quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Corte nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento da FCT foi brutal. A tortura e o massacre.


 Corte nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento da FCT foi brutal
NICOLAU FERREIRA 15/01/2014 – in Público
Atribuídas 298 bolsas de doutoramento e 233 bolsas de pós-doutoramento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica já marcou protesto para 21 de Janeiro.

O ano de 2014 começou com uma má notícia para a ciência, depois de se saber, nesta quarta-feira, os resultados gerais das candidaturas a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Dos 3416 candidatos para bolsas de doutoramento, só 298 receberam a bolsa. No caso dos pós-doutoramentos, só 233 cientistas receberam bolsas entre 2305 candidaturas.

Os resultados, que a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) considera, em comunicado, "uma razia" e que mostram uma “política de desinvestimento e de abdicação de defesa dos interesses nacionais em detrimento das opções ditadas em esferas internacionais”, já fizeram a associação marcar uma concentração para 21 de Janeiro, às 15h, junto da sede da FCT, em Lisboa.

Anualmente, a FCT, a fundação estatal que gere uma parte importante do financiamento que vai para a ciência, abre concursos para bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Na década passada, no auge do financiamento para ciência em Portugal, chegaram a ser atribuídos 2031 bolsas de doutoramento e 914 bolsas de pós-doutoramento em 2007. Graças a este investimento, o número de doutorados em Portugal subiu para o nível europeu. No entanto, desde 2010 que o número de bolsas atribuídas tem vindo a decrescer, acompanhando a crise económica.

E os números agora publicados são avassaladores. No caso dos pós-doutoramentos, este ano que foi o que teve o maior número de candidaturas de sempre, os resultados mostram uma diminuição de 65% face a 2012.

Para as bolsas de doutoramento, a contabilização é mais complexa. Em 2013 foram atribuídas pela primeira vez 431 bolsas de doutoramento dos novos Programas de Doutoramento FCT, de acordo com a informação dada pela FCT. Estes programas doutorais são geridos pelas universidades e centros de investigação nas mais variadas áreas, que têm a responsabilidade de escolher os alunos a quem atribuem as bolsas.

Já se sabia que iria haver uma diminuição do número de bolsas individuais de doutoramento. Ainda assim, o resultado mostra um corte significativo. A soma das bolsas individuais com as que foram atribuídas nos Programas de Doutoramento FCT equivale a cerca de 729 bolsas. Se compararmos este valor com os números de 2012, onde foram atribuídas 1198 bolsas de doutoramento, há uma descida de quase 40%.

A 8 de Janeiro, a Federação Nacional de Professores (Fenprof) reuniu-se com Leonor Parreira, secretária de Estado da Ciência, e com Miguel Seabra, presidente da FCT, que disseram que o número de bolsas atribuídas “iria rondar os 10%”, lê-se no comunicado da Fenprof. No caso das bolsas de pós-doutoramento, essa percentagem foi de 10,1%, enquanto no das bolsas de doutoramento foi apenas de 8,7% (para chegar a 10%, teriam de ter sido atribuídas mais 43 bolsas). Nalguns domínios científicos, como Ciências da Comunicação e Informação, a percentagem de bolsas de doutoramento atribuídas foi de 5,48%. Já Ciências Biológicas I, a percentagem atribuída foi de 15,91%, de acordo com os dados reunidos pela ABIC.

Neste último concurso houve uma inovação na avaliação dos candidatos: as candidaturas que não estivessem já integradas em projectos científicos financiados de grupos de investigação onde estes candidatos iriam trabalhar, seriam prejudicados na avaliação. “E como é que se associa um plano de trabalhos inovador no domínio científico quando não existem projectos de investigação em curso?”, questionava no Facebook da ABIC Perpétua Santos Silva, num comentário em que dizia ter sido prejudicada na sua candidatura por causa desta questão.

“É inaceitável admitir-se simplesmente que milhares de candidatos se vejam agora sem emprego e sem forma de sustento, sendo muitos obrigados a desistir de trabalhar na investigação ou forçados a emigrar”, refere ainda a ABIC, no mesmo comunicado em que apela às instituições científicas a afixação de faixas pretas numa “campanha de protesto”.

A tortura e o massacre
Opinião George Rupp / 16 jan 2014 / in Público
Após uma espera interminável e incompreensível em face da pronta promulgação do Orçamento do Estado para 2014, foram finalmente comunicados aos candidatos os resultados do concurso para bolsas de doutoramento e pósdoutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), aberto em finais de Julho de 2013. A abertura muito tardia do concurso já causou imensos problemas e angústias aos potenciais candidatos, agravados ainda por causa da exigência inicial de terem concluído os respectivos graus académicos antes do fecho do concurso em Setembro, o que eliminaria já
dezenas de candidatos. No entanto, neste ponto a FCT recuou, depois de muitos protestos, inclusive meus.
Porém, a tortura dos candidatos não acabou aí, tendo a espera se prolongado inexplicavelmente até ontem, 14 de Janeiro de 2014, já a meio caminho do mês em que as bolsas supostamente se podiam iniciar. Então a angústia da espera transformou-se, para a esmagadora maioria, em frustração e porventura em desespero, com reprovações na casa dos 90%, tanto no concurso para bolsas de doutoramento como naquele para bolsas de pós-doutoramento, um autêntico massacre de jovens cientistas. A fim de ilustrar a razia, vou focar o caso de uma candidata a bolsa de pós-doutoramento, que ficou bem longe da linha de corte das candidaturas aprovadas. Ela doutorou-se no Instituto Superior Técnico (IST) em Física de Partículas há menos de um mês, obtendo a classificação Muito Bom para a sua tese, com uma média de 18,5 valores para as cadeiras do curso de doutoramento do IST. Mais importante, no entanto, é o seu trabalho científico ao nível das publicações, com 11 artigos em revistas da especialidade com arbitragem científica, na altura do concurso, dos quais sete como primeiro autor. Acresce que o programa de investigação proposto na sua candidatura à bolsa se insere perfeitamente na temática dos projectos dos orientadores, que foram aprovados ininterruptamente em concursos competitivos da FCT no âmbito do Programa CERN, desde 2000 até à suspensão unilateral do programa por parte da FCT em 2013. Convém ainda salientar que parte da investigação proposta dizia respeito aos hipotéticos estados “exóticos” na física dos quarks, um dos temas mais quentes em toda a física no ano de 2013. Esta parte do trabalho seria feita pela candidata em colaboração com um especialista mundial nesta área, durante um estágio de um ano numa prestigiada universidade estrangeira, configurando-se um modelo de pós-doutoramento previsto no regulamento do concurso.
Quando uma candidata com este currículo científico não tem a mínima hipótese de conseguir uma bolsa de pós-doutoramento no nosso país, algo está profundamente mal. Não tenho dúvidas de que há muitos outros casos gritantes como o seu, de jovens cientistas promissores com a carreira truncada, salvo aqueles poucos que talvez consigam um lugar numa universidade estrangeira, na esperança de um dia poderem voltar para um Portugal diferente, se nessa altura ainda se lembrarem do país.
Investigador do IST


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