segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Contratar um presidente. Marcelo diz que, “sem surpresa”, Passos o quis excluir de candidato a Belém. Caminho aberto para Belém à esquerda.


EDITORIAL/ Público
 Contratar um presidente
20/01/2014 -
Passos quer um presidente sossegado em Belém. Estarão Barroso e Santana dispostos a aceitar esse contrato?
Ao procurar definir o perfil desejável de um candidato presidencial, a moção de estratégia de Pedro Passos Coelho ao XXXV Congresso do PSD revela, sem o enunciar, um desejo de mudar a relação de poderes entre governo e presidência.

O documento diz que o Presidente "não pode colocar-se contra os partidos ou os governos como se fosse mais um protagonista político”. Deve ainda evitar “tornar-se numa espécie de catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes” ou ser um “catavento de opiniões erráticas”.

Esta última frase foi lida como um veto a Marcelo Rebelo de Sousa, o que terá algum fundo de verdade. Mas o verdadeiro significado do documento é outro. O que Passos está a dizer ao próximo candidato presidencial do PSD é que quer um presidente sossegado em Belém.

É fácil perceber porquê. Ao contrário do que é voz corrente à esquerda, o primeiro-ministro nem sempre contou com o apoio de Cavaco Silva. O Presidente rendeu-se a Passos na crise de Julho e, a partir daí, ficou sem margem para fazer mais do que obedecer ao Governo.

O primeiro-ministro, como é natural, gosta da experiência. E não gostou da fase em que Cavaco tentou exercer o seu papel. O problema foi tê-lo escrito numa moção de estratégia.

Mesmo ressalvando que o candidato deve apresentar-se em nome pessoal, o primeiro-ministro já comprometeu esse eventual candidato com uma leitura dos poderes presidenciais definida pelo partido. E só apoiará um candidato que aceite esse caderno de encargos.

Na sua visão utilitarista e funcionalista, o primeiro-ministro gostaria de olhar para a Presidência como um cargo para o qual se contrata alguém por concurso. Mas a essência do semipresidencialismo português é o oposto disso. Não foram, aliás, poucas as vozes que, em momentos recentes, sugeriram que a resposta à crise era um reforço vertente presidencialista do regime. O primeiro-ministro tem outra ideia.

Estarão Durão Barroso ou Santana Lopes dispostos a candidatar-se de acordo com este contrato?

Marcelo diz que, “sem surpresa”, Passos o quis excluir de candidato a Belém

Passos definiu o “perfil que não quer” para candidato e só o fez porque está confiante que ganhará legislativas, avisa Marcelo
Maria Lopes / 20 jan 2014 / in Público

Marcelo Rebelo de Sousa afirma que o perfil que Pedro Passos Coelho definiu na sua moção de estratégia para um futuro Presidente da República mostra que o líder do PSD o quis excluir de uma possível candidatura. “Ele quis excluir, na moção de estratégia, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa. O que é perfeitamente legítimo. Está nas suas mãos e ele quis fazê-lo”, afirmou o comentador este domingo à noite na TVI.
O comentador político diz que esta atitude de Passos “não é surpresa”. O primeiro-ministro agiu assim “no pressuposto de que está muito forte em relação às legislativas e, portanto, também está muito forte nas suas opções presidenciais”. A que se soma outra parcela: há a hipótese de Durão Barroso “sobrar de lugares internacionais” e ser uma “hipótese forte” para o lugar de Presidente. “Os indicadores económicos e financeiros passaram a ser positivos”, as sondagens melhoraram, descreveu Marcelo. “Na cabeça dele já ganhou as legislativas ou pode ganhá-las, o que era impossível há oito meses ou um ano”, diz o comentador, para explicar este à vontade de Passos. “E se pode ganhar as legislativas [de 2015], pode definir o perfil do candidato que quer apoiar” às presidenciais de Janeiro de 2016.
Na sua moção, Passos diz que o PR deve “comportar-se mais como um árbitro ou moderador (...) evitando tornar-se numa espécie de protagonista catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes ou num catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político” – retrato que assenta na perfeição em Marcelo.
Marcelo deixou transparecer que, assim, não avançará. Recordou que apenas admitiu esse cenário por “dever de consciência”, se na área do centro-direita faltassem candidatos. Agora, “a questão está resolvida quando o líder do partido mais importante da área diz que essa candidatura nem vale a pena ponderar como dever de consciência porque é indesejável”. Argumenta “não fazer sentido” ter a atitude de Manuel Alegre, ou seja, antecipar-se, “ir a correr antes de o partido indicar o apoio a um candidato” e depois dividir o eleitorado e dar a vitória a outro. No lugar de Passos, Marcelo faria como Portas: “Não me comprometia, deixava em aberto as hipóteses para decidir mais tarde. Não excluía nem incluía ninguém.” E se quisesse excluir, “pegava no telefone” e diria ao eventual candidato: “Desampare a loja!”

  
Caminho aberto para Belém à esquerda
António Costa tem o caminho aberto para Belém enfeitado com flores
Por Ana Sá Lopes
publicado em 20 Jan 2014 i  (jornal) i online

O anúncio da desistência de Marcelo Rebelo de Sousa de se candidatar a Presidente da República - que já tinha pré-anunciado várias vezes e que não era segredo para ninguém nem dentro nem fora do PSD - é a consequência inevitável de Pedro Passos Coelho, através de uma frase atabalhoada inscrita na sua moção ao congresso, ter resolvido excluir Marcelo.

É verdade que Marcelo Rebelo de Sousa já disse "nem que Cristo desça à terra" no ano glorioso de 1996. As circunstâncias podem mudar - e até Passos pode ser afastado do PSD mais depressa do que se pode julgar e todo o processo voltar à estaca zero. Mas não deixa de ser incompreensível que Passos Coelho tenha decidido entregar o Palácio de Belém à esquerda. Se a sua aposta é repescar Durão Barroso para candidato do PSD, bem pode tirar o cavalinho da chuva - a "fuga" de Durão para a Comissão Europeia e a subsequente incapacidade de lidar com as crises dos países periféricos como a daquele em que nasceu (e que na altura a propaganda selvagem e irracional se encarregou de transformar em "oportunidade única para o país") tornaram-no incapaz de vencer qualquer eleição nos próximos tempos. A memória é curta em política, mas há questões "fracturantes" e o ano de 2004 é inesquecível.

Passos decidiu, assim, abrir o caminho à esquerda para uma vitória nas presidenciais. Tendo em conta o que tem sido a história recente em Portugal nas eleições para Belém, é pura verdade que esta seria a vez da esquerda ganhar. Mas desperdiçar desta maneira o candidato da direita mais bem colocado nas sondagens - à direita, lidera o barómetro i/Pitagórica há mais de um ano consecutivo - é um erro de alucinado. Marcelo foi ultrapassado por António Costa no posto de "melhor candidato", embora tenha aí estado nos primeiros meses de existência do barómetro. Agora, sim, para António Costa há um "caminho aberto" - título do último livro de intervenções políticas do presidente da câmara de Lisboa. Com a liderança do PS a ficar mais longe, tendo em conta que as coisas são como são, depois da desistência de ontem de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa tem o caminho aberto para Belém enfeitado com flores, ameno, aprazível e provavelmente invencível. Existem outros possíveis candidatos de esquerda - nomeadamente o ex-reitor Sampaio da Nóvoa - ou mesmo Carvalho da Silva que podem ter ontem sentido uma luz. É verdade que agora era a vez da esquerda ganhar Belém, mas não se previa que fosse tão simples.

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