sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Francisco diz que a Igreja tem estado "obcecada" com o aborto e o casamento gay. Padre do Fundão em silêncio no início do julgamento.


Francisco diz que a Igreja tem estado "obcecada" com o aborto e o casamento gay


Na primeira entrevista de fundo, o Papa traça as suas prioridades. A "misericórdia" deve ser a primeira das mensagens
Na sua primeira entrevista de fundo após seis meses como Papa, Francisco declara que a Igreja Católica se tornou "obcecada" com os temas do aborto, do casamento homossexual e da contracepção.
"Não tenho falado muito sobre estes temas e por vezes isso tem-me sido apontado. Mas quando se fala neles, deve ser no devido contexto. Sabemos qual é a opinião da Igreja e eu sou um filho da Igreja, mas não é preciso continuar a falar disto."
Estas palavras do Papa Francisco foram publicadas no jornal jesuíta italiano La Civiltà Cattolica e resultam de uma longa entrevista, de 29 páginas, realizada nos dias 19, 23 e 29 de Agosto, explica o siteVatican Insider, ligado ao jornal italiano La Stampa. Nela, o argentino Jorge Mario Bergoglio traça as prioridades da sua acção pastoral. A entrevista, que é publicada em inglês pela revista America, dos jesuítas americanos, foi revista pelo Papa, diz o New York Times.
"Temos de encontrar um novo equilíbrio, se não o edifício moral da Igreja pode cair como um palácio de cartas", disse Francisco. Os ministros da Igreja devem ter como primeira missão levar uma palavra de "misericórdia", a mensagem de salvação de Jesus Cristo, sublinhou. "Proclamar o amor redentor de Deus é um dever prioritário, a cumprir antes do dever moral e religioso. Mas hoje parece que muitas vezes acontece o contrário", afirmou.
O Papa falou abertamente da questão da homossexualidade - na origem de tanta violência e polémica, por vezes incentivada pela própria Igreja Católica. Veja-se a legalização do casamento gay em França, em que os bispos e organizações católicas foram motores da contestação.
"Quando estava em Buenos Aires, recebi cartas de homossexuais "socialmente feridos" porque me diziam que a Igreja sempre os tinha rejeitado. No avião de regresso do Rio de Janeiro, disse que "se um gay procurar Deus, quem sou eu para o julgar." Reitera o Catecismo da Igreja Católica - que diz que as pessoas homossexuais são chamadas à castidade -, mas sublinha o primado da liberdade: "Deus deus-nos a liberdade quando nos criou: não é possível a interferência espiritual na vida pessoal de outra pessoa."
As reformas não se fazem num abrir e fechar de olhos, sublinha. "Eu acredito que leva tempo a construir as fundações de uma mudança real e eficaz. Esta é a altura do discernimento. Às vezes o discernimento leva-nos a agir no imediato. Isto é o que me tem acontecido nos últimos meses", confessou o Papa Francisco.
Não aprecia os tradicionalistas. "A visão dos que procuram soluções disciplinares, que dão excessiva importância a resguardar a doutrina e estão obcecados em trazer de volta um passado que já lá vai é estática e regressiva", afirma. O princípio que o orienta, a sua "certeza dogmática", é que "Deus está presente na vida de todas as pessoas, mesmo se essa vida tiver sido destruída por maus hábitos, por drogas ou seja o que for."


Padre do Fundão em silêncio no início do julgamento


O padre do Fundão acusado de 19 crimes de abuso sexual optou ontem por não falar em tribunal. Na primeira sessão foram ouvidos, em cassete, o depoimento de cinco queixosos menores
O ex-vice-reitor do Seminário Menor do Fundão remeteu-se ontem ao silêncio na primeira sessão do julgamento. O padre Luís Mendes é acusado de 19 crimes de natureza sexual sobre menores. Segundo fonte judicial, o arguido optou por não falar ao colectivo de juízes. O primeiro dia deste julgamento, que se realiza à porta fechada, ficou marcado pela audição de cassetes com os depoimentos gravados de cinco dos queixosos.
Do processo faz parte meia centena de testemunhas, mas nenhuma delas foi ouvida, tendo sido arroladas para falarem ao longo de quatro audiências já marcadas e que se prolongam, pelo menos, até 16 de Outubro.
O arguido chegou antes das 9h00 ao Tribunal do Fundão juntamente com o padre que o tem acompanhado na residência paroquial onde está em prisão domiciliária e mais dois funcionários do Instituto de Reinserção Social. O sacerdote saiu do carro e entrou de imediato para a sala de audiências, localizada na cave do edifício.
Numa estratégia diferente da de ontem, durante o inquérito o sacerdote de 37 anos escolheu falar, tendo negado os crimes. Admitiu que se deitava com os jovens na cama, debaixo dos lençóis, mas insistiu que era apenas para confortar os alunos, que estavam afastados da família ou doentes, uma justificação que o sacerdote que o tem acompanhado desde a sua detenção, em Dezembro de 2012, acredita ser "verdade".
"Na minha opinião, houve uma má interpretação. O padre Luís é uma pessoa de gestos carinhosos, afectivo. É assim mesmo a sua maneira de ser. As suas atitudes foram mal interpretadas", contou ao PÚBLICO o padre Carlos Lajes.
O actual defensor do vínculo do Tribunal Eclesiástico disse que desde o início que o padre Luís Mendes se considera "inocente" e que toda a "situação dramática" o tem deixado "muito abalado".
"Espero que se faça justiça e não haja uma perversão da mesma", sustentou. O sacerdote contou ainda que os últimos meses foram "muito complicados" para o arguido, que tem recebido o apoio e visita de familiares e amigos, alguns dos quais estiveram ontem no tribunal. Entre eles pais de antigos alunos e funcionários do seminário. "Fui formador do padre Luís Mendes, conheço-o e nunca deu sinais de ser aquilo de que o acusam agora", afirmou, convicto.
De acordo com a acusação, o padre Luís Mendes terá agido sempre com menores que considerava "mais fracos emocional ou familiarmente e sobre quem tinha forte ascendente".
Às vítimas, o padre diria que aquilo que fazia era "o que os pais faziam aos filhos". Essa justificação também foi apresentada pelo próprio na avaliação psicológica de que foi alvo e na qual se concluiu que sofre de "perturbação da personalidade, com desvio no comportamento sexual". Os peritos que realizaram a avaliação alertaramm ainda para o "risco de reincidência".
Caído no esquecimento
O padre Luís Mendes é o primeiro sacerdote da Igreja Católica a ser julgado por crimes relacionados com pedofilia. Mesmo tratando-se de um caso mediático, ontem foram poucos os que se dirigiram ao Tribunal do Fundão, talvez por saberem que o julgamento se iria realizar à porta fechada. Na rua e nos cafés, o ritmo das pessoas era igual ao dos outros dias e para muitos o caso até já estava esquecido. Foram as recentes notícias publicadas que reavivaram as memórias do dia em que o caso foi denunciado.
Se há nove meses a notícia caiu que "nem uma bomba", agora a surpresa deu lugar à discussão sobre a igreja e a justiça.
"Não podemos condenar o homem sem primeiro ser julgado", acautelou Nuno Dias. Aluno durante ano e meio no seminário, há mais de 28 anos, o habitante do Fundão lembrou que situações de pedofilia acontecem "em vários sítios e com qualquer pessoa". Admitiu ainda que a justiça portuguesa é branda nestes casos. "A serem verdade as acusações, deve ser condenado como qualquer cidadão", disse, lamentando que em Portugal não exista uma "pena exemplar" e que deveria, na sua opinião, ser "a castração química".
Júlio Santos voltou a recordar o caso quando leu a notícia de que o julgamento estava para breve. "Tudo isto caiu um pouco no esquecimento. Isto acontece porque a justiça portuguesa demora muito tempo, precisamente para o povo se esquecer", disse, lembrando que quando soube da detenção do padre ficou surpreendido. "Tinha-o como pessoa bondosa e simpática. Mas quem vê caras não vê corações...", desabafou.
Igreja "devia dar o exemplo"
Já Ana Neves é da opinião de que a Igreja deveria dar o exemplo e, à semelhança de qualquer outra instituição, apostar mais na formação e acompanhamento dos seus membros. "A igreja não actua numa esfera privada. Pelo contrário, lida com o público. Por isso, deveria dar o exemplo na formação e acompanhamento para minimizar estes casos", disse.
Na cidade que recebeu o seminário há 98 anos, algumas das pessoas pedem uma condenação rápida e uma pena severa se se provar a culpabilidade do ex-vice-reitor. Há quem ataque a Igreja por "esconder" os casos de pedofilia, e há quem lembre que em todas as organizações há "maus seguidores".
O padre Luís Mendes está acusado de 11 crimes de abuso sexual de crianças, sete de abuso sexual de menores dependentes e um crime de coacção sexual. Familiares dos queixosos exigem que o padre "pague pelo que fez aos menores".
De acordo com a acusação, o padre terá abusado de seis crianças entre os 13 e os 15 anos, cinco das quais alunos em regime de internato no Seminário do Fundão. A sexta vítima, que entretanto já é maior, será o único a depor presencialmente em tribunal.
A próxima sessão realiza-se a 26 de Setembro.
O padre encontra-se em prisão domiciliária desde o dia em que foi detido, a 7 de Dezembro de 2012.


O que eles dizem

"Na minha opinião, houve uma má interpretação. O padre Luís é uma pessoa de gestos carinhosos, afectivo. É assim mesmo a sua maneira de ser. As suas atitudes foram mal interpretadas"
Carlos Lajes
Padre

"Tudo isto caiu um pouco no esquecimento. Isto acontece porque a justiça portuguesa demora muito tempo, precisamente para o povo se esquecer"
Júlio Santos
Habitante do Fundão

"A igreja não actua numa esfera privada. Pelo contrário, lida com o público. Por isso, deveria dar o exemplo na formação e acompanhamento para minimizar estes casos"
Ana Neves
Habitante do Fundão

"Tal como afirmámos, em Dezembro de 2012, permaneceremos em silêncio até ao final do julgamento e cumpriremos escrupulosamente a decisão do tribunal"
D. Manuel Felício
Bispo da Guarda


Bispo reafirma silêncio mas processo canónico segue


No dia em que o ex-vice-reitor do Seminário Menor do Fundão começou a ser julgado, o bispo da Guarda, D. Manuel Felício, divulgou uma nota informando que "estão a ser cumpridas escrupulosamente as determinações canónicas" relativamente aos crimes alegadamente perpetrados pelo padre Luís Mendes. "Tal como afirmámos, em Dezembro de 2012, permaneceremos em silêncio até ao final do julgamento e cumpriremos escrupulosamente a decisão do tribunal", acrescentou.
As sanções da Igreja Católica contra um clérigo que abuse sexualmente de menores podem, em última instância, incluir a demissão do estado clerical. Mas, como adiantou ao PÚBLICO o especialista em Direito Canónico, Alfredo Patrício, "só o Papa" pode determinar essa pena. Antes disso, há lugar a um intrincado processo canónico que passa também pela Congregação da Doutrina da Fé, uma das nove congregações da Cúria Romana que o anterior Papa, Bento XVI, incumbiu de tratar dos casos de abuso sexual ocorridos dentro das instituições da Igreja ou envolvendo membros do clero.

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