quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Parece que sou fascista


Parece que sou fascista



Daniel Oliveira, que não sendo propriamente meu amigo é alguém por quem nutro amizade e admiração intelectual, decidiu falar de mim numa das suas últimas colunas do Expresso online, incluindo-me numa "jovem direita, que até já foi civilizada", mas que agora, lamentavelmente, "está cada vez mais próxima do estilo Fox News". Diz ele: "Sente-se ali o Dr. Strange Love. Bem tenta, mas a tradição não deixa conter aquele bracinho..." Ou seja, parece que quando estou mais distraído o meu membro superior direito ganha vida própria e desata a fazer a saudação romana, à boa moda fascista.

E porque é que, no entender do Daniel, eu sou um terrível ex-civilizado e um lamentável protofascista? Porque me atrevi barbaramente a defender que somos um "país tenrinho", apontando como exemplo a demora com que o Governo tratou o caso da ponte, quando qualquer pessoa com dois dedos de testa e sem um par de palas extremistas nos olhos perceberia que permitir ali manifestações, seja da CGTP ou dos Amigos dos Animais, não tem pés nem cabeça. Tal qual - diria eu imodestamente - se veio a provar.
Não querendo, contudo, voltar a uma vaca que por esta altura já está gelada, devo dizer que não percebo por que se indigna tanto Daniel Oliveira com o conceito de "país tenrinho". Afinal, basta passar os olhos pelo seu blogue - o Arrastão - para encontrar numerosos defensores desta mesma tese. A esquerda mais musculada não tem dito ou sugerido outra coisa. Para vários amigos do Daniel (não sei se deva aqui incluir o próprio, ele logo me dirá), o país é mesmo muito, muito, muito tenrinho, e por esta altura o povo há muito, muito, muito que deveria ter saído à rua e deposto o actual Governo, por eles considerado não apenas péssimo, indecoroso ou indecente, mas também - e sobretudo - ilegítimo.
Donde, quando Daniel Oliveira afirma que a proibição da manifestação na ponte foi "só mais um passo para o ambiente de medo e apatia que pretendem impor ao país", o que ele está efectivamente a querer dizer em linguagem de Arrastão é que foi "mais um obstáculo para o ambiente de ferro e fogo que certa esquerda gostaria de ver no país". Às vezes não sei bem o que é que mais os irrita - se o Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, se a forma mole, desencantada e tenrinha com que o povo "ai aguenta, aguenta".
Portanto, caro Daniel, não sou eu que estou com vontade de levantar o bracinho - és tu que mo estás a puxar. Em boa verdade, nós estamos unidos na frustração em relação a este Governo: tu, porque achas que ele nos está a empobrecer pela direita (a destruição do Estado social); eu, porque acho que nos está a empobrecer pela esquerda (a incapacidade de diminuir o peso do Estado). A diferença entre nós é que no meu caso existe um caminho alternativo - a eternamente adiada reforma do Estado -, enquanto no teu caso não existe caminho algum.
Espera, estou a ser injusto. Há dias tu propuseste um: "A alternativa? Correr o risco de ser livre. E pagar a factura dessa liberdade. Seja dentro ou fora do euro, seja correndo com a troika ou negociando firmemente com ela. Pobres, se preciso for. Falidos, se tiver de ser. Mas dignos de, como povo, sermos donos do nosso destino." É bonito, sim senhor. Mas não admira que com alternativas deste calibre a esquerda precise de andar a levantar os braços dos outros - é que para pagar tal factura não há quem ponha a mão no ar.
Jornalista jmtavares@outlook.com

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