quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O regresso ao inferno.


O regresso ao inferno
19/09/13 00:12 | António Costa Diário Económico

A execução orçamental está em risco, os juros da dívida pública disparam, a desconfiança dos mercados aumenta, as notas negativas das agências de rating estão de volta e, agora, só falta mesmo mais um chumbo do Tribunal Constitucional

A execução orçamental está em risco, os juros da dívida pública disparam, a desconfiança dos mercados aumenta, as notas negativas das agências de rating estão de volta e, agora, só falta mesmo mais um chumbo do Tribunal Constitucional à convergência das pensões para completar o quadro negro, e a inevitabilidade de um segundo resgate.

 Portugal teve ontem uma quarta-feira negra, tudo correu mal: ao fim de dez dias de juros a dez anos a bater a barreira psicológica, e de sustentabilidade, dos 7%, o Governo decidiu ir ao mercado com uma emissão de Bilhete de Tesouro e os resultados dificilmente poderiam ser piores. Mas foram, porque, horas depois, a agência de notação financeira internacional Standard & Poor's anunciou que o rating atribuído a Portugal estaria sob "vigilância ('creditwatch') com implicações negativas".

 Haverá muitas explicações para a degradação da situação financeira do País nas últimas semanas e, dependendo do ponto de análise, sobretudo político, são mais ou menos valorizadas as responsabilidades do Governo, inquestionáveis, como a actuação dos juízes do Tribunal Constitucional, igualmente evidentes. E, até a incapacidade dos líderes europeus de solucionarem, de forma estrutural, o que são os problemas do euro.

 Infelizmente, quaisquer que sejam as causas, há uma certeza. Portugal já não depende de si próprio para ultrapassar essas dificuldades, já ninguém acredita na capacidade do País de cumprir os seus compromissos, já estamos num contra-relógio que só poderemos vencer com um doping, garantido directamente pelos credores públicos, a ‘troika', ironicamente, os que contribuíram também para a situação a que chegamos.

 O Governo de Passos Coelho herdou uma situação económica e financeira catastrófica, é bom recordá-lo, mas teve a oportunidade de depender apenas de si para garantir a recuperação da independência financeira, para deixar de ser o protectorado - expressão tão cara a Paulo Portas - de entidades externas. Teve condições políticas, sociais e financeiras. E não as aproveitou. Por actos e omissões. Para quem pensava que as crises políticas, e a de Julho em particular, são a espuma dos dias que os mercados não valorizam, as últimas semanas mostram como estão errados. As crises pagam-se, não há almoços grátis.

 Agora, no momento em que a ‘troika' está novamente em Portugal para mais uma avaliação, aliás, duas avaliações em uma, e quando já falta menos de um ano para o fim do actual programa de ajustamento, os dados estão lançados. O melhor que este Governo conseguirá é a bondade da ‘troika' para nos ajudar a chegar ao programa cautelar e, assim, evitarmos a necessidade de mais um cheque. É, também, por isso que não se percebe bem a nova forma de negociação, leia-se de pressão pública, sobre a ‘troika'. Neste momento, são a última solução.

 O Orçamento do Estado para 2014, é evidente, está a ser feito a quatro mãos, entre o Governo e a ‘troika', porque uma coisa é certa: estamos numa inclinação acelerada, mas se não fizermos os mínimos, isto é, se não cumprirmos minimamente o que acordamos com a ‘troika', se não houver um corte de despesa efectivo, se não reduzirmos o défice e a dívida pública, não haverá boa-vontade que nos valha. De ninguém.


Ameaça de novo corte no rating dificulta regresso aos mercados

Juros da dívida voltam a subir. Standard & Poor"s diz que Portugal está cada vez mais dependente do apoio da troika
É mais um caso de uma profecia que tem tudo para acabar por se auto-realizar. A agência de notação financeira internacional Standard & Poor"s (S&P) disse ontem que "existe um risco crescente de Portugal não reconquistar um acesso completo aos mercados no início do próximo ano e de o Governo português ter de solicitar um segundo programa oficial de apoio". Por causa disso, reforçou a sua ameaça de cortar o rating atribuído a Portugal, uma decisão que, a concretizar-se, torna, só por si, ainda mais provável o insucesso do país no regresso aos mercados e a necessidade de pedido de um segundo resgate.
O anúncio da S&P surgiu no final do dia de ontem. A agência fez saber que colocou o rating atribuído a Portugal sob "vigilância (creditwatch) com implicações negativas", o que significa, de acordo com as definições da instituição, que passam a existir agora 50% de hipóteses de um corte do rating ser concretizado durante os próximos meses.
Esta decisão representa um reforço significativo da ameaça da S&P de corte do rating português, que já existia há dois meses e meio. No passado mês de Julho, alguns dias depois de Paulo Portas ter apresentado a sua demissão e quando ainda havia uma grande indefinição em relação ao futuro do actual Governo, a agência tinha passado o outlook do rating português de "estável" para "negativo". Isso significava, de acordo com as definições da agência, que existia então uma probabilidade de 33% de se proceder a um corte na classificação durante os 12 meses seguintes.
Actualmente com um rating de "BB" atribuído pela S&P, Portugal mantém, junto das três principais agências de notação financeiras internacionais, uma classificação de "lixo" (junk bonds). Com o reforço da ameaça de ontem, parece cada vez mais distante o momento em que isso deixe de acontecer.
Para o objectivo do Governo de concretizar um regresso aos mercados já no início do próximo ano que lhe permita evitar um segundo resgate e avançar, antes, para um programa cautelar, a manutenção de ratings tão negativos constitui um obstáculo difícil de ultrapassar.Muitos investidores internacionais, especialmente os fundos de pensões e os bancos, não compram títulos com rating a nível "lixo". E, assim, o Tesouro português sente, nestas circunstâncias, mais dificuldades em garantir um leque variado e estável de investidores, uma condição considerada essencial para que o regresso aos mercados seja sustentável.
Juros mais altos
Tudo isto acontece num cenário em que as taxas de juro da dívida pública portuguesa estão outra vez a níveis preocupantes. Nos últimos dias, no mercado secundário, as taxas de juro dos títulos a 10 anos mantiveram-se, de forma persistente, acima da barreira dos 7%, aproximando-se do nível que foi atingido no dia a seguir ao anúncio de demissão de Paulo Portas, em Julho.
E no mercado primário, aquele onde o Estado português faz as suas emissões, os resultados obtidos estão também a ficar mais negativos. Ontem, o Tesouro português realizou, com sucesso, duas colocações de títulos de dívida de curto prazo, mas as taxas de juro registadas foram mais altas do que em operações semelhantes realizadas num passado recente, reflectindo a deterioração que se tem vindo a verificar nas condições dos mercados desde o passado mês de Julho.
De acordo com os dados divulgados pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), foram colocados 750 milhões de euros em Bilhetes do Tesouro a 18 meses a uma taxa de juro de 2,29%. Isto representa uma subida em relação aos 1,603% registados na mais recente emissão realizada a este prazo, em Junho.
Foram também emitidos 500 milhões de euros de Bilhetes do Tesouro a três meses, tendo sido obtida uma taxa de juro de 1,08%. Há pouco menos de um mês, uma emissão semelhante tinha sido realizada a uma taxa de juro de 0,766%.
Mais instabilidade política
É este ambiente mais sombrio nos mercados que, combinado com questões de ordem política e económica em Portugal, levou à decisão de ontem da S&P.
A agência diz que a colocação do rating em vigilância "reflecte a visão de que há riscos crescentes para os ambiciosos objectivos de consolidação orçamental de Portugal e uma probabilidade cada vez maior de não-cumprimento do actual programa da UE e do FMI".
E os principais riscos identificados são três: a perspectiva de novos chumbos do Tribunal Constitucional (TC) às medidas do Governo, a possibilidade de uma actividade económica mais fraca do que o esperado e a hipótese de ressurgimento de tensões políticas que levem a atrasos no OE de 2014.
De acordo com a análise da agência de ratings, o programa de corte da despesa pública com que o Governo se comprometeu junto de Bruxelas deverá ter de enfrentar mais chumbos do TC (é dado o exemplo das 40 horas de trabalho na função pública), o que vai obrigar o executivo a reformular o plano, dando azo a nova instabilidade política (dentro do Governo) e social.
A agência assinala, pela positiva, o aparecimento de boas notícias a nível económico nos dados do segundo trimestre, especialmente ao nível das exportações, mas diz que, com o actual nível de endividamento externo do país, poderemos estar perante "vários anos mais de procura interna estagnada".
É por tudo isto que a S&P diz que há "um risco crescente de Portugal não reconquistar um acesso completo aos mercados no início do próximo ano", algo que, diz a agência, faz com que o país esteja "cada vez mais dependente do apoio e flexibilidade dos seus credores oficiais".

O país inteiro pede coisas à troika. A Standard & Poor"s ameaçou descer o rating. Satisfeitos?
Sempre que a troika nos visita, revela-se na sociedade portuguesa uma incompreensível tendência para o peditório. António José Seguro implora uma suavização do défice em 5% (mais meio ponto percentual do que o Governo), Miguel Frasquilho suplica um "alívio fiscal para as famílias e as empresas" e Cecília Meireles espera primeiro que tudo que o país passe no exame para ficarmos mais perto de recuperar a soberania. A tudo isto, os visitantes da troika respondem com um inflexível silêncio, provavelmente enquanto pensam aonde vão almoçar. O peditório é a demonstração evidente de que o país político vive na margem da realidade. Mas não é a única. O relatório no qual o Fundo Monetário Internacional autoflagela-se atacando as suas próprias políticas (uma prática algo masoquista, quiçá influenciada pelo peditório à portuguesa) deixou a maioria à beira de um ataque de nervos. Marco António Costa, por exemplo, acusou de "hipocrisia institucional" o Fundo a cujas políticas jurou fidelidade. Compreende-se o lamento, uma vez que o FMI tirou o tapete à maioria em plena campanha, na qual anda a acusar o PS de demagogia por dizer que a austeridade devia ser mais suave... Ora a indicação de que a Standard & Poor"s poderá vir a baixar o rating de Portugal deixou-nos ainda mais perto da inevitabilidade de um segundo resgate, que a oitava e a nona avaliação da troika são supostas evitar. A realidade, porém, fala mais alto do que os peditórios e os lamentos, incluindo os do próprio FMI. Quando o Fundo diz que a austeridade tem que abrandar, está, na verdade, a assumir que a sua estratégia não funciona. Mas, como a receita não vai mudar, nem sequer ser flexibilizada, o que ficamos a saber de ciência certa (ou seja, seguindo o raciocínio do FMI), é que continuamos num caminho sem saída. Como a Standard & Poor"s, tranquilamente, constatou.
Editorial / Público.

Já nem a maioria acredita numa folga da troika
Por Rita Tavares
publicado em 19 Set 2013 in (jornal) i online
Pedidos de flexibilização há muitos mas desta vez não foi só a oposição que saiu pessimista. Maioria diz que as negociações serão difíceis
Qualquer ideia de flexibilização de metas orçamentais caiu ontem por terra, depois de pouco mais de uma hora de reunião dos partidos com os representantes do BCE, FMI e Comissão Europeia, no parlamento. E não foi só a esquerda que saiu com más perspectivas: PSD e CDS viram a troika muito evasiva no que diz respeito a aligeirar as condições do ajustamento nacional.

Para a maioria que suporta o governo ficou claro que este período negocial, que começou agora com a chegada da troika para as oitava e nona avaliações, será complexo. Aliás, no final da reunião, a deputada do CDS e ex-secretária de Estado, Cecília Meireles, disse mesmo ter ficado "com a sensação de que serão negociações muito, muito difíceis". Miguel Frasquilho, do PSD, acrescentou, logo de seguida, que os representantes foram "bastante evasivos" numa questão concreta colocada por si: "Defendemos que, se a consolidação orçamental tem de continuar, seria bom que fosse permitido o alívio fiscal às empresas e famílias." O PSD queria começar pelo IRC, dando o primeiro sinal às empresas, mas do lado de lá da mesa nada ouviu.

O mesmo para a meta do défice, que o governo gostaria de ver revista em meio ponto percentual, ou seja, chegar a 4,5% do PIB em 2014. E a pressão neste sentido tem sido muita, até do Presidente da República, que ainda há três dias pediu "bom senso" nestas duas avaliações do programa de ajustamento português, com o argumento de proteger a economia e os primeiros sinais de recuperação.

Mas no PSD e CDS, a sensação que ficou foi mesmo que o discurso da necessidade de consolidação e de redução de despesa se mantém intocável, o que não é compatível com qualquer abrandamento dos compromissos assumidos por Portugal.

A dramatização segue na maioria e com suporte no governo (ver texto ao lado). Ainda assim, no parlamento, Miguel Frasquilho tentou doseá-la com uma réstia de esperança, explicando a atitude "evasiva" que diz ter visto nos representantes dos credores internacionais com o facto de estas avaliações ainda só agora terem começado. E o deputado ainda acrescentou que também não viu "nenhuma porta fechada".

MUITOS SILÊNCIOS
 Na oposição, o pessimismo é mais incisivo e as culpas são deitadas ao governo. No PS, Pedro Marques viu "insensibilidade e silêncio" na troika, mesmo perante o elenco das consequências da austeridade que o partido levou à reunião. A explicação? "Quando o próprio governo não se entende quanto ao pedido de alívio da austeridade, é claro que a troika não vai flexibilizar coisa nenhuma." Um dos pontos em que o PS insiste é a baixa do IVA na restauração, mas da troika ouviu ontem mais silêncio ou a pergunta, contou o deputado Pedro Marques, sobre "quem é que financia isso".

A troika já tinha estado com a direcção do PS, logo de manhã, na sede do partido, que pediu um défice de 5% em 2014 mas, segundo Eurico Dias, a reacção foi de "enorme relutância".


Mais à esquerda, o PCP confrontou a missão com o nível salarial em Portugal e o deputado Miguel Tiago diz ter tido como resposta que "os trabalhadores portugueses não são competitivos e por isso é que estão desempregados". No BE, Luís Fazenda saiu da reunião com a certeza de que "a troika vai manter exactamente a linha de rumo". Falou da "insensibilidade em relação à realidade portuguesa" e deixou o aviso: "A troika também vai ter de assumir a responsabilidade de estarmos mais perto do segundo resgate."

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