sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Bastou um swap para a "união nacional" ter caído no esquecimento generalizado.

Estamos a discutir o essencial?

Editorial / Público
Bastou um swap para a "união nacional" ter caído no esquecimento generalizado
A polémica sobre a demissão do ex-secretário de Estado do Tesouro, Joaquim Pais Jorge - cujo cargo passará a ser ocupado pela ministra de Estado e das Finanças -, derivou para uma troca de acusações tóxica e fútil entre PSD e PS, na qual tudo parece ser admissível. No essencial, o principal partido da maioria está a lidar mal com as consequências da demissão de Pais Jorge. O ex-secretário de Estado não foi claro nas explicações ao país e não conseguiu afastar a suspeita de que terá procurado vender créditos swap ao Governo socialista. Por isso teve que sair. Depois, antigos assessores de José Sócrates - entre os quais um conselheiro do actual líder socialista - confirmaram essa suspeita. Começou um vendaval mediático sobre reuniões que existiram ou não existiram e documentos que terão ou não sido manipulados. Pelo meio, o PSD veio acusar o anterior Governo de não ter denunciado quem quis vender aqueles produtos. Seria o apelo extensível a Pais Jorge? Entre o tom ameaçador de Marco António Costa, há dias, ou de Luís Montenegro, ontem, e a resposta igualmente histriónica do PS, os dois partidos construíram um verdadeiro e lamentável derivado tóxico do debate político sério. Sendo que é no mínimo excessivo imputar aos socialistas a responsabilidade de terem aceitado os créditos que lhes tinham sido propostos, uma vez que nunca os aprovaram... Para quê discutir um swap que nunca foi aplicado quando o importante são as consequências dos swaps que foram contratados? O ruído, como é evidente, interessa ao Governo, que precisa de afastar as atenções. Afinal de contas, bastou um swap para a "união nacional" para salvar a pátria ter caído no esquecimento e ser substituída por trocas de acusações violentas. Será a falarem neste tom que PSD e PS alguma vez construirão consensos sobre o que quer que seja?

Montenegro voltou a aludir a um "processo de intenções" movido contra o agora ex-secretário de Estado

PS e PSD digladiam-se para ver quem é mais culpado no caso dos swaps

Líder parlamentar do PSD desafiou secretário-geral do PS a dizer se concorda com a posição manifestada pelo seu actual assessor. PS condenou a tentativa "vil e soez" de envolver Seguro na polémica dos swaps
PS e PSD extremaram ontem posições e diálogos sobre o caso do swap proposto pelo Citigroup e pelo ex-secretário de Estado do Tesouro, Joaquim Pais Jorge, em 2005, ao gabinete de José Sócrates. De tal modo que os socialistas acusaram os sociais-democratas de usarem uma "táctica desprezível" de "política rasteira".
Os dois partidos digladiam-se agora sobre quem tem mais responsabilidades no assunto - ou pelo menos quem tem do seu lado o maior responsável por uma alegada ilicitude. Se quem, no Citigroup, ofereceu o produto financeiro ao Governo de José Sócrates, ou quem, no gabinete do primeiro-ministro socialista, aceitou ouvir a proposta e a reencaminhou para as Finanças. Ou seja, se Joaquim Pais Jorge tem mais responsabilidade, ou se a têm os assessores económicos do chefe do Governo socialista Vítor Escária e Óscar Gaspar.
A provocação chegou pela voz de Luís Montenegro, em directo pelas televisões, que convocou para a sede do PSD em Loulé, no Algarve. O líder parlamentar social-democrata desafiou directamente António José Seguro, questionando-o, uma vez que "reclama tantas demissões", se "é cúmplice e conivente com as posições assumidas pelo seu principal conselheiro económico hoje, à época assessor de José Sócrates".
Óscar Gaspar e Vítor Escária assumiram anteontem ter reunido várias vezes com o Citigroup e Joaquim Pais Jorge, a pedido destes, que apresentaram "propostas de swaps com impacto no défice e dívida públicos", que foram encaminhadas para conhecimento e apreciação das Finanças "sem nenhum tipo de recomendação", dizem. No final do processo, o IGCP - Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, então presidido por Franquelim Alves, acabou por recusar a proposta do Citi e outra parecida do Barclays, justificando que violariam os "princípios de gestão de dívida pública estabelecidos", defendendo, por isso, "não serem operações aconselháveis".
Numa declaração sem direito a perguntas, como tem sido apanágio do PSD desde o início da polémica "swap Pais Jorge", Montenegro praticamente exigiu que Seguro se pronunciasse sobre se concorda com o recurso a "contratos para mascarar as contas públicas", como considera ser a posição do seu actual assessor económico, Óscar Gaspar.
Montenegro voltou a aludir a um "processo de intenções" movido contra o agora ex-secretário de Estado, ignorando que Joaquim Pais Jorge também participou nos encontros na qualidade de vendedor da solução financeira que o vice-presidente do PSD, Marco António Costa, diz que serviam para "adulterar ou falsificar" as contas públicas, o que pode "configurar a prática de actos ilícitos", passíveis de responsabilização criminal.
O PS respondeu por comunicado, uma hora e dez minutos depois, acusando o PSD de, de forma "vil e soez", tentar envolver António José Seguro no processo dos swaps. "O país assistiu hoje atónito a um exemplo do que não deve ser a política. O PSD, através do seu líder parlamentar, protagonizou um lamentável momento de política rasteira e destituída de qualquer dignidade pessoal ou política", lê-se na nota. O PS diz que Óscar Gaspar já deu as devidas explicações e que Seguro nunca "participou em qualquer processo político ou desempenhou qualquer função remotamente relacionada com a negociação de swaps entre instituições financeiras e o Estado português".
O PS lembra que apoiou a constituição da comissão parlamentar de inquérito aos swaps e diz que "combaterá todas as cortinas de fumo criadas para condicionar o apuramento dos factos relevantes para a determinação de todas as responsabilidades" que seja necessário apurar. "O PSD demonstrou estar contaminado pelo desespero e pela desorientação deste Governo. Nenhuma táctica desprezível sobre todos os pontos de vista esconderá o descalabro deste Governo. Quem deve esclarecimentos ao país é o primeiro-ministro", diz o PS, sobre se mantém ou não a confiança política na sua equipa das Finanças, que "está eticamente ferida de morte".
O ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos veio ontem esclarecer que não deu o seu aval à proposta do Citi. O seu despacho e o do seu secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Carlos Costa Pina, foram, diz, apenas no sentido de "mandar analisar e avaliar a operação proposta", o que não configura "qualquer decisão de concordância" e que só com o parecer do IGCP - que foi desfavorável - poderiam tomar uma decisão fundamentada.
Cavaco aceitou demissão
Entretanto, o Presidente da República anunciou ontem ter aceite o pedido de exoneração, "a seu pedido e sob proposta do primeiro-ministro", de Joaquim Pais Jorge. Pelo menos para já, as competências do secretário de Estado do Tesouro regressam às mãos de Maria Luís Albuquerque, confirmou ao PÚBLICO o gabinete da ministra, não se sabendo se as irá delegar em alguém no futuro. Só será necessária uma tomada de posse - conferida pelo Presidente da República, que se encontra de férias no Algarve pelo menos até ao final da primeira quinzena - se houver nova delegação de competências.
O ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, afirmou ontem ser "muito importante" apurar "responsabilidades" relativamente à eventual falsificação de documentos no caso dos swaps. A comunicação social, incluindo o PÚBLICO, divulgou um documento apresentado pela equipa do Citigroup ao gabinete de Sócrates que continha um organigrama onde aparecia o nome de Joaquim Pais Jorge. As Finanças anunciaram, há dias, que se tratava de um documento manipulado e que o original - ou pelo menos o que se encontra no arquivo do Governo - não inclui qualquer organigrama.
"Parece-nos particularmente preocupante e grave - e compete às autoridades judiciais averiguar se existiu realmente, como há fortes indícios de que existiu - a falsificação de um documento". Realçando que não sabe "quem fez essa falsificação", o governante sublinhou que esta "se traduz na manipulação da comunicação social" e, a ser assim, frisou, isso "é um atentado à própria democracia".
À margem da tomada de posse do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), no Porto, o ministro defendeu a necessidade urgente "de uma reflexão sobre a cultura política em Portugal". "Por um lado, foi construída uma história, que era uma história de que o Governo anterior teria recusado e teria impedido o negócio, que era pouco ético e legal, até que agora verificamos que não é exactamente verdade, que esse Governo tinha até interesse e considerava absolutamente normais as operações em causa". com Abel Coentrão

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