá mesmo assim tirar dividendos populistas imediatos porquanto terá cumprido com uma exigência do PS, cujo líder optou por considerar, precipitadamente em relação aos interesses nacionais, que accionar um programa cautelar seria um fracasso rotundo.

Extremadas as posições, verifica-se assim que ironicamente a solução sensata e que a maioria das pessoas de bom senso recomenda é exactamente aquela que a política recusa ao nível dos partidos do chamado arco da governação.

Triste sina a dos portugueses, que se arriscam a pagar mais uma pesada factura, desta feita porque a Europa entrou na obsessão de arranjar um modelo de sucesso de forma só comparável com aquela com que nos impôs um programa de austeridade devastador.


Os dados conhecidos nesta altura apontam para uma absoluta irreversibilidade desta pré-decisão, que nem mesmo uma conjugação dos esforços de todos os partidos do arco da governação com o apoio do Presidente da República parece susceptível de evitar.

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