domingo, 12 de janeiro de 2014

Falácias e mentiras sobre pensões. CDS de Portas, um limão espremido. Os dois relógios da coligação PSD/CDS.


"A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões?"
Bagão Félix

OPINIÃO
Falácias e mentiras sobre pensões
BAGÃO FÉLIX 13/01/2014 – in Público


A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida.

Escreveu Jean Cocteau: “Uma garrafa de vinho meio vazia está meio cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade”. Veio-me à memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema pensões alimenta. Eis (apenas) algumas:

1. “As pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar”. O número está, desde logo, errado: são 42,2% (OE 2014). Quanto às pensões, quem assim faz as contas esquece-se que ao seu valor bruto há que descontar a parte das contribuições que só existem por causa daquelas. Ou seja, em vez de quase 24.000 M€ de pensões pagas (CGA + SS) há que abater a parte que financia a sua componente contributiva (cerca de 2/3 da TSU). Assim sendo, o valor que sobra representa 8,1% da despesa das Administrações Públicas.

2. Ou seja, nada de diferente do que o Estado faz quando transforma as SCUT em auto-estradas com portagens, ao deduzi-las ao seu custo futuro. Como à despesa bruta das universidades se devem deduzir as propinas. E tantos outros casos…

3. Curiosamente ninguém fala do que aconteceu antes: quando entravam mais contribuições do que se pagava em pensões. Aí o Estado não se queixava de aproveitar fundos para cobrir outros défices.

4. Outra falácia: “o sistema público de pensões é insustentável”. Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência do efeito duplo do desemprego (menos pagadores/mais recebedores) e - muito menos do que se pensa - da demografia, em parte já compensada pelo aumento gradual da idade de reforma (f. de sustentabilidade). Mas porque é que tantos “sábios de ouvido” falam da insustentabilidade das pensões públicas e nada dizem sobre a insustentabilidade da saúde ou da educação também pelas mesmas razões económicas e demográficas? Ou das rodovias? Ou do sistema de justiça? Ou das Forças Armadas? Etc. Será que só para as pensões o pagador dos défices tem que ser o seu pseudo “causador”, quase numa generalização do princípio do poluidor/pagador?

5. “A CES não é um imposto”, dizem. Então façam o favor de explicar o que é? Basta de logro intelectual. E de “inovações” pelas quais a CES (imagine-se!) é considerada em contabilidade nacional como “dedução a prestações sociais” (p. 38 da Síntese de Execução Orçamental de Novembro, DGO).

6. “95% dos pensionistas da SS escapam à CES”, diz-se com cândido rubor social. Nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja por 90% das pensões estarem abaixo dos 500 €. Seria, como num país de 50% de pobres, dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres agradecem tal desvelo.

7. A CES, além de um imposto duplo sobre o rendimento, trata de igual modo pensões contributivas e pensões-bónus sem base de descontos, não diferencia careiras longas e nem sequer distingue idades (diminuindo o agravamento para os mais velhos) como até o fazia a convergência (chumbada) das pensões da CGA.

8. “As pensões podem ser cortadas”, sentenciam os mais afoitos. Então o crédito dos detentores da dívida pública é intocável e os créditos dos reformados podem ser sujeitos a todas as arbitrariedades?

9. “Os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros”. Além da CES, ter-se-ão esquecido do seu (maior) aumento do IRS por fortíssima redução da dedução específica?

10. Caminhamos a passos largos para a versão refundida e dissimulada do famigerado aumento de 7% na TSU por troca com a descida da TSU das empresas. Do lado dos custos já está praticamente esgotado o mesmo efeito por via laboral e pensional, do lado dos proveitos o IRC foi já um passo significativo.

11. Com os dados com que o Governo informou o país sobre a “calibrada” CES, as contas são simples de fazer. O buraco era de 388 M€. Descontado o montante previsto para a ADSE, ficam por compensar 228 M€ através da CES. Considerando um valor médio de pensão dos novos atingidos (1175€ brutos), chegamos a um valor de 63 M€ tendo em conta o número – 140.000 pessoas - que o Governo indicou (parece-me inflacionado…). Mesmo juntando mais alguns milhões de receitas por via do agravamento dos escalões para as pensões mais elevadas, dificilmente se ultrapassam os 80 M€. Faltam 148 M, quase 0,1% do PIB (dos 0,25% que o Governo entendeu não renegociar com a troika, lembram-se?). Milagre? “Descalibração”? Só para troika ver?

12. A apelidada “TSU dos pensionistas” prevista na carta que o PM enviou a Barroso, Draghi e Lagarde em 3/5/13 e que tinha o nome de “contribuição de sustentabilidade do sistema de pensões” valia 436 M€. Ora a CES terá rendido no ano que acabou cerca de 530 M€. Se acrescentarmos o que ora foi anunciado, chegaremos, em 2014, a mais de 600 M€ de CES. Afinal não nos estamos a aproximar da “TSU dos pensionistas”, mas a … afastarmo-nos. Já vai em mais 40%!

13. A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões?

P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que demagógica): no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores de 20 e poucos anos a vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por que um pensionista paga CES e IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética social da austeridade?

Economista, ex-ministro das Finanças


CDS de Portas, um limão espremido
O segmento dos pensionistas e idosos já (não) votará novamente no “Paulinho das feiras”
Por Ana Sá Lopes
publicado em 13 Jan 2014/ in (jornal) i online

O CDS esteve quase morto, no início dos anos 90, e foi Paulo Portas que o ressuscitou. Sob a liderança de Adriano Moreira, o partido ficou reduzido àquilo que ficou popularizado pelo “partido do táxi” – eram só quatro deputados eleitos, o próprio Adriano Moreira, Nogueira de Brito, um deputado em regime rotativo eleito por Aveiro e Narana Coissoró, líder parlamentar. Na realidade, só existia na frente política Narana Coissoró – estava habitualmente sozinho a enfrentar o governo cavaquista e a esquerda. Os restantes tinham funções diminutas no combate político. Com a demissão de Adriano Moreira na sequência da derrota clamorosa, Freitas do Amaral é reeleito presidente do partido. Mas aqui a famosa frase de Cesare Pavese – “Nada é mais inabitável do que o lugar onde se foi feliz” – revelou-se adequadamente trágica. Surgem, entretanto, Manuel Monteiro e “O Independente” de Paulo Portas, com uma agenda poderosa, populista, popular, eurocéptica e que se revelou decisiva para ressuscitar o partidofundador do regime democrático do estado de coma eleitoral em que o tinham deixado os fundadores.


Portas ajudou a criar Manuel Monteiro, embora Monteiro tivesse “vida própria” e não se reduzisse a um mero fantoche do director de “O Independente”. Mas não dispunha da sua argúcia e capacidade de sobrevivência quase imbatível entre os políticos portugueses no activo. Portas sobreviveu a vários escândalos, a vários desaires políticos – mas como sobreviverá à traição de todo o seu programa eleitoral sobre o qual fundou a sua liderança? O segmento dos pensionistas, idosos, pessoal das feiras, etc. já não pode voltar a pôr o voto no “Paulinho das feiras” transmutado no Portas das Laranjeiras. A explicação sobre o que aconteceu em Julho não existiu – talvez nem pudesse existir – mas a sua formulação em congresso, com o recurso à expressão “o que tem que ser tem muita força” não poderia ter sido mais infeliz. Se hoje existe governo, é porque Pedro Passos Coelho recusou a demissão de Paulo Portas, coisa em que, de facto, na altura ninguém acreditava. E este gesto de Passos Coelho teve mais apoio dentro do CDS do que a demissão “irrevogável” de Portas. O cargo de vice-primeiro-ministro e o de interlocutor com a troika cola Paulo Portas a Passos Coelho para o resto da legislatura, com evidentes prejuízos para o primeiro. É natural que o próprio Portas já admita que a sua sucessão está na rua. As feiras e a lavoura vão ter outros visitantes do CDS. E, ao que parece, são muitos os disponíveis.


Os dois relógios da coligação PSD/CDS
Editorial/Público

Começou o namoro para a coligação nas legislativas. Ainda não se sabe se vai terminar em casamento. No encerramento do congresso, o líder do CDS-PP lembrou que a coligação governativa com o PSD será a primeira a terminar o mandato em 40 anos de democracia e vaticinou que “a partir daí não seremos os últimos a fazê-lo”. Passos Coelho diz que a matéria será analisada “a seu tempo”. A questão é saber que tempo é esse. Há dois relógios que vão determinar esse tempo. O relógio da troika que está no Largo do Caldas. A existência de uma coligação para as legislativas vai depender da forma como Portugal sair do resgate (programa cautelar, “saída limpa” ou segundo resgate). E o relógio das europeias (na qual os dois partidos concorrem juntos), que já começou a contar. Com um mau resultado, dificilmente Paulo Portas conseguirá convencer os militantes da bondade de um casamento em 2015.

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