segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Uma enorme Tarefa e de grande Responsabilidade.



"Rui Moreira com apoiantes na noite da vitória: todos os cenários estão ainda em aberto."

Sim, mas o que esperamos é que toda a sua atenção seja exclusivamente dirijida aos grandes desafios da Cidade do Porto, tal como foi assumido no seu compromisso eleitoral.
O Porto, justificando o seu enorme potencial histórico/cultural é cada vez mais visitado por Europeus, e isso traz mais responsabilidades no campo de Reabilitação Urbana e equilibrio sociológico na ocupação do Centro Histórico. Rui Moreira tem que saber resistir aos mero Fachadismo e "Gentrification" que tem determinado a actuação de Manuel Salgado em Lisboa.
Os "renovadores" Paulo Rangel e Rui Rio seguem-no com interesse, mas é no seu papel de Homem Bom / Independente em que as esperanças residem. Ao anunciar a criação do 
provedor da Habitação Social Moreira toca num ponto importantíssimo ...
(Ver "post" em baixo)

António Sérgio Rosa de Carvalho

O burguês de boas contas e que gosta da cultura

Por
Rui Moreira foi o centro de todas as atenções na noite eleitoral, ao ter conquistado a Câmara do Porto com uma votação muito superior à dos candidatos do PS e PSD
"A vitória de Rui Moreira no Porto", diz o social-democrata Paulo Rangel, "foi de longe o facto mais importante destas eleições". Sem nenhum currículo político-partidário, este independente de 57 anos candidatou-se à segunda cidade do país e ganhou-a com quase tantos votos como os candidatos do PS (Manuel Pizarro) e do PSD (Luís Filipe Meneses) juntos.
Desafiado a candidatar-se por um grupo de figuras públicas da cidade e contando apenas, em termos partidários, com o apoio não solicitado do CDS, Moreira conquistou seis mandatos em 13 e ultrapassou as expectativas mais optimistas dos seus apoiantes, para não falar das sondagens, que só nos últimos dias lhe reconheceram possibilidades de vitória.
O seu triunfo, disse ainda ao PÚBLICO o eurodeputado Paulo Rangel, que trabalhou com Moreira na Bolsa do Porto, "obriga os partidos a pensar na forma como se têm relacionado com a sociedade civil".
Mas quem é, afinal, este homem que, na noite das eleições, concentrou as atenções do país e quase ofuscou a histórica maioria absoluta do socialista António Costa em Lisboa? Nascido no Porto, Rui Moreira, o mais velho de oito irmãos, é um filho da alta burguesia industrial e comercial da cidade. O seu pai e homónimo, Rui Moreira, fundou diversas empresas, entre as quais a fábrica de colchões Molaflex. Após o 11 de Março de 1975, foi preso e esteve oito meses detido, com os próprios operários da Molaflex a promover uma manifestação de apoio ao patrão. Rui Moreira, o filho, estava então a partir para Londres, onde estudaria Gestão na London School of Economics, depois de ter frequentado o Colégio Alemão do Porto (como o seu antecessor Rui Rio) e de ter terminado o liceu na escola Garcia de Orta, onde dirigiu a União dos Estudantes Democratas Independentes, a primeira manifestação do seu gosto pela intervenção política. Não era o primeiro na família. O industrial Mário Moreira, seu tio e padrinho, que morreu precocemente em 1978, chegou a ser deputado da Ala Liberal no final do marcelismo.
Durante anos, Moreira não teve particular visibilidade pública, dedicando-se às empresas da família e aos seus próprios negócios. Nuno Botelho, seu braço direito na Associação Comercial do Porto (ACP), salienta o facto de Rui Moreira ter considerável fortuna própria e de o mover apenas "o seu grande amor pela cidade".
É nos últimos anos, ao defender, enquanto presidente da ACP, interesses estratégicos da cidade que via ameaçados pelo centralismo, que Moreira adquire notoriedade local e nacional, potenciada pela sua actividade de colunista na imprensa e pela sua participação, como adepto do FC Porto, em programas televisivos.
Rangel diz que Moreira "modernizou por completo a ACP" e que a sua intervenção em "dossiers importantes, como o aeroporto, porto de Leixões ou o TGV", lhe deu notoriedade", numa linha que o social-democrata associa "à tradição liberal e burguesa da cidade". Se o estatuto senatorial de que goza um grupo de figuras da burguesia tradicional da cidade constitui há muito uma especificidade portuense, Rui Moreira é, com a possível excepção de Paulo Vallada, o primeiro que, vindo dessa elite, se submeteu ao voto popular e se propôs gerir, de facto, a cidade.
A sua vitória dever-se-á a vários factores, entre eles o apoio implícito de Rui Rio. Mas se Moreira, diz Nuno Botelho, "não vai alienar o capital de honestidade e credibilidade" deixado pelo seu antecessor, também "nunca poderia ser, o "lado B" de Rio". E uma área onde se esperam diferenças óbvias é a da cultura. Botelho avisa que "não se trata de voltar à cultura de betão do tempo de Fernando Gomes", mas acredita que Moreira "vai olhar a cultura como factor de desenvolvimento".
Miguel Veiga, um histórico do PSD que apoiou Rio e agora defendeu Moreira contra Menezes, também acha que os dois Ruis se aproximam "no rigor e nas contas certas", mas vê em Moreira "um homem com grandes preocupações culturais".
De resto, Moreira deu um sinal claro de que não seria um continuador da política cultural de Rio ao escolher Paulo Cunha e Silva, um dos rostos da Porto 2001, como seu mandatário para o sector. "Rui Moreira teve sempre a preocupação de dar uma visão cosmopolita da cidade e da cultura, apostando também numa perspectiva internacional", disse ao PÚBLICO Cunha e Silva.
Se na candidatura de Moreira havia figuras próximas de Rui Rio, como a sua vereadora Guilhermina Rego e o ex-vereador Manuel Sampaio Pimentel, ou ainda Valente de Oliveira, e se teve o apoio do CDS e de figuras do PSD, também houve quem o apoiasse à esquerda. O antigo dirigente maoísta e ex-deputado socialista Pedro Baptista elenca as "convergências" que o levaram a apoiar publicamente Rui Moreira: "a afirmação do Porto em relação ao centralismo; o desinteresse perante delimitações ideológicas; a sua recusa em se deixar subjugar pela oligarquia partidária; e a sua sensibilidade para a cultura, que o distingue radicalmente de Rui Rio, para quem cultura e lazer eram a mesma coisa".
Perante a acrescida notoriedade nacional que esta vitória trouxe a Rui Moreira, haverá já quem se pergunte se não estará destinado a outros desafios, que ultrapassem o âmbito do Porto. Mas nenhum dos amigos e apoiantes com quem o PÚBLICO falou compra essa tese, e os vários cargos que Moreira foi discretamente recusando, incluindo uma Secretaria de Estado oferecida por Durão Barroso, parecem corroborá-lo. "O que o move é acreditar que pode mesmo fazer alguma coisa pelo Porto, a cidade onde gostaria que os seus filhos pudessem viver e trabalhar", assegura Nuno Botelho.

Investir na Cultura, reabilitar e criar emprego em Campanhã


Rui Moreira pode ser apontado como o herdeiro de Rui Rio, o presidente cessante da Câmara do Porto, mas a cidade que o novo eleito preconiza está, em vários aspectos, muito longe daquela que Rio construiu durante quase 12 anos. Dar outra dignidade à Cultura, apostar na abandonada freguesia de Campanhã e "evitar" que os velhos moradores do centro da cidade sejam retirados da zona onde sempre moraram são alguns dos pontos que os separam.
No que ambos se aproximarão mais é, eventualmente, nas contas. Boas contas foi o capital que Rui Rio angariou, depois dos seus mandatos, e essas mesmas boas contas, "à moda do Porto", são o lema que Moreira não se cansou de repetir ao longo da campanha.
Rui Moreira teve o apoio do CDS, mas nunca exerceu qualquer cargo político e faz questão de realçar que a sua candidatura foi "livre, independente e abrangente", pelo que é possível que não demore tanto tempo como Rui Rio a opor-se frontalmente a decisões do Governo. O empresário, defensor da regionalização, foi um dos rostos na defesa da gestão autónoma do Aeroporto Francisco Sá Carneiro e feroz opositor da privatização da ANA em bloco. Enquanto presidente da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), nunca calou as críticas ao accionista Estado.
E a reabilitação vai estar no centro do seu mandato. Moreira quer parceiros privados e públicos, não abdica do apoio do Estado (não o choca que este saia da estrutura da SRU, desde que a financie), mas também aqui define como prioridade algo que Rio não fez - reabilitar o património municipal dentro e fora do centro histórico e "obrigar" o Estado a fazer o mesmo, no património que lhe pertence.
Se Moreira cumprir o que prometeu, o Mercado do Bolhão será finalmente reabilitado, mas o futuro autarca, que não terá maioria na vereação, enfrentará dificuldades em implementar na estrutura as prometidas "residências universitárias", que não colheram o apoio de nenhum dos outros partidos com vereadores eleitos - PS, PSD e CDU.
Mais fácil deverá ser o investimento em ilhas e bairros no centro do Porto, para que os seus moradores lá permaneçam e novos sejam captados, já que este é um projecto também defendido por Manuel Pizarro, do PS. O mesmo vale para a criação de um fundo de solidariedade, ideia também partilhada pelo socialista, que Rui Moreira quer dotar com o valor mínimo de dois milhões de euros anuais. Com a CDU, Moreira partilha a intenção de criar a figura de um provedor da Habitação Social (os comunistas chamam-lhe provedor do Inquilino Municipal) e, de novo com o PS, a proposta para que os bairros do Estado sejam transferidos para a esfera municipal, com uma dotação financeira para a sua reabilitação.
Moreira e Pizarro também coincidem na vontade de que o Rivoli seja, de novo, um verdadeiro teatro municipal, escolhendo um director/programador por concurso público. O próximo presidente da Câmara do Porto promete criar espaços para a "arte efémera", ou os graffiti (não confundir com tags), que Rui Rio sempre combateu.
Uma cidade voltada para a Cultura, considerada por Moreira como "grande factor de coesão social", e com a economia e emprego sob "controlo directo" do presidente da câmara são promessas do futuro autarca, que se compromete ainda a tornar a freguesia de Campanhã no novo centro da criação de emprego da cidade. Rui Moreira quer criar ali um centro de artes e ofícios, um outro de reindustrialização e, no antigo Matadouro Municipal, que Rio quis alienar, um pólo logístico de apoio a pequenas e médias empresas. Proposta que não está longe da de Pizarro.

"Os partidos estão demasiado centrados em si próprios, nos seus dramas internos e nas carreiras dos seus dirigentes"
1. Tenho dito e escrito muitas vezes que o regime está gasto, está exausto, dá sinais ostensivos de esclerose. As eleições autárquicas, se analisadas na sua complexidade, confirmam por inteiro esse diagnóstico. Por muitas voltas que se dêem, o problema principal reside no enorme desgaste dos partidos, que perderam capacidade de representação e de identificação. Os partidos estão demasiado centrados em si próprios, nos seus dramas internos e nas carreiras dos seus dirigentes. Estão fechados à sociedade civil, impermeáveis à sua influência, procurando apenas aproveitar as últimas gotas que exalam do exangue aparelho de Estado. Os partidos - em especial, os partidos do arco da governação - resumem a sua vida à inércia dos respectivos aparelhos, reproduzindo na vida pública todos os tiques do seu ácido borbulhar interno. Essa imersão nas disputas e nos ajustes internos tolda-lhes a visão das angústias e dos anseios das populações e condena-os, primeiramente, à indiferença e, muito em breve, à hostilidade. Está, por isso, rotundamente enganado quem julga que o perigo - o perigo para a democracia - vem dos independentes e das suas listas. O perigo vem da displicência dos partidos, quando perdem a noção do serviço público e do interesse geral, e se deixam arrastar para a trivialidade e a vulgaridade da sua lida interna. 
Paulo Rangel / Os partidos e o Porto - primeiras divagações/ Hoje no Público

SOS na zona pobre


SOS na zona pobre
Por Paulo Moura (texto) Paulo Pimenta (fotografia) / http://www.publico.pt/temas/jornal/sos-na-zona-pobre-27140130


Com as novas regras do RSI e da habitação social, os pobres estão ainda mais pobres. Nalgumas zonas, como certos bairros da freguesia de Campanhã, no Porto, a miséria é atroz. Os direitos humanos essenciais são violados, os apoios do Estado são uma fraude, a reinserção social uma ficção. Ser pobre é viver num mundo à parte, de onde nunca se consegue sairCom as novas regras do RSI e da habitação social, os pobres estão ainda mais pobres. Nalgumas zonas, como certos bairros da freguesia de Campanhã, no Porto, a miséria é atroz. Os direitos humanos essenciais são violados. Os apoios do Estado são uma fraude, a reinserção social uma ficção. Ser pobre é viver num mundo à parte, de onde nunca se consegue sair

Primeiro plano de Regina.
Quando foram despejados, esqueceram-se de comunicar a "mudança de residência" à Segurança Social. A carta chegou à casa antiga e foi devolvida. Por isso Regina, 25 anos, e Bruno, 28, não chegaram a saber da convocatória para comparecerem nos serviços de atendimento do Rendimento Social de Inserção (RSI). Como penalização por não terem comparecido, o RSI foi-lhes cortado por dois anos.

A renda da casa onde vivem agora, na Rua da Formiga, é de 230 euros por mês. Como estão ambos desempregados e não têm qualquer rendimento, não pagam há quatro meses. A dívida já vai em 920 euros. Nova ordem de despejo está a chegar. Ao mesmo tempo, é preciso saldar a dívida da casa antiga (120 euros por mês). Regina e Bruno têm três filhos. Os 100 euros por mês de abono de família servem para pagar a água e a electricidade. Não sobra nada para a renda, alimentação, vestuário, transportes, médicos.

Regina e Bruno estão habituados a fazer opções duras. Há dois anos, um dos filhos adoeceu gravemente, teve de ser operado ao intestino. Foi nessa altura que, para comprar os medicamentos, deixaram de pagar renda e foram despejados.

Outro filho, ao fazer seis anos, teve de ingressar na escola do Centro Juvenil de Campanhã e pagar refeições. Os pais não conseguiram pagar as mensalidades, a dívida cresceu até aos 250 euros e a criança está proibida de se matricular neste ano lectivo. No ano passado, já tinha sido impedida de entrar no refeitório.

Neste momento, o medo de Regina e Bruno é que, devido às várias mudanças de casa e à falta de dinheiro para os bens essenciais, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) lhes venha retirar os filhos.

Regina Oliveira da Silva já teve um emprego como promotora. Quando engravidou, despediram-na. Trabalhou à hora, nas limpezas. Foi dispensada. Bruno Miguel Sousa teve um part-time numa pizzaria. Deixou de comparecer quando sofreu um acidente num pé. Anda agora de muletas e precisa de tratamentos regulares no hospital, mas não tem dinheiro para os transportes. Vai de autocarro sem pagar bilhete. As multas acumulam-se e em breve transformar-se-ão em processos judiciais, sem atenuantes, porque Bruno tem antecedentes.

Regina é uma boa influência. Desde que estão juntos, ele mantém-se afastado da criminalidade. E está determinado a assim continuar, embora o apelo seja quase irresistível. Muitos amigos que roubam ou traficam drogas conduzem carros de luxo. Seria fácil, mas Bruno, corpo tatuado e olhar desafiador, resiste. "Essa vida não me interessa mais", diz, fixando Regina. Nos filmes, seria uma história de amor. Nicolas Cage e Laura Dern num motel de Cape Fear (Wild at Heart).

José António Pinto, 48 anos, o assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã, tenta ajudar. Pediu uma casa camarária para a família, telefonou ao senhorio do actual apartamento, e face à recusa da Segurança Social em perdoar o castigo do RSI, solicitou à junta de freguesia um subsídio de 150 euros mensais para auxílio nas despesas. Até agora, nada. Regina, Bruno e os filhos ainda não passam fome porque a mãe de Regina, que é cozinheira num restaurante, traz-lhes sempre que pode as sobras da cozinha.

Regina e Bruno preenchem todos os requisitos para beneficiar de apoios sociais - estão desempregados, não auferem rendimentos, têm filhos a cargo, não conseguem pagar renda, têm dívidas. A sua situação é de emergência absoluta, no entanto não estão a ter apoio nenhum. Porquê?

Durante dois anos, receberam RSI. Mas, desde que o Governo publicou o decreto 133/2012, as regras mudaram. Os beneficiários têm agora de renovar o seu pedido para o RSI todos os anos, voltando a fazer prova da sua situação. Os que já usufruíam antes de Junho de 2012 recebem em casa uma convocatória, para uma reunião. Os mais recentes não são convocados, mas têm de comparecer, para fazer a renovação. Grande parte das pessoas em situação de necessidade não tem informação suficiente sobre as leis e falta à reunião. Por esse facto é penalizada em dois anos sem receber nada. E nenhuma justificação serve para revogar a decisão.

Além destes casos, em muitos outros, o rendimento é cortado sem que o beneficiário perceba porquê. Os técnicos de acompanhamento da Segurança Social têm dois meses para elaborar um plano de inserção, antes de o processo caducar. Mas há muitos processos e poucos técnicos, estes nem sempre conseguem cumprir os prazos. Quando isso acontece, o sistema informático cancela o apoio automaticamente. De repente, o carteiro que costuma trazer o cheque a determinada família diz que não tem nada para ela. As pessoas tentam saber o motivo, mas ninguém explica. Alguns carteiros já têm medo de ir aos bairros, prevendo a reacção dos moradores.

Por estas razões, ou por erros dos utentes a preencher os documentos (muitos, difíceis de obter e caros), ou dos próprios serviços (o que não é raro), mais de 20 mil pessoas deixaram este ano de receber o rendimento de inserção. Desde 2010, foram quase 135 mil a perder o direito a este apoio. E os que ainda o recebem, cerca de 270 mil, são obrigados a descontar tudo o que ganham em biscates ou outros rendimentos. O próprio montante máximo baixou para 178,15 euros.

O Estado quer reduzir drasticamente o dinheiro gasto nos apoios sociais e consegue-o com uma alteração de regras que afecta os mais fracos e vulneráveis.

Casa nova: só para quem vive numa ruína
Na Rua da Aldeia, estão todos à porta porque não há que fazer. É uma "ilha", um desses pátios interiores com casas pobres e casas de banho comuns, que ainda abundam no Porto. Francisco José vive com a família numa dessas casas. Paga 160 euros de renda. A sua pensão de reforma por invalidez é de 260 euros.

"Se não é a minha mãe a ajudar-me, passamos fome", diz José. Mas a mulher, Sara, admite que a maior parte do que comem vem do infantário do filho, de quatro anos. A propina do infantário é o único apoio que tiveram, há que aproveitar.

Há 17 anos, José levou uma facada numa rixa, e nunca mais pôde trabalhar. Entrou com os amigos numa casa em obras, quando chegou o segurança, com uma faca. "Bjiu, bjiu, bjiu", assobia José, imitando o som da faca a rasgar-lhe o tórax, o abdómen, as costas. As enormes cicatrizes não o deixam mentir. "Levaram-me para o hospital, tive logo ali dois ataques cardíacos." Alguns órgãos foram extraídos, outros danificados, transformando José no fantasma do homem que um dia trabalhou a carregar mercadorias em camiões.

Hoje, aos 30 anos, é uma figura descarnada e pálida, sem forças. A mulher, Sara, de 21 anos, também não consegue emprego. Foi a entrevistas, mas nunca a aceitam por causa, acha ela, do seu aspecto: faltam-lhe dois dentes incisivos do maxilar superior.

Para receber o RSI, teve de submeter-se ao plano de reinserção traçado pela assistente social, que incluía, como sempre, a frequência de um curso. Durante dois anos e meio, Sara foi obrigada a ouvir, todos os dias, aulas de Práticas Administrativas. "Perdia o subsídio se abandonasse o curso. Tinha de estar ali sentada."

Não aprendeu nada, não percebeu nada do que foi dito, perdeu a oportunidade de encontrar algum biscate. "Ainda tinha de pagar o passe. E, no fim, nem me mandaram o diploma." O curso não podia estar mais distante da sua realidade. Foi totalmente inútil. Dois anos e meio de humilhação.

O que seria útil, pensa Sara, era arranjar os dentes. Mas não tem dinheiro para isso, nem a ajuda de ninguém. Mais urgente ainda era comprar uns óculos para o filho. Segundo o médico, a falta de visão estava a originar complicações cognitivas.

José António Pinto, o assistente social, tentou resolver isto por todas as formas. Não conseguindo apoio de nenhuma instituição, recorreu a uma rubrica de solidariedade do Jornal de Notícias, Todo o Homem É Meu Irmão. Ao publicitar o caso, conseguiu o donativo de um oculista do Porto.

Mas a criança também sofre de bronquite, e a casa da "ilha" tem só um quarto e as paredes podres, humidade por todo o lado. José António Pinto pediu à câmara uma habitação para a família. Um técnico veio vistoriar e deu parecer positivo: a casa não tem condições mínimas.

Na data marcada, Francisco José Martinho dos Santos e Sara Raquel da Costa Lopes compareceram na empresa municipal encarregada do apoio à habitação, a Domus Social, para levantar a chave. Mas houve um engano. Uma troca de moradas, uma pequena confusão, e a casa não estava disponível. Por causa disso perderam a vez e não se sabe quando terão o apartamento.

"Eu chorei lá dentro." Grande plano de José, com aquele ar patético e rechaçado de Steve Buscemi num filme dos irmãos Coen. "Apetecia-me..."

"Íamos buscar a nossa chavinha, estávamos tão felizes", diz Sara, a chorar, com a mão à frente da boca como Brigitte Bardot costumava fazer quando sorria.

As novas regras da empresa municipal para oferecer habitação social seguem os mesmos princípios do RSI: poupar dinheiro à custa dos mais pobres. Alguns bairros foram demolidos, não há construção social, cada vez há menos casas para atribuir e mais famílias a precisar. A primeira ideia da câmara foi suspender os pedidos. Depois reconsiderou, porque a Constituição garante o direito à habitação. Optou-se então por criar dificuldades cada vez maiores. A documentação exigida é burocrática e cara (só um atestado de invalidez custa cerca de 50 euros)e, uma vez feito o pedido, é necessário renová-lo de seis em seis meses, com nova exigência de documentos. Se isto não for feito, o utente incorre numa penalização de cinco anos sem poder pedir casa.

Para além disto, os critérios mudaram. Não importa que se seja pobre ou doente, ou a viver na rua.

Só há um bom motivo para se pedir uma casa social: viver num barraco em perigo iminente de ruína. Para isto ser provado, o candidato tem de solicitar uma vistoria, que demora em média seis meses a ser realizada. Se o inspector considerar que as paredes e o tecto estão em risco de cair, então há uma hipótese. Mas mesmo nesses casos tem vigorado uma nova prática: o inspector manda construir reforços em ferro, para segurar as estruturas. Se já nem uma viga de aço as consegue aguentar, então sim, há a possibilidade de uma casa nova. Mas atenção: só quando se trata de uma família. Pessoas sozinhas vão para um lar.

Melhorar o buraco
"Para um lar, eu? Não! Lar, não! Eu tenho duas mãos!" Grande plano de Álvaro, furioso, na sua casa da "ilha" de Campanhã. Como vive sozinho, nunca terá direito a uma casa camarária, explica-lhe o assistente social. O melhor é ficar ali e tentar melhorar aquele buraco. "Sr. Álvaro, tem de tratar de si próprio. Esta casa precisa de uma limpeza. E o senhor onde toma banho? Este cheiro..."

"É muito activo, não é?", admite Álvaro.

"É realmente muito activo."

Álvaro vive num único compartimento, sem janelas. As paredes estão imundas, ulceradas pelo bolor, e não há mais mobília para além de um colchão negro, cheio de manchas, podre, sobre um tapete velho. A um canto, um monte de roupa suja.

Álvaro usa um pólo azul, calças rotas e um boné que diz "Avançar Portugal". Já recebeu RSI. Para isso teve de fazer um curso designado, diz ele, "de auto-estima", para tratar de idosos. Não aprendeu nada e não vê como pode vir a dar utilidade às lições. "Quando acabei o curso, fiquei na miséria", diz ele.

No dia em que foi chamado para renovar o subsídio, tinha bebido em demasia. Não apareceu e nem percebeu por que razão o cheque não chegou mais. Agora não tem nada.

Álvaro Manuel Martins Lopes, 57 anos, vive num casebre miserável, sem cozinha nem casa de banho. Usa a latrina que existe num cubículo no outro extremo da "ilha", mas não tem onde tomar banho nem lavar a cara. Precisa de uma casa de banho, um arranjo no barraco e alguma comida.

"Esta casinha, arranjadinha... hã?", diz o assistente social.

"Não há nada como uma casinha de banho", diz Álvaro.

Com a ajuda de José António Pinto, escreveu, em Junho, uma carta pedindo apoio à Segurança Social. Nem lhe responderam. Nunca mandaram ninguém verificar as suas condições de vida.

Álvaro já trabalhou, na construção civil, mas foi despedido há anos. Já foi casado, já dormiu numa cama, "mas partiu-se". E teve uma paixão.

Conheceu uma prostituta de estrada, doente de sida, desenvolveu uma amizade e, a certa altura, trouxe Lúcia para casa. Os vizinhos da "ilha" não gostaram, queriam expulsar os dois. Álvaro protestava: "Na minha casa, mando eu!" De Niro e Jodie Foster num tugúrio de Nova Iorque, sozinhos contra o mundo.

Foi necessário, a José António Pinto, todo um trabalho de mentalização. "O sr. Álvaro apaixonou-se", explicou ele. "Tem direito a viver com uma mulher na sua casa, são um casal como qualquer outro."

Mas para aplacar a fúria dos moradores escandalizados, teve de pedir a Lúcia que não levasse para ali homens. Podia prostituir-se na estrada, mas ali seria uma dona de casa exemplar. Ela cumpriu e acabou por ser aceite. Viveu oito anos com Álvaro.

Há um ano, morreu. Com o desgosto, Álvaro deixou-se degradar. Descurou a higiene, começou a beber mais. Percebe-se o sofrimento imenso no seu olhar endurecido, impregnado de uma revolta que interpela e questiona. E também que a sua forma de desagravo tenha sido um esquecer-se de si próprio, uma alheada serenidade.

Nesta nova fase da vida, Álvaro arranjou um emprego, que o mantém ocupado, embora sem salário: é pastor. Todas as manhãs leva um rebanho de 60 cabras e ovelhas a pastar num descampado ali perto, junto ao Rio Tinto, em S. Pedro de Campanhã. Como pagamento, o dono do gado dá-lhe almoço, a ele e ao outro pastor, o Tó Zé, de 34 anos, que vive por ali, numa vacaria abandonada.

Tó Zé trabalhou como "trolha de segunda" até ter tido um acidente que lhe fracturou as pernas e várias costelas. Nunca mais ganhou dinheiro. Como é jovem e tem necessidades, o patrão dá-lhe, ao domingo, 25 euros para se ir divertir.

José António Pinto observa os dois amigos, de botas rotas e cajados, num campo de erva no centro do Porto. Pergunta a Tó Zé: "Porque não recebes RSI?"

"Já me falaram disso, mas não sei como se faz."

"Eu ajudo-te. Vamos meter os papéis. Não gostavas de receber 180 euros por mês?

"Então, era bem bom."

Como não apreciava futebol, os amigos começaram a chamar-lhe Chalana. Esta é a explicação que José António Pinto, técnico assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã, dá para a sua própria alcunha.

Chalana é famoso em todo o mundo pobre de Campanhã. Tem um posto de atendimento no bairro do Lagarteiro e uma fila de gente à sua espera todos os dias à porta da junta. Empenha-se pessoalmente na resolução de cada caso, quase sempre contra as regras e as instituições. Empresta dinheiro do seu bolso, transporta os utentes no seu Peugeot 205 com 227 mil quilómetros percorridos como "bombeiro" dos pobres, criou uma banda com os detidos nas prisões, chamada Música à Frente das Grades.

Na sua secretária, tem o diário pessoal onde escreve coisas como "hoje salvei uma menina", um dossier para cada pessoa em necessidade, fotografias delas na parede e a frase de Sartre: "Detesto vítimas que têm respeito pelos seus carrascos."

Chalana é um homem que nasceu para nos lembrar que somos homens. Para ele, todos os métodos são válidos para ajudar um pobre. Algumas estratégias são pouco convencionais.

O rapaz que segura a família
No caso da família Lencastre, Chalana foi até às últimas instâncias. "Se esta família for despejada, demito-me. Não estarei a fazer nada nas minhas funções."

Maria da Conceição Pereira Fernandes Lencastre, 48 anos, e Alberto Manuel da Conceição Lencastre, 44, vivem no bairro do Lagarteiro, têm cinco filhos, dois dos quais deficientes profundos, estão desempregados, cheios de dívidas, na iminência de sofrer uma ordem de despejo e de ver a família desmantelada, dispersa por instituições.

Conceição nasceu na Ribeira, Alberto em Baguim do Monte. Casaram há 23 anos, foram viver para o bairro S. João de Deus. Quando este foi demolido, deram-lhes a escolher entre o Aleixo, Aldoar e Lagarteiro. A casa neste último apresentava melhores condições de acesso para o filho mais velho, Bruno, de 22 anos, cuja paralisia cerebral o mantém preso a uma cadeira de rodas. Mas receavam pela sorte de outra filha, que tem Trissomia 21 e poderia sofrer abusos na rua.

Alberto chegou a trabalhar como lavador de vidros e ajudante de trolha, e Conceição como vendedora de gelados, mas nenhum dos elementos do casal teve alguma vez um emprego estável. É notória e medicamente confirmada a sua incapacidade para assumir responsabilidades, para gerir recursos ou tomar decisões. Deixaram de pagar a renda à empresa municipal, acumulando 3800 euros de dívida. Devem também dinheiro na mercearia, deixaram de pagar as contas da água e electricidade, que foram cortadas.

Conceição deixa-se facilmente enganar pelos comerciantes do bairro, Alberto é alcoólico e autor confirmado de violência doméstica sobre a mulher. Há meses, em consequência de queixas de vizinhos e da escola, uma equipa da Segurança Social, acompanhada pela polícia, chegou a casa dos Lencastre às 8 horas da manhã para lhe tirar os filhos mais novos, alegando carências alimentares, de higiene e de cuidados básicos. As duas raparigas, de 14 e 17 anos, e o rapaz, de 16, foram levados para instituições separadas. Não foi dito à família para onde iam e quando os poderiam visitar.

Bruno foi também indicado para uma instituição, mas recusou-se. Grande plano de Bruno. "Eles traziam um papel dizendo que sou deficiente mental, mas eu não sou. Sou deficiente motor apenas." Na confusão e no drama daquela manhã, Bruno, para surpresa de todos, pôs-se a argumentar com os técnicos e os polícias.

"Digam-me: quando é que vou ver as minhas irmãs?", perguntou ele, com o olhar imperturbável de Dustin Hoffman, em Rain Man, na previsão de que, com os seus problemas de locomoção, dificilmente poderia deslocar-se às instituições de acolhimento. E quando lhe falaram no seu próprio internamento, explicou que estava melhor em casa e que, se fosse para uma instituição, não conseguiria mais visitar a família.

Chalana acha que foi a demonstração de inteligência de Bruno que impediu a situação de descambar. "Este menino é que está a segurar a família toda." A câmara aceitou o pedido para adiar a ordem de despejo, quando Chalana se comprometeu a conseguir o dinheiro para pagar a dívida. Mas a Segurança Social recusou o pedido de auxílio económico. Propôs que deixassem o apartamento, para arrendarem outro numa "ilha", cujo primeiro mês de renda ajudariam a pagar. Mas as casas disponíveis nas "ilhas" não têm casa de banho interior, essencial para o Bruno.

A “cultura da pobreza”
A situação está num impasse e Chalana partiu para a luta. Tentou sensibilizar os candidatos às eleições autárquicas. Escreveu ao provedor de Justiça. Enviou uma carta ao secretário de Estado da Segurança Social, Marco António Costa. Por fim, contactou o presidente da Comissão Parlamentar de Segurança Social e Trabalho, da Assembleia da República, José Canavarro. O provedor respondeu prontamente, remetendo-o para a Segurança Social. Dos outros, nem uma reacção, desde Junho.

Chalana é um homem numa guerra permanente. Não representa o sistema: usa-o, mas é o seu principal inimigo. "Não há complacência. Ao mínimo erro, as pessoas são excluídas, punidas. Os assistentes sociais têm um poder excessivo, que usam para tramar as pessoas. São de uma exigência, rigor, dureza e agressividade para com os pobres, como mais nenhum serviço tem em Portugal."

O que se esperaria do sistema é que ajudasse as pessoas a romper o círculo da pobreza e da exclusão. Mas Chalana vê que não há saída para as novas gerações. "Não há mobilidade social ascendente. A segunda geração não tem oportunidades. Não têm empregos nem escolaridade. Quem é que dá trabalho a um habitante do Lagarteiro? Já estão no mesmo caminho dos pais. Todos os miúdos que conheci quando aqui comecei a trabalhar já estão a traficar droga ou a arrumar carros."

É cruel a "cultura da pobreza". Em vez de se unirem, "os pobres estão sempre uns contra os outros". E atacam os que os ajudam. Chalana recorda o caso de uma mulher a quem ele conseguiu que um oculista fabricasse gratuitamente as lentes de que o filho necessitava. Quando os óculos chegaram a casa, pelo correio, a mulher verificou que as lentes eram novas, mas a armação era a antiga. Ficou furibunda. "Aquele porco!", gritou. "Pensa que por eu ter estado presa e viver no Lagarteiro pode cuspir na minha cara?" Não satisfeita, a mulher foi a outro oculista comprar a armação e mandou pôr na conta do Chalana.

"Quando estas coisas acontecem, penso: Chalana, vai estudar." E põe-se a ler livros de filósofos e sociólogos. "Os óculos novos eram muito importantes para ela, que não tem mais nada. Para poder mostrar. Toda a gente gosta de ter poder. De ser reconhecido na escala social. Perdoei-lhe."

Da mesma forma, não é fácil entender como é que alguém que não tem dinheiro para alimentar os filhos e pede ajuda social não deixa de pagar 70 euros por mês para ter serviço MEO. Ou que se recusem a ir comer às cantinas sociais. "As pessoas têm vergonha de ir a essas cantinas. Acham que lá só estão os drogados, os incapazes, os falhados. E querem demarcar-se deles, para sentir que ainda têm uma hipótese."

Chalana percebe que a opinião pública não seja solidária, mas não os intelectuais. "Demitiram-se. Não há ninguém, respeitado, com credibilidade, com autoridade, que venha dizer: isto já chega! Mais não! Os pobres estão completamente abandonados à sua sorte."

José Vilela está sentado numa cadeira de rodas, na sala do seu pequeno apartamento da Rua do Lagarteiro. Tem uma expressão serena no rosto largo e macilento, e o cabelo cuidadosamente penteado, uma T-shirt vermelha e os pés descalços. Dá um ar de Michael Douglas, em miniatura. O corpo está imóvel, mas os olhos não param. Percorrem a sala, confirmando que tudo permanece no lugar: o quadro a óleo, na parede, representando o Porto à noite, um retrato dele próprio, pintado pelo seu mestre, a máquina, equipada com duas enormes botijas de oxigénio, que lhe permite respirar.

José Vilela tem 73 anos, uma doença grave, uma pensão de reforma de 400 euros, uma renda de casa de 375. Sobram-lhe 25 euros por mês para todas as despesas. Há pouco, chegou uma conta de electricidade de 312,69 euros. Não pagou, porque não tinha dinheiro, mas isso quase lhe custou a vida.

A solidão de Vilela seria absoluta se não fosse Pureza. É uma antiga namorada, uma viúva ainda hoje de grandes encantos, que vem quase todos os dias lavá-lo, dar-lhe comida, limpar-lhe a casa.

De resto, Vilela não tem ninguém. Existe uma filha, mas não ajuda, diz ele. E um número indeterminado de filhos, de mães variadas, que não mantêm qualquer relacionamento com o pai. "São vadios" é a definição que Vilela considera apropriada. E que não o embaraça, porque é a marca de um estilo de vida, a aura indelével de marialva que será nele a última a morrer. Sedutor e artista, é isso que ele é. Mesmo que mal consiga respirar.

Como um actor de Bollywood
José Ruas Vilela não teve aquilo a que se chama uma vida exemplar. Nasceu na freguesia da Sé, viveu a infância na Rua da Bainharia, uma das mais pobres da cidade. Fez a 3.ª classe "por favor", diz. O pai, tal como ele, "teve muitos filhos, de muitas mulheres". Uma família enorme, ou seja, ninguém. José Vilela teve um emprego: sapateiro. Diz ele. Do outro lado do sofá, Pureza gesticula que não. "Nunca trabalhou", sussurra. "Sempre viveu das mulheres."

Chalana confirma que, quando foi preciso pedir um atestado de residência para Vilela, surgiram sete endereços diferentes. "Ele dava as moradas das mulheres." Vivia com várias e com nenhuma. Como amigos, tinha os ciganos. Esses, ainda hoje o visitam, vêm sempre perguntar se está melhor.

Numa fotografia pendurada na parede surge Vilela, com pouco menos de 50 anos. Um homem alto e moreno, bonito, de olhos coruscantes como um actor de Bollywood. A seu lado está Mendes da Silva, o seu mestre de pintura. Foi quando o conheceu, aos 48 anos, que mudou de vida.

Aprendeu a pintar e dedicou-se às paisagens nocturnas. Ele, que nunca fizera nada de útil, acabou reconhecido pela comunidade artística. Vai agora buscar os álbuns, os recortes: exposições e prémios em Espanha, em França, no Brasil. Artigos no Comércio do Porto, na Voz de Gaia. Foi convidado para expor no Japão, pouco antes de adoecer. Já não aceitou.

A doença respiratória era irreversível. O atelier, numa das divisões da casa, está agora abandonado, os quadros inacabados. Vilela não pode levantar-se, mal consegue falar. Após o esforço de algumas frases, precisa de uns minutos para recuperar, em silêncio, ofegante e aflito.

Em Dezembro foi internado. Os médicos deram-lhe dias de vida, mas esteve um mês no hospital e regressou a casa. Foi nessa altura que chegou a conta da EDP. Tinham lá ido na sua ausência e fizeram uma estimativa. "Eu não gastei electricidade naquele mês, estive no hospital." Vilela não pagou, e veio o aviso: a electricidade seria cortada.

Nos momentos de aflição, Chalana é chamado. Viu que a situação era grave e escreveu uma carta à EDP. "Neste momento, o utente permanece em casa sob vigilância médica com máquinas ligadas à electricidade que lhe garantem a oxigenação e a administração do soro. Se o fornecimento de electricidade a esta casa for interrompido, as máquinas desligam e o idoso morre. Face ao exposto, venho por este meio solicitar a V. Exa. autorização superior para celebrar um plano de suaves prestações mensais de 20 euros."

Chalana enviou várias cartas com este pedido, acompanhadas por um atestado do hospital, sem obter resposta. Ouviu-a por fim, quando se dirigiu pessoalmente às instalações da EDP: "Isto é uma empresa que vende energia. Quem consumir tem de pagar. Se não pagar, cortamos o fornecimento."

À Segurança Social, Chalana pediu apoio para o pagamento da renda. Conseguiu um subsídio de 70 euros, apenas durante dois meses. À Câmara Municipal pediu uma casa, num bairro social. Disse que seriam necessários dois quartos, a pensar no atelier. "É isso que o mantém vivo, a arte." A câmara não disponibilizou casa nenhuma.

"Ele levava-me a bailes, a casas de fado, coisas que o meu marido nunca me proporcionou", diz Pureza. "Foi maravilhoso. Chamava-me "freirinha". Mas não era nada meigo. Só o era naqueles momentos. Depois mentia, magoava-me muito. Ele batia nas mulheres, mas elas voltavam sempre. Ao princípio vivia aqui com outra, e não me dizia nada. Estes homens da noite vivem muito da mentira."

No outro lado da sala, em surdina, Vilela também está cheio de vontade de se queixar. "Esta deu-me água pela barba", diz, esticando o queixo para Pureza. "Ela é boa é para dar ao gato. Mas agora vem aqui ajudar, não posso dizer nada."

Vê-se que tiveram uma relação intensa e atribulada. Parece que se odeiam. Mas porque continua ela a vir aqui? "Por pena", responde. "Ele não tem mais ninguém." Pureza vai nos 83 anos, mas Vilela não sabe. Nunca lhe perguntou a idade. O seu interesse por ela é débil e pobre, escasso como o ar que respira. Como se o que o está a salvar fosse não a memória equívoca daquela mulher ainda apaixonada, mas a sua própria aura de Casanova da Bainharia. Desesperadamente, ele não aceita a justiça da vida, mas é tudo a que tem direito, nem um bónus.

O país onde nasceu confina-o ao deserto de si próprio. Ele que fez tudo o que lhe era pedido. Lá, na rua onde os artesãos medievos fabricavam bainhas para punhais, Vilela cumpriu. Foi amado pelas mulheres, respeitado pelos ciganos. Um vencedor.

Que faltou então? Onde falhou? Talvez não devesse ter pintado aqueles nocturnos. Os quadros onde transfigurou a noite rufia do Porto.

"Aquele quadro foi o último que o meu mestre pintou", diz Vilela olhando para o seu retrato. "Morreu quando o terminava." Aponta com os dedos finos e brancos para um ponto algo imperfeito do seu rosto, na tela. O ponto onde o mestre interrompeu a pintura, para morrer. "Esta é a sua última pincelada", diz Vilela, como se deter o último gesto criativo do mestre o defendesse da sua imperfeição. Nos filmes, os homens têm a vida toda para se reencontrarem.


Grande plano de Vilela, um homem inteiro, cuja vida já teria sido desligada, uma destas noites, por um qualquer funcionário da EDP, se alguém não tivesse feito uma ligação directa no contador.


Contraste entre ricos e pobres no tratamento do cancro 'é dramático'

Mais de cem médicos e cientistas de todo o mundo alertam hoje que "é dramático" o contraste entre o diagnóstico e tratamento dos doentes com cancro nos países riscos e nos países pobres.
"É mau ter cancro e é pior ter cancro se se for pobre", alertou Peter Boyle, presidente do Instituto Internacional para a Investigação da Prevenção (Lyon, França), numa comunicação ao Congresso Europeu do Cancro, que termina hoje em Amesterdão.

Na sua intervenção, o investigador apresentou as conclusões do relatório "O Estado da Oncologia 2013", que se baseia em contributos de mais de 100 cientistas médicos que descrevem o estado daquele ramo da medicina em mais de 50 países.

Segundo Boyle, a conclusão é que "a diferença entre ricos e pobres, pessoas com mais ou menos instrução e entre o norte e o sul do planeta é substancial e continua a aumentar".

"Embora o progresso na oncologia tenha sido assinalável nas últimas décadas, e embora o futuro pareça encorajador, nem todos os doentes com cancro beneficiam dos avanços que têm sido alcançados no tratamento da doença. O contraste no diagnóstico, tratamento e resultado entre países de altos e baixos rendimentos é dramático", alertou o também director do Instituto de Saúde Pública Global da Universidade de Strathclyde (Glasgow, Reino Unido).

Esta situação é particularmente grave numa altura em que as Nações Unidas estimam que a população mundial atinja os 9,6 mil milhões em 2050.

"Estes aumentos demográficos, juntamente com aumento do risco de cancro devido à adopção de estilos de vida ocidentais vão levar a um aumento do número de cancros diagnosticados" em países como a Índia, a China, a Nigéria, a Indonésia, o Paquistão, o Bangladesh ou o Vietname, disse Boyle.

"Muitas partes do mundo já são incapazes de lidar com a situação actual e estão completamente impreparadas para o aumento do problema do cancro", acrescentou.

O investigador alertou que são "urgentemente necessárias soluções radicais", sublinhando que "nenhuma fonte de filantropia tem por si só os meios para resolver este problema, pelo que são precisos novos modelos".

Para o especialista, a solução passa por um aumento das parcerias público-privadas, envolvendo fontes de áreas diferentes para fazer o progresso necessário o mais depressa possível.

Esta parceria, alertou, precisa do compromisso da indústria farmacêutica e das indústrias envolvidas nas tecnologias de diagnóstico e tratamento, assim como de governos e organizações não-governamentais.

"A situação descrita no relatório 'Estado da Oncologia 2013' é dramática e urgente, e todas as partes devem pôr de lado quaisquer desconfianças e desenvolver uma colaboração efectiva para melhorar este aspecto-chave da saúde pública em todo o mundo", disse.


Lusa/SOL

Processos penais contra os cinco deputados neonazis gregos detidosAurora Dourada. Seis deputados neonazis vão ser ouvidos pela justiça. Golden Dawn MP Christos Pappas surrenders to Greek police.Governo grego assegura estabilidade face a detenções do Aurora Dourada. Cronologia dos acontecimentos em baixo.




Processos penais contra os cinco deputados neonazis gregos detidos

In Sol online

Processos penais foram hoje iniciados contra o dirigente do partido neonazi grego Aurora Dourada e os outros quatro deputados desta formação política hoje detidos, que continuam detidos até serem presentes a um juiz, indicou fonte judicial.
Os processos foram abertos pelo procurador do ministério público pelas acusações de "participação numa organização criminosa" e "liderança" dessa organização, no caso de Nikos Michaloliakos, fundador e líder da Aurora Dourada.

A mesma acusação estende-se igualmente a 15 outros membros do partido hoje detidos no âmbito de uma vasta operação policial.

A apresentação dos detidos aos dois juízes de instrução designados para acompanhar este caso deverá ocorrer nos próximos cinco dias, segundo a mesma fonte judicial.

Caberá aos juízes pronunciarem-se sobre a eventual acusação formal dos deputados e membros da Aurora Dourada.

Até serem presentes em tribunal, os cinco deputados permanecerão detidos.

A acusação de posse ilegal de armas foi igualmente feita contra vários dos elementos do partido extremista que foram alvo de buscas nas respectivas residências durante o dia de hoje, entre os quais o dirigente da Aurora Dourada.

A imagem de Nikos Michaloliakos, de 56 anos, saindo algemado da esquadra da polícia grega em Atenas para ser transferido, ao início da tarde, para o tribunal foi mostrada repetidamente nas estações de televisão do país.

Segundo uma fonte judicial, a investigação iniciada há uma semana pelo Supremo Tribunal grego levou à recolha de provas que permitem classificar o partido Aurora Dourada como "uma organização criminosa".

O Supremo Tribunal foi encarregado de investigar o assassínio, há 10 dias, de um músico antifascista esfaqueado na periferia de Atenas por um membro da Aurora Dourada, que confessou os factos.

Este homicídio revoltou a Grécia e provocou no Governo, há muito acusado de complacência em relação aos neonazis, um assomo de combatividade contra os membros desse partido suspeitos de numerosas atrocidades, nomeadamente contra estrangeiros, e que entrou no parlamento em Junho de 2012, depois de ter conseguido eleger 18 deputados.


Lusa/SOL

Aurora Dourada. Seis deputados neonazis vão ser ouvidos pela justiça

Por Diogo Pombo
publicado em 30 Set 2013 in (jornal) i online

Membros do partido neonazi vão amanhã ou na quarta-feira a tribunal na sequência da investigação à morte de um cantor antifascista
Quando ontem chegava de táxi à porta da esquadra da polícia grega, em Atenas, Christos Papas gritou repetidamente "a Aurora Dourada vai sobreviver". Em dois dias, foi o quinto deputado do partido neonazi a ser detido pelas autoridades, além de Nikos Michaloliakos, fundador e líder da Aurora Dourada. O diário grego "Kathimerini" adiantou que os seis deputados devem comparecer amanhã ou na quarta-feira em tribunal, acusados, entre outros, de crimes de assassínio, extorsão, lavagem de dinheiro e de pertencerem a um grupo criminoso mascarado de organização política.

Pelo menos 22 membros do partido ultranacionalista foram já detidos na sequência de uma investigação do Supremo Tribunal helénico à morte de Pavlos Fyssas - um rapper grego antifascista de 34 anos, que a 18 de Setembro foi esfaqueado no Pireu por um confesso apoiante da Aurora Dourada. O suspeito, já detido pela polícia, é acusado de homicídio voluntário e posse ilegal de arma.

Nos dez dias seguintes, segundo o "The Guardian", as autoridades realizaram buscas em várias sedes do partido e residências dos seus membros, tendo até detido alguns elementos da polícia, suspeitos de terem ligações à Aurora Dourada, para evitar que alertassem os alvos das buscas. O diário grego "Ta Nea" revelou que pelo menos 20 agentes da polícia foram suspensos das suas funções. No sábado, após ser detido, Nikos Michaloliakos, líder do partido, avisou que "a campanha" contra a Aurora Dourada "vai abrir as portas do inferno".

O ministro grego da Ordem Pública sublinhou que a operação vai continuar. "Quero assegurar aos cidadãos gregos que a investigação não vai ficar por aqui", garantiu Nikos Dendias à Reuters. As críticas ao caso vieram aliás de várias vozes do governo. Citado pela CNN, o ministro das Finanças, Evangelos Venizelos, disse que a Aurora Dourada "deve ser tratada como uma organização criminosa" e Charlambos Athanisiou, tutelar da Justiça, prometeu que "todos os detidos vão ser julgados com justiça".

Antes das detenções, na sexta-feira, a Aurora Dourada ameaçou retirar do parlamento os 18 deputados que elegeu nas legislativas de Junho de 2012, quando recolheu 7% dos votos. Algo que poderia forçar a coligação (155 assentos) de Antonis Samaras, primeiro-ministro e líder da Nova Democracia, a enfrentar eleições suplementares para preencher as vagas abertas pelos deputados da Aurora Dourada. Desde 1974, ano em que terminou a ditadura militar no país, que um deputado não era detido na Grécia.


Apesar de aguardarem julgamento, os seis deputados mantêm o seu lugar no parlamento. A lei grega estipula que os deputados apenas perdem o lugar caso sejam formalmente condenados a cumprir uma pena de prisão. A Reuters, porém, avançou que o governo já redigiu uma proposta de lei para bloquear o financiamento estatal à Aurora Dourada, caso a investigação policial prove as ligações do partido ao assassinato de Pavlos Fyssas.

Golden Dawn's Christos Pappas is escorted by masked officers to the prosecutor's office in Athens on Sunday.
Golden Dawn MP Christos Pappas surrenders to Greek police
Far-right party's parliamentary spokesman walks into police headquarters 24 hours after arrests of key members

Helena Smith in Athens

A Greek MP said to be the second in command of the far-right Golden Dawn party has surrendered after authorities arrested the organisation's leader and other key members on charges of running a criminal gang.

Christos Pappas, the party's parliamentary spokesman and unrepentant holder of many of its most hardline views, handed himself over to police more than 24 hours after an unprecedented crackdown on the neo-fascist group began.

Appearing at Athens's central police headquarters in a taxi, the politician insisted the vehemently anti-immigrant party would "survive … the political persecution" it was being subjected to.

"I present myself voluntarily. I have nothing to hide, nothing to fear," he told reporters waiting outside the building where five other Golden Dawn MPs, including Nikos Michaloliakos, its leader, were taken into custody on Saturday. "The truth will shine. Nationalism will win. We will wage a non-stop political struggle and we will survive."

Like other members who appeared in court in handcuffs hours after their arrest, Pappas faces charges of murder, money laundering, extortion and intent to commit crimes.

His surrender came as officials in Europe, human rights groups, Jewish organisations and diaspora Greeks applauded the crackdown – the first to be conducted against sitting MPs since the collapse of military rule in 1974. Golden Dawn is often seen as Europe's most violent political group and has been blamed for more than 300 attacks on immigrants in the three years since Greece plunged into economic crisis.

"We praise the Greek government for taking bold measures to bring the leaders of Golden Dawn to account for their actions and to safeguard Greece's democracy," said Anthony Kouzounis, the head of Ahepa, an association representing ethnic Greeks in the US, the world's biggest diaspora community.

"The party's extremist principles and paramilitary-like tactics perpetrated upon any individuals of a free, democratic society are alarming and are a true threat to Greece's democracy."

Emboldened by its meteoric rise in the polls, the party had begun to look abroad, establishing branches in the US, Canada and Australia in the hope that it could capitalise on the anger of diaspora Greeks over the financial meltdown.

Before this month's murder of a Greek musician by a Golden Dawn supporter spurred the government into finally taking action, the organisation was scoring as much as 15% in opinion polls – more than double its vote when it took seats in Athens on the back of economic despair for the first time in June last year.

With six deputies now in custody, pending trial, the party's executive power has been severely diminished and its parliamentary presence cut by a third. Byelections are expected to take place to replace the deputies.

As he was being hauled before the court, Michaloliakos shouted: "Golden Dawn will never die."

But without its leader, the party seems rudderless. Tellingly, only a few hundred sympathisers heeded a call for support following the arrests, gathering outside police headquarters as the politicians were brought in.

The government of prime minister Antonis Samaras has pledged that the inquiry will continue. Arrest warrants have been issued for another 11 Golden Dawn members who are still at large.
Os deputados do Aurora Dourada Yannis Lagos (à frente) e Ilias Kasidiaris (atrás) no momento da prisão
Governo grego assegura estabilidade face a detenções do Aurora Dourada
Primeiro-ministro e o seu número dois asseguram que não haverá eleições nacionais ou intercalares. Mas a Constituição prevê-as, caso se demitam os 18 deputados de extrema-direita
A prisão dos líderes do partido neonazi Aurora Dourada no fim-de-semana - a maior acção contra políticos desde a queda da junta militar em 1974 - é uma acção de consequências imprevisíveis. O primeiro-ministro, Antonis Samaras, e o seu número dois, Evangelos Venizelos, foram rápidos a descartar a hipótese de eleições intercalares ou antecipadas. Mas ninguém sabe ainda o que pode acontecer.
Se os outros 12 deputados do Aurora Dourada se demitissem em protesto contra a prisão do seu líder, Nikolaos Michaloliakos, e mais cinco deputados do partido, seria necessário levar a cabo eleições intercalares, nota o professor de Ciência Política da Universidade de Atenas Michalis Spourdalakis, numa conversa telefónica com o PÚBLICO.
Os seis deputados detidos, que só perdem o cargo se forem condenados, são acusados de pertencer a uma organização criminosa e de crimes como lavagem de dinheiro, e vão hoje ser presentes a tribunal. A acção foi desencadeada após o assassínio de um activista de esquerda, Pavlos Fyssas, por um apoiante do Aurora Dourada. Se o total de 18 deputados do partido saíssem, como dirigentes já ameaçaram fazer, alterariam a relação de forças entre o Governo (155 deputados) e a oposição no Parlamento de 300.
No entanto, Spourdalakis acrescenta que uma série de constitucionalistas ligados ao Governo têm vindo a desvalorizar esta opção, defendendo que o Parlamento poderia continuar a funcionar sem estes deputados. Conclusão: "Ninguém sabe se estes deputados se vão demitir, e também ninguém sabe se, caso o façam o Governo, respeitará a obrigação de levar a cabo eleições."
Estas não seriam do interesse do executivo Nova Democracia-Pasok, já que a coligação de esquerda radical Syriza, contra o memorando entre a Grécia e a troika e as medidas de austeridade que vêm com este acordo, está a subir nas sondagens (num inquérito da emissora Skai tinha mesmo ultrapassado o Nova Democracia como primeiro partido a nível nacional). Em caso de eleições intercalares, antecipa-se que o Syriza ganharia grande parte destes lugares, decididos num esquema de winner takes all, diz Spourdalakis.
"Justiça, estabilidade, mas não eleições", disse simplesmente Antonis Samaras (Nova Democracia, centro-direita) a um grupo de jornalistas após as detenções do líder e deputados do Aurora Dourada. O seu número dois, Evangelos Venizelos (Pasok, centro-esquerda), repetiu esta ideia e foi mais longe, dizendo mesmo que "os deputados do Aurora Dourada não se vão demitir, de modo nenhum".
"Estamos plenamente conscientes dos problemas e estamos prontos a lidar com eles no quadro da Constituição", disse ainda Venizelos. "Não nos devemos apressar, ou deixar que as acções dos neonazis ditem o que vamos fazer."
Do lado do Syriza, porém, eram pedidas eleições. "Não somos nós que estamos com pressa de governar, é a Grécia que não consegue mais aguentar os que nos estão a levar ao desastre", disse o líder do partido, Alexis Tsipras. "Querem que os deixemos em paz para assinarem o terceiro resgate que acordaram com os credores", disse ainda, citado pelo diário Kathimerini.
A resposta
Há também especulação sobre o que irá fazer o partido Aurora Dourada e os seus apoiantes.
"Este é sem dúvida um duro golpe contra o Aurora Dourada", diz Spourdalakis. "Mas não sabemos como os seus apoiantes, ou a sua ala militar, vão responder - as detenções foram no sábado, é muito cedo", nota o professor.
Há descrições de membros na sede do partido a não aceitarem ser fotografados, dizendo temer ataques da extrema-esquerda. Reagindo a um pedido de mobilização, cerca de duas centenas de apoiantes juntaram-se em frente a esquadras de polícia, com bandeiras gregas e entoando slogans nacionalistas.
O partido cresceu com a crise. De uns insignificantes 0,72% dos votos em 2009 passaram para 7% em Junho passado. Aproveitando as falhas das instituições, acompanharam idosas para levantarem a sua reforma sem medo de serem assaltadas, ou fizeram acções de distribuição de comida (na sua sede ou, depois, em espaços públicos, as distribuições de comida "para gregos").
O partido nega que seja neonazi, mas o seu símbolo faz lembrar a suástica e os seus membros fazem por vezes a saudação nazi. O Aurora Dourada diz, sim, defender a Grécia e os gregos, e, para além de fazer campanha pela expulsão dos imigrantes do país, os seus membros vinham a ser acusados de ataques cada vez mais violentos contra eles.
"O ventilador do Aurora Dourada é o memorando", comentava um membro do Syriza, Takis Pavlopoulos, ao diário britânico The Guardian. "A sua base não é ideológica" - seria estranho um partido destes num país que sofreu a brutalidade de uma ocupação nazi (1941-44). "É uma base de pessoas desesperadas."
Dito de outro modo por Spourdalakis: "É óbvio que a prisão destas pessoas foi um alívio para qualquer democrata deste país." "Mas toda a gente sabe que a luta contra um movimento destes, nazi e fascista, não pára com a prisão da sua liderança. Temos de lutar contra a pobreza, a insegurança, o declínio da democracia, todo o terreno fértil para que o movimento floresça."
E ainda que esta acção do Governo "lhe vá trazer uma recuperação provisória", argumenta, "esta não vai durar muito", já que os problemas de base continuam lá. "As maiores universidades estão a ter tremendos cortes, há hospitais a fechar... Há desenvolvimentos preocupantes a nível social."

Government shutdown: what's really going on – and who's to blame?Governo dos EUA paralisado pela primeira vez em quase 20 anos.


Government shutdown: what's really going on – and who's to blame?
Congress is ostensibly fighting over federal spending. But a fierce battle for the soul of the Republican party is also waging

Dan Roberts in Washington

What's going on?

Congress is fighting over how to authorise funding for the federal government beyond September. This used to be a fairly routine stage in the budget process, but has been hijacked by House Republicans, who are using the opportunity to make one last attempt to block Obamacare, the president's initiative to extend health insurance to those without cover.

Democrats in the Senate are refusing to pass any so-called "continuing resolution" if it weakens Obamacare, making a government shutdown increasingly likely.

What's really going on?

A battle for the soul of the Republican party is waging between conservatives with presidential ambitions or long-term ideological goals, and more moderate lawmakers who are worried about losing control of the House in the 2014 midterms.

Speaker John Boehner was initially reluctant to link Obamacare to the continuing resolution because he feared the inevitable shutdown would be blamed on Republicans and hurt their electoral chances much as it did to his predecessor Newt Gringrich after the last shutdown in the 1990s. However, an influential group of Tea Party radicals in the House has teamed up with senator Ted Cruz to force Boehner into a more confrontational strategy.

Who's to blame for this?

Boehner's weakness as leader of the House caucus is a big part of the problem. He struck a last-minute deal with vice-president Joe Biden to avert the last budget standoff, dubbed the fiscal cliff, in January, but this angered many on the right of his party, exacerbating rather than defusing the simmering tension.

He has little support from majority leader Eric Cantor, who is thought to be angling for his job, and Republican whip Kevin McCarthy, who is close to the Tea Party. Nevertheless, the majority of House Republicans were not previously thought to be so rabidly anti-government, and Boehner has failed to use their numerical advantage to further his more cautious instincts.

Other party heavyweights such as Cruz, Paul Ryan, Marco Rubio and Rand Paul are willing to let the Tea Party prevail because they need the right wing on their side to win a 2016 presidential primary. Senate majority leader Harry Reid is not without some blame either: urging President Obama against any talks at all with Republicans, who the Democrats compare to "terrorists".

Why now?

Congress has been at loggerheads over the federal budget ever since Democrats lost control of the House in 2010. As well as the fiscal cliff drama that played out over New Year, both parties narrowly averted a government shutdown in 2011 by striking a last-minute deal to cut spending.

This time, however, their differences may be harder to resolve because so much bad blood has already been spilled. Politically, Obama has little to lose from severing communications with congressional Republicans, because they are already blocking the two other things that matter to him – gun control and immigration – and is therefore even more reluctant to give up his only other big domestic achievement by delaying Obamacare.

But this lame duck status only encourages presidential hopefuls in both parties to focus more on jostling for longer-term advantage. The coincidence of this lapse in existing spending authorisation with the start of Obamacare's insurance exchanges and the forthcoming breach of government debt limits in two weeks may have led to a perfect storm.

Does it matter?

Government shutdowns have been survived before. In the 1970s they were commonplace – at least, until a legal ruling that forced non-essential workers to stay at home rather than work for IOUs. The second of Bill Clinton's standoffs with Newt Gringrich lasted 21 days over New Year 1995-6.

This time, however, the US economy is in much weaker shape, with a fragile recovery seen as vulnerable to the dip in consumer confidence that a protracted shutdown would probably bring. More worryingly, the debt ceiling breach expected on October 17 presents an incentive for diehards on both sides to keep fighting their corner as long as possible.

If a shutdown is not resolved within a week or so, the two issues are likely to be conflated into one giant standoff that threatens not just federal workers but the world economy.

How will it end?

A slightly more optimistic scenario is that Boehner succeeds in using the upcoming debt fight as a way to persuade his hardliners to let the continuing resolution pass and postpone their Obamacare fight until next month. This would only buy time, but would at least bring the shutdown to a swift conclusion.

The chances of more lasting resolution, or "grand bargain", as it optimistically became known during the fiscal cliff drama, look close to zero, with the sides where they are at present. The best hope for many Democrats is that Republicans receive so much public opprobrium that they lose the 2014 midterms or change tack to avoid that happening.


Conservative Republicans would be happy to see Obama forced to cede as much power as possible over domestic policy and are likely to carry on focusing on their core supporters, perhaps until after the 2016 primaries. And Speaker Boehner may be happy if he can strike a deal that lets him hang on to his job for another few weeks.

Governo dos EUA paralisado pela primeira vez em quase 20 anos

800 mil funcionários mandados para casa e mais de um milhão a trabalhar sem receber. Senado e maioria republicana na Câmara dos Representantes não chegaram a acordo.
A partir desta terça-feira, mais de um milhão de funcionários de serviços geridos pelo Governo dos EUA podem começar a trabalhar sem receber e outros 800.000 vão ficar em casa, numa espécie de lay-off, depois de o Senado e a maioria republicana na Câmara dos Representantes não terem chegado a acordo para a aprovação do Orçamento.
O prazo final para a aprovação era a meia-noite de segunda-feira, mas, tal como se esperava, a maioria democrata no Senado e a maioria republicana na Câmara dos Representantes não chegaram a acordo – em causa estava a exigência do Partido Republicano de fazer depender a aprovação do Orçamento da eliminação ou, pelo menos, de uma alteração profunda ao programa de saúde proposto pela Administração Obama, o Affordable Care Act, também conhecido como ObamaCare.
Com a confirmação do desentendimento no Congresso, o Presidente dos Estados Unidos anunciou o shutdown do Governo federal – o fecho ou a paralisação de muitos serviços administrados por Washington.
É a primeira vez que o Governo dos EUA se vê nesta situação desde a votação do Orçamento para 1996, durante a Presidência do também democrata Bill Clinton. Nessa altura, o Governo não pôde cumprir as suas obrigações entre 14 e 19 de Novembro de 1995 e entre 16 de Dezembro 1995 e 6 de Janeiro de 1996, num total de 28 dias. Também neste caso o principal pomo da discórdia foi o sector da saúde, com desentendimentos em relação ao sistema de saúde Medicare, mas também em relação à dotação orçamental para as políticas de ambiente e para a educação.
Na segunda-feira, poucas horas antes do fim do prazo para a aprovação do Orçamento, a maioria republicana na Câmara dos Representantes apresentou uma proposta ao Senado que, na prática, iria adiar o ObamaCare por mais um ano. Esta proposta foi rejeitada pelo Senado e o Presidente dos EUA acusou os republicanos de quererem prejudicar a economia do país "só porque há uma lei de que eles não gostam". 
Pouco depois, o Partido Republicano apresentou uma nova proposta, que evitaria a paralisia do Governo mas também poria em perigo uma parte essencial do Affordable Care Act.
Tal como era esperado, a nova proposta dos republicanos foi mais uma vez rejeitada. A líder do Partido Democrata na Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, acusou o líder da maioria republicana, John Boehner, de "duplicar e triplicar um caminho que teve sempre como objectivo levar-nos a paralisar o Governo".
O shutdown implica que apenas os serviços considerados essenciais – como a saúde, o ensino, a segurança social, as prisões, as operações militares ou controlo do espaço aéreo – continuarão a funcionar. Serviços considerados não essenciais, como parques e museus, entre outros, são obrigados a suspender as suas actividades. Mas uma parte da prestação de serviços sociais será também afectada – na segunda-feira, o Governo avançou que o Programa Especial de Nutrição para Mulheres, Bebés e Crianças será cancelado por falta de fundos.
Os funcionários do Governo federal ficam a saber se vão ser afectados pelo shutdown através de um email ou um telefonema dos seus superiores. Se receberem a notícia de que terão de ficar em casa, vão poder deslocar-se aos locais de trabalho para desempenhar tarefas como guardar os documentos ou enviar e-mails – qualquer tarefa directamente relacionada com a sua função é considerada ilegal até serem chamados novamente pelos serviços.
Dos mais de dois milhões de funcionários do Governo, 800.000 vão ficar em casa até que o impasse seja resolvido e mais de um milhão serão questionados sobre se querem continuar a trabalhar sem receber vencimento.

Serviços encerrados:
Programa Especial de Nutrição para Mulheres, Bebés e Crianças, que apoia mulheres grávidas com rendimentos abaixo do limiar da pobreza e crianças com menos de cinco anos de idade; parques nacionais; museus do Instituto Smithsonian, museu do Holocausto e muitos outros cuja entrada é grátis; Jardim Zoológico Nacional (Washington); visitas guiadas ao Capitólio para turistas.

Poderão encerrar:
Programas de apoio a veteranos de guerra; obras de construção civil pagas pelo Governo; serviço de cobrança de impostos (IRS); bibliotecas nacionais; sites na Internet de serviços governamentais.


Serviços não afectados:
Segurança Social e os serviços e programas de saúde Medicare e Medicaid; Programa de Assistência de Nutrição Suplementar, para apoio à compra de alimentos por pessoas com rendimentos baixos ou sem rendimentos; correios; escolas públicas; tribunais federais; prisões federais; aeroportos; inspecção de produtos alimentares; serviços militares; serviços de transportes da área metropolitana de Washington; serviços de registo de patentes e marcas registadas; Centro Kennedy.

Absentismo crescente ... a mais preocupante "sondagem" para a classe política ...


Autárquicas Abstenção contraria projecções e atinge os 47%
De acordo com as previsões feitas à boca das urnas pelas televisões, ontem a abstenção cairia entre 38% e 43,3%. Mas a RTP indica, hoje, que 47,36% dos portugueses não votaram.

De acordo com a SIC e com a RTP, numa projecção apresentada às 19h00 deste domingo, por altura do encerramento das urnas em Portugal Continental e na Madeira, haveria um intervalo de abstenção entre os 38% e os 43,3%.

Contudo, a RTP apresenta hoje uma percentagem de abstencionistas fixada em 47,36%, o que equivale a um total de 4.349,742 portugueses que não foram votar.

Ao mesmo tempo, 3,86% dos votos foram contabilizados como brancos e 2.95% como nulos.


Os números da abstenção do escrutínio de ontem traduzem um aumento de 6 pontos percentuais face ao de 2009, em que a percentagem de cidadãos que não foi votar se estabeleceu em 41%, segundo a Direcção Geral da Administração Interna.

Valores recorde na abstenção, votos brancos e votos nulos 

Apenas 52,6% dos eleitores se deslocaram às mesas de voto. Votos brancos atingem 3,87% e nulos 2,95%.
in Público