segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Vereador do Urbanismo criticado por se manter em gabinete de arquitectura. O Quarteirão das Cardosas e os valores do património

Este é um caso importante.
Para a imagem de Rui Moreira e as expectativas criadas por ele para um novo Ciclo no Porto e , também, na Política Nacional.
Ser “Arquitecto”, não é garantia que se tomam boas decisões na área do Urbanismo.
Nas importantíssimas áreas como a Defesa do Património e a Reabilitação Urbana, agora que o Porto, com o caso das “Cardosas”, e apesar do correctíssimo periodo da “Ribeira” que lhe atribuiu o estatuto de Património Mundial, parece tender para uma “Gentrification” destruidora do Património e da Autenticidade, com respectivas consequências, também sociais.
A separação e o distanciamento total da Actividade de Arquitectura durante o Mandato impõe-se !!
Repare-se que não foi por isso que Salgado em Lisboa melhorou, mas ele é irónicamente um exemplo completo de que, precisamente,  em Portugal “SER” Arquitecto é muitas vezes sinónimo, pelo aprisionamento na síndrome criadora,  vontade de deixar assinatura e fazer cidade, de destruição do Património.
António Sérgio Rosa de Carvalho

Vereador do Urbanismo criticado por se manter em gabinete de arquitectura
 19 nov 2013 in Público
 Patrícia Carvalho

Correia Fernandes diz que será “vereador quatro anos ou menos, mas arquitecto a vida toda”. Autarca diz que já questionou a Ordem dos Arquitectos e que esta lhe confirmou que não há incompatibilidade
O vereador do Urbanismo na Câmara do Porto, Manuel Correia Fernandes, não vai suspender o exercício da actividade como arquitecto nem abandonar a sociedade familiar de arquitectura e promoção imobiliária que tem o seu nome. A decisão do socialista está a motivar acesa discussão na blogosfera, sobre a eventual incompatibilidade de funções, mas Correia Fernandes garante que já questionou a Ordem dos Arquitectos (OA) e que esta lhe assegurou que não há incompatibilidade de funções.

O caso foi espoletado pelo também arquitecto José Pulido Valente no blogue A Baixa do Porto e tem suscitado uma troca de argumentos entre vários intervenientes, incluindo o próprio Correia Fernandes. Na sexta-feira, após cinco dias de debate, Pulido Valente citou o artigo 46.º do estatuto da OA que refere que o exercício da profissão é incompatível, entre outros cargos, com o de “presidente ou vereador de câmara municipal no âmbito do que a lei determine”. Correia Fernandes opõe que o termo “no âmbito do que a lei determine” faz aqui toda a diferença.

“Eu já pedi um parecer à Ordem há quatro anos, quando fui eleito vereador da oposição, e pedi outro agora, para o caso de assumir funções de vereador com pelouro. O estatuto refere ‘no âmbito que a lei determine’ e a lei tem sofrido várias alterações. A última actualização refere apenas que estas situações precisam de ser comunicadas ao Tribunal Constitucional e à assembleia municipal”, refere. Correia Fernandes garante que já comunicou o caso ao TC e que vai ainda enviar para aquele órgão uma lista de todos os projectos que tem “em carteira”. A Assembleia Municipal do Porto será informada na primeira sessão, agendada para amanhã. Munido de um parecer positivo da OA — que também deu, segundo o vereador, um aval positivo ao facto de este ser ainda, e até às eleições de 19 de Dezembro, o presidente da assembleia geral da Ordem —, Correia Fernandes aguarda ainda por outro parecer que pediu aos serviços da câmara.

Mas garante que a sua decisão está tomada. “Eu até podia sair da sociedade, mas prefiro ser claro. Acordei

O vereador Correia Fernandes também preside à assembleia da secção norte da Ordem dos Arquitectos com os meus filhos que não faríamos trabalho para a cidade do Porto, excepto os que estão a correr. E se por qualquer razão ponderosa aceitarmos algum trabalho na cidade, só o farei se todos os elementos vierem a público e forem escrutinados. Além disso, nesses casos, o processo passará para as mãos do presidente da câmara. Não estou disposto a deixar de poder exercer a minha profissão. Eu sou vereador [do Urbanismo] quatro anos, se calhar menos, mas sou arquitecto a vida toda”, diz.
Vários casos

O presidente da secção regional do Norte da OA, José Fernando Gonçalves, confirma que têm sido solicitados vários pareceres sobre casos similares e que o sentido tem sido o mesmo: “Há cada vez mais arquitectos em cargos dirigentes em câmaras e, de facto, o que diz a nossa assessoria jurídica é que a lei não impede o exercício da arquitectura nesses casos”. O responsável acrescenta que, deontologicamente, há “um dever de isenção — e de certeza que o arquitecto Correia Fernandes está a par disso — que diz que os arquitectos não se devem colocar em situações de conflito entre o público e o privado”. Ou seja, esclarece: “O arquitecto não pode ser julgador e julgado. Não pode, em qualquer circunstância, avaliar os seus próprios projectos”, diz.

Correia Fernandes diz estar consciente que a sua decisão “pode ter custos”, mas garante que a questão foi discutida com a maioria independentes-PS no executivo e que não lhe foi levantado qualquer obstáculo. “Quando a coligação se proporcionou, comuniquei ao executivo que aceitaria o cargo, mas que queria continuar a exercer a minha profissão. Não houve qualquer problema.”

A discussão começou no blogue A Baixa do Porto, a 10 de Novembro, quando José Pulido Valente questionou: “Seria muito interessante saber como é que o novo vereador do Urbanismo resolveu o problema da incompatibilidade entre o emprego e o exercício da profissão”. O arquitecto frisou que o colega e vereador trabalha com os filhos na Manuel Correia Fernandes Arquitectos & Associados e levantou dúvidas sobre como é que o responsável pelo Urbanismo irá compatibilizar isso, concluindo: “Por mim na situação do MCF não tinha aceitado o lugar para que não houvesse dúvidas, dado que haverá sempre quem pense que haverá maneira de os corruptores se apresentarem como anjinhos impolutos e mais que santos cheios de correcção e lisura... À mulher de César...”.

Nos dias seguintes, Pulido Valente trocou argumentos com Tiago Azevedo Fernandes, o administrador do blogue, e defensor que a situação de Correia Fernandes não tem de ser problemática: “A solução não é evitar assumir responsabilidades públicas, é exercer o cargo com absoluta transparência, disponibilizando online toda a documentação relevante sobre os processos em que intervier.”

O próprio Correia Fernandes contribuiria para o debate, ao responder a José Pulido Valente, na sexta-feira: “Se algum efeito produziu em mim o escrito de JPV foi o de me ter feito alicerçar melhor a convicção de que o serviço público implica o escrutínio público de quem o presta sem que para isso tenha de camuflar a realidade. Agradeço, por isso, ao JPV, o ter-me feito consolidar a decisão de que serei arquitecto como sempre fui e vereador como sou agora, neste país que desconfia sempre de si próprio.”

 Aprisionamento na síndrome criadora,  vontade de deixar assinatura e fazer cidade.
"E se formos muito exigentes com a pedrinha e com o azulejo não conseguimos reabilitar nada".( Manuel Salgado em plena Reunião pública na C.M.L.)

Questão já se colocou na câmara da capital
As dúvidas levantadas agora sobre a situação de Correia Fernandes na Câmara do Porto são as mesmas que, em 2007, rodearam Manuel Salgado na Câmara de Lisboa. Este arquitecto era então o “número dois” da lista do socialista António Costa às eleições intercalares para a Câmara de Lisboa e a questão surgiu ainda durante o período de campanha eleitoral. Ao contrário de Correia Fernandes, Manuel Salgado decidiu cessar toda a actividade profissional enquanto exercesse o cargo de vereador do Urbanismo. Numa declaração pública, o arquitecto assumiu ainda que se desvincularia da empresa de que era sócio e onde trabalhavam familiares seus, a Risco, e que esta se comprometia a não aceitar “novas encomendas de promotores privados de projectos (...) sujeitos a licenciamento ou autorização da câmara”. O ainda vereador com o pelouro do Urbanismo (mas já não vice-presidente) da Câmara de Lisboa justificava, na altura, a sua decisão, escrevendo: “Não podem subsistir dúvidas sobre a imparcialidade e a transparência das relações dos titulares dos órgãos municipais e as empresas que em Lisboa podem actuar”. 

O Quarteirão das Cardosas e os valores do património

O colóquio “Porto Património Mundial: Boas Práticas de Reabilitação Urbana”, realizado recentemente, veio reforçar aos olhos do público um facto já conhecido nos meios académicos e profissionais ligados ao Património: o da recente e desastrosa intervenção no quarteirão das Cardosas, amparada na indiferença complacente de organismos de tutela e do próprio poder autárquico.
A demolição de edifícios com valor histórico e cultural, agora substituídos por construções novas, ou o esventramento de outros para fins de fachadismo, são sinónimos de um modelo de “reabilitação” avesso ao envolvimento das populações (num centro histórico cada vez mais despovoado, mas progressivamente “gentrificado”) e orientado em função de interesses imobiliários, que assim vão ditando um novo modelo de cidade, ao arrepio dos princípios da teoria da conservação inscritos em documentos normativos internacionais, dos quais Portugal é co-signatário.

Demolir património classificado do Centro Histórico que ostenta a categoria de Património da Humanidade, numa cidade outrora pioneira no arranque da reabilitação de centros históricos em Portugal, através da experiência do CRUARB, mas hoje particularmente afectada pela crise, é condenável tanto do ponto de vista patrimonial, como pelo que acarreta em termos de exclusão social, ao favorecer a destruição do tecido social e das relações económicas (com destaque para o comércio tradicional, tão marcante na história da cidade) pré-existentes, obliterando a História e as marcas identitárias que são referência de actuais e futuras gerações.

O património pode e deve ser factor de desenvolvimento e bem-estar para as populações que o herdaram e/ou produziram e que com ele se identificam. É possível e desejável conciliar valores de memória (antigo) com os de novo (uso), tal como Riegl os definiu, sem que para isso seja necessário lançar mão de operações de desfiguração com custos imorais.

A intervenção no património histórico ao abrigo de slogans que usurpam a essência do que deveria ser a boa preservação patrimonial, para aplacar consciências mais sensíveis – “construímos hoje o património do futuro” – contradiz e inverte todas as conquistas alcançadas nos últimos 20 anos, quer no âmbito académico, evidenciado pelo número de cursos de Conservação e Reabilitação Arquitectónica (onde pontuam a FAUP e a FEUP) e da Conservação e Restauro e Estudos do Património (onde a Escola das Artes da UCP se destaca na zona norte), quer no profissional, tal como o comprovam o aumento exponencial de técnicos qualificados e agremiações profissionais.

A preservação do Património Urbano depende mais do que nunca de soluções sustentáveis que passem pela promoção dos valores históricos e artísticos associados ao edificado, idealmente apoiadas em actividades económicas que integrem as populações no respectivo território, que excluam cenários pré-fabricados para turista ver.

A autora é docente da Escola das Artes – Arte e Restauro, da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, e membro do ICOMOS Portugal - Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios

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