sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Um duplo exercício de cobardia política ( Editorial/Público ) Aprovada proposta de referendo sobre co-adopção por casais homossexuais. OPINIÃO Carta aberta ao presidente da JSD e seus compagnons de route

EDITORIAL
Um duplo exercício de cobardia política
18/01/2014 – Editorial/ Público

Fugir a uma decisão e impor outra pela força não fica bem a um partido que tanto fala em liberdade.
Dizem, agora, que o PSD se arrependeu de ter deixado passar no Parlamento em Maio de 2013, com a ausência de muitos dos seus deputados, uma proposta de lei do PS sobre a co-adopção por casais homossexuais. Se isso é verdade, e já que a proposta de lei passou à discussão na especialidade de forma lícita e sem quaisquer golpes, devia ter mobilizado os deputados, em particular os faltosos, para que ela fosse derrotada na votação final. Ora, em lugar de assumir claramente uma posição, argumentando publicamente em seu favor, resolveu empurrar a escolha para um referendo popular. Que, naturalmente, foi recebido com indignação pelos restantes partidos, fosse por razões éticas ou até de esbanjamento inútil de dinheiros públicos (como argumentou o CDS) sem justificação plausível. Não contente com este exercício de cobardia política, a que nos podia ter poupado, o PSD juntou-lhe outro: a imposição da disciplina de voto, claro sinal de desconfiança nos seus próprios militantes e deputados. Viu aprovado o referendo, como sabemos, mas não sai bem visto da contenda. Até porque, no referendo proposto, junta duas coisas que não deviam estar juntas, por razões óbvias: a co-adopção (discutida na especialidade nos últimos meses, com proposta de lei própria) e a adopção por casais homossexuais, que já foi derrotada duas vezes no Parlamento e não tem nenhuma proposta de lei na mesa. O truque é baixo, mas é óbvio: quem condena uma, condenará automaticamente as duas. O PSD livra-se de “culpas” e deixa-as para o “povo”. Não se assume frontalmente contra nem deixa que outros, entre pares, se assumam (como sabemos que se assumem) a favor. À liberdade de decidir numa matéria que cabe claramente ao Parlamento (o que implica poder dizer “não” mas também “sim”), prefere uma escolha alheia que politicamente o iliba. Não é exemplo que se recomende, nem para o partido nem para Portugal.
Aprovada proposta de referendo sobre co-adopção por casais homossexuais
SOFIA RODRIGUES e MARIA LOPES 17/01/2014 – in Público

Chuva de declarações de voto no PSD e protestos nas galerias da AR. Teresa Leal Coelho demitiu-se da direcção da bancada do PSD. Miguel Frasquilho diz que votará “sim” no referendo.

A proposta de referendo do PSD sobre a co-adopção e a adopção por casais do mesmo sexo foi aprovada por poucos votos a favor do PSD, a abstenção do CDS e os votos contra do PS, PCP, BE e Verdes. E abstenção dos deputados do PS João Portugal e António Braga.

Dos 230 deputados estiveram presentes no hemiciclo no momento na votação 221. O diploma foi aprovado com 103 votos favoráveis da bancada do PSD (que no total tem 108 deputados) que tinha disciplina de voto depois de a maioria assim ter decidido na reunião geral da bancada. Registaram-se 26 abstenções (24 deputados do CDS-PP, cuja bancada tinha indicação do sentido de voto, e dois do PS, que deu liberdade de voto aos seus parlamentares), e 92 votos contra das bancadas da esquerda (68 do PS, 14 do PCP, oito do Bloco e dois dos Verdes).

Logo a seguir a Guilherme Silva, presidente da Assembleia da República em exercício pela ausência de Assunção Esteves, ter anunciado que o projecto estava aprovado com o voto a favor do PSD, ouviram-se gritos de “vergonha!” nas galerias e até deputados bateram com a mão na mesa, fazendo barulho. “Façam favor de se abster de quaisquer manifestações”, ordenou Guilherme Silva e pediu aos agentes para retirarem “as pessoas que não estão a observar o dever de silêncio e respeito pela Assembleia”.

Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD e crítica da proposta da bancada (subscrita por oito deputados da JSD), não estava na sala no momento da votação, depois de já ter estado no debate quinzenal. Mais tarde, soube-se que apresentara a sua demissão da direcção da bancada.

Já Miguel Frasquilho, também crítico da proposta de referendo, escreveu no Facebook logo após a votação que estará do lado do “sim”. “Muito do que hoje se passou podia — e devia — ter sido evitado. Se houver referendo, naturalmente estarei do lado do SIM”, escreveu o vice-presidente da bancada social-democrata.

Foram várias as declarações de voto anunciadas, sobretudo no PSD e no CDS e algumas foram anunciadas com críticas. Teresa Caeiro, do CDS, disse mesmo que a sua intenção era votar contra o diploma, mas não o fez para que não fosse considerada “deslealdade parlamentar”. E justificou: “Conformei o meu voto a algo em que não acredito e considero uma iniciativa lamentável.”

Deputados do PS bateram palmas neste momento e voltaram a fazê-lo para alguns dos anúncios seguintes de declarações de voto. Francisca Almeida – que considerou esta votação uma “grave precedente” - e Carina Oliveira, ambas do PSD, também anunciaram ao plenário que queriam votar contra e que vão apresentar declaração de voto.

Luís Menezes, Mota Amaral, Carlos Baptista Leite e António Proa também anunciaram a entrega de uma declaração de voto. E Mónica Ferro foi a porta-voz, para o mesmo efeito, de um grupo de deputados sociais-democratas onde se incluem Miguel Frasquilho, Cristóvão Norte, Paula Cardoso, Ângela Guerra, Ana Oliveira, Conceição Caldeira e Sérgio Azevedo.

Os socialistas que se abstiveram, António Braga e João Portugal, vão entregar uma declaração de voto conjunta.

A proposta dos deputados da JSD para o referendo à co-adopção inclui já as duas perguntas a fazer aos eleitores: "1. Concorda que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adoptar o filho do seu cônjuge ou unido de facto? 2. Concorda com a adopção por casais, casados ou unidos de facto, do mesmo sexo?".


Teresa Leal Coelho assumiu que saiu derrotada
A vice-presidente da bancada do PSD Teresa Leal Coelho demitiu-se do cargo, depois de se ter ausentado da votação da proposta de referendo sobre co-adopção e adopção por casais homossexuais.

A demissão foi anunciada por Luís Montenegro, líder da bancada social-democrata, após as votações e confrontado com a ausência da dirigente do plenário quando o projecto de resolução foi votado.

Teresa Leal Coelho, que é também vice-presidente do partido, mostrou-se totalmente contra a proposta de referendo subscrita por deputados da JSD e disse-o na reunião interna do grupo na quarta-feira à noite.Mas os deputados do PSD decidiram, por larga maioria, a favor da disciplina de voto e do referendo. Só 12 deputados votaram contra. Teresa Leal Coelho foi uma dessas parlamentares.

Em declarações ao PÚBLICO, a dirigente do PSD expressou a sua discordância sobre esta proposta.  “Esta realização individual não provoca nenhum dano, todas as crianças devem ser salvaguardadas pelo legislador”, sustentou. As restrições a que “estas crianças estão sujeitas devem ser eliminadas pelos actores políticos”, acrescentou.

Teresa Leal Coelho, que é próxima de Passos Coelho, assumiu que esta não é uma posição maioritária no PSD e que saiu derrotada nesta questão. A proximidade da campanha interna para a liderança de Pedro Passos Coelho no PSD levou a dirigente a ter alguma contenção na sua discordância.

OPINIÃO
Carta aberta ao presidente da JSD e seus compagnons de route
CARLOS REIS DOS SANTOS 18/01/2014 – in Público
Hesitei em decidir a quem me dirigir: não sei quem hoje é o mandante da JSD, nem a quem prestam vassalagem. Assim, terei de me dirigir ao presidente formal da JSD – e a quem deu publicamente a cara por uma das maiores indignidades que se registaram na história parlamentar da República.

Para vocês, que certamente não me conhecem, permitam-me que me apresente: sou militante do PSD, com o n.º 10757. Na JSD onde me filiei aos 16 anos, fui quase tudo: vice-presidente, director do gabinete de estudos, encabecei o conselho nacional, fui quem exerceu funções por mais tempo como presidente da distrital de Lisboa, fui dirigente académico na Faculdade de Direito de Lisboa, eleito com a bandeira da JSD, fui membro da comissão política nacional presidida por Pedro Passos Coelho, de quem, de resto, fui um leal colaborador. Quando saí da JSD, elegeram-me em congresso como vosso militante honorário.

Por isso julgo dever dirigir-me a vocês, para vos dizer que a vossa actuação me cobre de vergonha. E que deslustra tudo o que eu, e tantos outros, fizemos no passado, para a emancipação cívica, económica, cultural e política, da juventude e da sociedade.

Com a vossa proposta de um referendo sobre a co-adopção e a adopção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo, vocês desceram a um nível inimaginável, ao sujeitarem a plebiscito o exercício de direitos humanos. A democracia não deve referendar direitos humanos de minorias, porque esta não se pode confundir com o absolutismo das maiorias. Porque a linha que separa a democracia do totalitarismo é ténue – é por isso que a democracia não dispensa a mediação dos seus representantes – e é por isso que historicamente as leis que garantem direitos, liberdade e garantias andam à frente da sociedade. Foi assim com a abolição da escravatura, com o direito de voto das mulheres, com a instituição do casamento civil, com a autorização dos casamentos inter-raciais, com o instituto jurídico do divórcio, com o alargamento de celebração de contratos de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estes direitos talvez ainda hoje não existissem se sobre eles tivessem sido feitos plebiscitos.

Abstenho-me de fundamentar aqui a ilegalidade do procedimento que se propõem levar avante: a violação da lei orgânica do referendo é grosseira e evidente – misturaram numa mesma proposta de referendo duas matérias diferentes e nem sequer conexas. Porque adopção e co-adopção são matérias que vocês pretendem imoralmente enfiar no mesmo saco.

Em matéria de co-adopção vocês ignoram ostensivamente o superior interesse das crianças já criadas em famílias já existentes e a quem hoje falta a devida segurança jurídica e protecção legal. Ao invés, vocês querem que os seus direitos sejam referendáveis. Confesso que me sinto embaraçado e transido de vergonha pela vossa atitude: dispostos a atropelarem o direito de umas poucas crianças e dos seus pais e mães, desprotegidos, e em minoria, em nome de uma manobra política. E isto é uma vergonha.

Mas é também com estupefacção que vejo a actual JSD tornar-se numa coisa que nunca foi – uma organização conservadora, reaccionária e atávica. Vocês empurram, com enorme desgosto meu, a JSD para uma fronteira ideológica em contradição com a nossa História e ao arrepio do nosso património de ideias e valores: o humanismo em matéria de liberdades individuais sempre foi nossa trave mestra. O que vocês propõem é uma inversão de rumo: conservadores na vida familiar mas liberais na economia. Eu e alguns preferimos o contrário. Porque o PSD, em que nos revimos, sempre foi o partido mais liberal em matéria de costumes e em matérias de consciência.

Registo, indignado, o vosso silêncio cúmplice perante questões sacrificiais para a juventude portuguesa. Não vos vejo lutar contra o corporativismo crescente das ordens profissionais e a sua denegação do direito dos jovens a aceder às profissões que escolheram. Não vos vejo falar sobre a emigração maciça que nos assola. Não vos vejo preocupados com muitas outras questões.

Mas vejo-vos a querer que eu decida o destino dos filhos dos outros.

Na JSD em que eu militei sempre fomos generosos: queríamos mais direitos para todos. Propusemos, entre tantas coisas, a legalização do nudismo em Portugal, o fim do SMO, a despenalização do consumo das drogas leves, a emancipação dos jovens menores e o seu direito ao associativismo. Nunca nos passaria pela cabeça querer limitar direitos.

Hoje vocês não se distinguem do CDS e alguns de vocês nem sequer se distinguem da Mocidade Portuguesa, ou melhor, distinguem-se, mas para pior.

A juventude já vos não liga nenhuma. E eu também deixei de vos ligar.


Jurista, militante do PSD n.º 10757 e militante honorário da JSD

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