sábado, 13 de julho de 2013

O Governo Sombra e o Presidente Sombra. O Pântano. O Navio Fantasma... e Portugal afasta-se cada vez mais da Irlanda.

O Governo sombra e o Presidente sombra


Para Cavaco, fragilizar os partidos abre espaço para os forçar a um acordo. E se acontecer o contrário?
Editorial/ Público
O debate do estado da nação - e o inaudito comunicado que Cavaco Silva decidiu fazer ao mesmo tempo que Governo e deputados falavam em São Bento - mostrou que os três partidos do arco da governação estão longe de alcançar o acordo exigido pelo Presidente. Uma situação que, pelos vistos, gera intranquilidade em Belém. O espectáculo dos partidos da maioria falando como se nada se tivesse passado nos últimos dias e fossem eles os verdadeiros promotores do acordo tripartido não terá agradado a Cavaco. Mas foi o Presidente quem escolheu o contexto em que pretende que decorra a negociação. Ou seja, com os partidos, sobretudo os da maioria, fragilizados e obrigados a fazer à pressa um acordo que é útil, mas que precisa de tempo para todos concertarem as suas posições. A primeira consequência desta atitude de Cavaco é não se saber que governo existe. E que governo se sentou ontem em São Bento. Um governo a prazo que diz querer continuar até ao fim da legislatura e cuja composição não era a que os dois partidos que o apoiam querem. Por outras palavras, o Governo em funções tornou-se um Governo sombra de si mesmo, uma imagem vinda do passado cujo futuro se desconhece. O PS, por seu lado, já não fala em eleições em Setembro e tem uma visão totalmente diferente da maioria sobre o que deve ser negociado com a troika. Uma negociação com esta complexidade provavelmente devia ter sido há muito objecto de uma iniciativa presidencial. Noutros termos e sem colocar na mesa eleições antecipadas. Querer um acordo e abrir ao mesmo tempo uma corrida eleitoral é abrir a porta ao insucesso. Cavaco colocou todos os partidos entre a espada e a parede: ou chegam a acordo ou pagarão o preço de terem provocado uma bancarrota. Mas está também ele a correr um sério risco. Se falhar, teremos em Portugal não só um Governo sombra, mas um Presidente sombra.


O pântano versão 2013


Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 13 Jul 2013 in (jornal) i online

A hora é de fingir negociar. É provável que os partidos do arco da governação devolvam rapidamente o problema ao PR e ao país

Já se percebeu que os três partidos que o Presidente chamou à responsabilidade (PSD, PS e CDS) disseram um sim baixinho ao seu pedido para abrirem negociações para assegurar uma estabilidade permanente em troca de eleições em 2014.
Ninguém quer ficar de fora e passar por irresponsável e portanto toca a fingir que está muito interessado em dialogar. A Presidência está no seu papel e pressiona com reuniões e comunicados, mas é lícito antever comportamentos partidários que consubstanciam manobras dilatórias.
Todos dizem querer entendimento, mas cada um visa um objectivo específico. Os líderes do PSD e do CDS (o social-democrata sem consulta às bases) querem o governo CDS/Premium que propuseram e que Cavaco nem mencionou no discurso ao país e que eles também não defenderam no debate do estado da nação (!). O PS continua a querer eleições para chegar ao governo depressa, mas um acordo lato até lhe dava jeito. Já o PCP e o Bloco não foram tidos nem achados e ficaram isolados na deles, colhendo ainda mais facilmente os frutos do descontentamento.
Quer queira quer não, o Presidente vai ter de esperar pelas conclusões das reuniões que quis (com ou sem um mediador), enquanto somos governados por um executivo moribundo, confrontado com um agravamento do olhar dos mercados, o que era exactamente a maior preocupação do Presidente. Ontem mesmo, a dívida a dez anos ultrapassou os 7,8%, mostrando que os mercados finalmente perceberam que a diligência presidencial não garante nenhuma acalmia imediata.
É portanto alta a probabilidade de o Presidente ter de passar rapidamente à fase B do seu plano. E é desejável que não sejam dados mais de oito ou dez dias aos partidos para se entenderem. A partir daí, Cavaco Silva terá de explicar a razão por que não aceitou ainda a remodelação e trocar por miúdos o que efectivamente quis dizer quando assegurou que existirão sempre soluções para a actual crise, embora não dêem as mesmas garantias de estabilidade.
Torna-se óbvio que o Presidente não pode deixar correr o tempo, sob pena de perder a mão e de acabar por ser o responsável por uma situação ainda mais pantanosa. Ao propor activamente soluções, Cavaco pode mesmo ver-se na contingência de ter de meter as mãos na massa e arranjar uma solução que seja eficaz, mas irrepreensivelmente democrática.

Vítor Gaspar, o exterminador de reformados
O último despacho de Vítor Gaspar é de uma gravidade enorme. Confortado certamente pelo facto de a sua futura pensãozinha estar dependente do fundo do Banco de Portugal, a criatura deu ordens para a Segurança Social comprar em massa dívida pública, através de um simples despacho. A medida põe em grave perigo o pagamento de prestações sociais, nomeadamente pensões, reformas e subsídios de desemprego, se houver um novo resgate. Foi um acto deliberado e feito praticamente às escondidas, que pode destruir a vida de milhões de portugueses. Gravíssimo! Só por ter lhe ocorrido uma ideia semelhante, José Sócrates foi quase crucificado.


O Navio-Fantasma

Por José Pacheco Pereira
13/07/2013 in Público

O debate de ontem ocorreu pouco mais de 48h depois da intervenção do Presidente, que mudou tudo, mas os fantasmas continuaram como se nada mudasse

Tenho usado nestes últimos dias a história do navio Holandês Voador, para falar do nosso governo "irrevogável". O Holandês Voador é o navio-fantasma que vagueia de porto em porto sem nunca poder descansar em nenhum, sem bússola que aponte o norte, povoado por um capitão e por marinheiros-fantasmas, amaldiçoados por um qualquer acto de blasfémia, e cujas velas se enfunam no sentido contrário dos ventos. É uma velha lenda de países que tinham navios e marinheiros, que sabiam bem como o mar é imponente, perigoso, aterrador, misterioso, e que faz parte daquele património simbólico que, na nossa história ocidental, retrata a maldição.
Wagner fez dessa história uma ópera sombria cheia de obscuridade e medo, em que ainda o amor puro pode ser salvífico, mas que transporta a lenda com toda a sua força para o palco e para a voz. O momento crucial da maioria das encenações, explorado dramaticamente pelos maiores cenógrafos, é quando de repente as velas vermelhas em farrapos, o casco carcomido, as cordas que não seguram nenhuma coisa, as sombras dos mortos-vivos, aparecem de repente num palco quase sem luz, em que soa a voz do desespero do capitão e a falsa esperança dos marinheiros por tocarem terra.
Como acontece com muitas destas lendas, como a do Judeu Errante que foi visto em Nova Iorque nos anos trinta, de vez em quando há marinheiros que vêem o Navio-Fantasma passar diante dos seus olhos, silencioso e aterrador, ou numa noite de calmaria, ou no meio de uma tempestade. Lembra-os de que o Mar é demasiado forte para com ele se medirem, que precisam de todos os deuses para afrontar o destino, e que há mortos que nunca têm descanso.
Usar estas lendas para falar do nosso miserável quotidiano e da nossa mesquinha actualidade é algo que me incomoda mesmo quando sejam certeiras. Apesar de tudo, o Navio-Fantasma traz atrás de si um rastro de histórias e de grande e pequena arte, de criação pura e de literatura de cordel, que é demasiado injusto gastar para falar de peripécias pequeninas, e de gente com o mesmo tamanho dessas peripécias. Mas cada um tem a maldição que lhe cabe e a nós, portugueses, calhou esta, de ver o Navio-Fantasma a passar diante dos nossos olhos e a recusar-se a voltar ao reino dos mortos, por arremedo de que os seus marinheiros têm vida. Não têm. Estão do outro lado, o que parece ser difícil é enterrá-los e não há, como na ópera de Wagner, nenhuma mulher de infinita pureza que se atire ao mar para os salvar. Onde tocam, tornam tudo impuro.
De facto, poucas coisas parecem mais irreais do que a política portuguesa destes dias. Um governo morto sobrevive como zombie, ministros demitidos e demissionários convivem uns com os outros num ambiente de fim dos tempos, procurando um porto a que nunca chegam, sombras das sombras, em que não se sabe que pasta tem cada um. À porta, outros ministros que não chegaram a ser, despediram-se de empregos e família, e agora estão numa terra de ninguém sem saber se regressam ao lar ou se entram no gabinete. Outros começaram a preparar a vida cá fora, despejaram os seus gabinetes, mandaram fotocopiar as proverbiais milhares de folhas de seguro de vida, e verificaram que as portas se recusam a abrir e, sem cabeça nem disposição, ficam condenados a uma espécie de despacho infinito de um cargo que era suposto já não terem.
O debate do "estado da nação" teve o mesmo tom irreal do Navio-Fantasma. Um governo póstumo responde às críticas ao "estado da nação" do presente com a promessa de redenção do futuro. A mesma promessa que já fora feita um ano antes, no mesmo debate, com as mesmas personagens. Há um ano, o primeiro-ministro garantira que não iria haver novo aumento de impostos, a que se seguiu o "enorme aumento de impostos". Que valem as palavras ditas por fantasmas? Nada, são um vento oco que perturba o ar.
O debate ocorreu pouco mais de 48 horas depois da intervenção do Presidente da República, que mudou tudo, mas os fantasmas continuaram como se nada mudasse. O primeiro-ministro, que se tivesse um resto de hombridade já de há muito se teria demitido, engole tudo para permanecer no poder. Acaso ele não compreendeu que há três coisas que o Presidente disse que mudaram tudo? Uma, a de que lhe parecia pouco apropriada à situação a remodelação que o PSD-CDS lhe trouxe, e por isso não a aceitou como boa. Outra, que o PS tem de ser envolvido na governação, ou nas condições de governação, dando ao PS um direito virtual de veto, que por si só também altera tudo. Já não basta andar a repetir a mantra do "consenso", como o ministro Maduro faz, partilhando da crença enraizada nestes políticos de que basta mudar as palavras para alterar a realidade. E por fim, que haverá eleições antecipadas em Julho de 2014, e que por isso as juras de fidelidade entre Passos e Portas, para governarem até 2015, desapareceram do mapa. Tudo isto que mudou altera profundamente os dados da situação, e sempre de forma punitiva contra o actual governo que habita o Navio-Fantasma.
Eu não sei como se vai sair desta situação, a não ser que valha tudo e tudo continue na mesma. Sei lá! Aí o Presidente entrará para a tripulação de um navio em que se deixou viajar depois do discurso de 25 de Abril. É verdade que nesta crise percebeu que a tripulação do Navio-Fantasma não tinha qualquer consideração por ele, e tratou-o no dia da demissão de Portas, como um grumete a quem não se informa da fuga do imediato e do naufrágio iminente. Mas não basta. As respostas que o Presidente quer dar dificilmente resolverão o principal problema que hoje atravessa o nosso sistema político, o seu bloqueamento, que não poderá já ser atalhado por medidas que podiam ter mérito se não fossem demasiado tardias. Hoje, o bloqueamento não se ultrapassa sem haver novas eleições, pode apenas adiar-se, mas com muito maiores custos do que os das eleições.
Aliás um dos crimes contra a nossa democracia é o atentismo de quem não quer eleições antecipadas e por isso não mexe uma palha para minimizar os seus efeitos. Os tempos eleitorais são longos? É verdade, mas o que é que impede de serem de imediato encurtados numa nova lei, essa sim de emergência? Já se fizerem coisas bem mais graves numa semana, por exemplo, para alterar a Constituição ao sabor dos tratados europeus.
Porém, o que acontece é que quem não quer eleições antecipadas não faz nada para lhe minimizar os custos, como não faz nada para limitar os efeitos nos "mercados", que parece acabar por desejar para incutir medo face ao funcionamento da democracia. Se o Presidente entende que é possível e até "fácil" fazer um acordo entre os três partidos, por que razão não canaliza esse acordo para garantir condições para que um governo de gestão possa tranquilizar os mercados, permitindo-lhe actuar com base num acordo tripartido, o mesmo aliás que permitiu que, numa situação de gestão idêntica, o PS pudesse assinar o acordo com a troika? Se foi possível essa assinatura, porque não é possível conduzir uma negociação que tranquilize os mercados, que hoje mais que tudo desejam entendimentos que ultrapassem o governo PS-CDS, mais até do que implementação do "ajustamento" a ferro e fogo? Isso tornaria as eleições antecipadas menos penosas em termos de instabilidade, e certamente mais "seguras" do que a actual situação.
Têm as eleições muitos riscos? Certamente que têm, mas menos do que a situação actual. Pagaremos um preço muito duro pelos anos de Sócrates e de Passos Coelho. Mas as eleições poriam todos em cima de terra, e pelo menos durante algum tempo, as possibilidades de entendimento geradas pelo desbloqueamento existiriam. O Navio-Fantasma voltaria ao Mar das Sombras, de onde permitimos que saísse e talvez, talvez, algum cuidado se tivesse com o reino dos vivos.

Portugal afasta-se da Irlanda. Juros da dívida disparam para quase 8%


Por Ana Suspiro
publicado em 13 Jul 2013 in (jornal) i online

Os mercados seguiram o debate da nação no Parlamento. Os juros dadívida voltaram aaproximar-se dos 8% e a Standard & Poors revela que Portugal está cada vez mais distante da Irlanda

O dia até começou com a Bolsa de Lisboa a subir, mas à medida que o debate da nação deixava clara a distância a que os três principais partidos ainda estão do acordo pedido pelo Presidente da República, as cotações inverteram para negativo e fecharam a perder mais de 1%. Em sentido contrário, as taxas de juro das obrigações portuguesas a dez anos dispararam ontem 100 pontos-base aproximando-se do patamar dos 8%.
A moderação da reacção inicial ao discurso de Cavaco Silva pode ser explicada por os mercados ainda estarem a tentar perceber o alcance do apelo do Presidente. Mas o PS a insistir na recusa de apoiar o governo, apesar da disponibilidade para dialogar, não desanuviou o clima de tensão política. Apesar de não serem novidade, frases como: "Temos de abandonar as políticas de austeridade. Temos de renegociar os termos do nosso programa de ajustamento", proferidas por António José Seguro, contribuíram para a inquietação dos mercados, sobretudo depois de Passos Coelho ter desafiado o líder do PS a sentar-se ao seu lado para discutir a próxima avaliação com a troika.
Os investidores começaram a dar ordens de venda, pressionados também pela aproximação do fim-de-semana que coincide com a agudização da incerteza sobre o cenário político em Portugal, explicou ao i o analista da consultora financeira IMF, Filipe Garcia. O comunicado da Presidência da República, ainda decorria o debate, em jeito de ultimato, avisando os partidos de que teriam de chegar a um acordo "num prazo muito curto", contribuiu para o nervosismo. Os investidores receiam que a ausência desse acordo possa precipitar as eleições antecipadas que Cavaco Silva tinha calendarizado para Junho de 2014.
A confirmação de que o governo português pediu, pela primeira vez desde o arranque do programa de assistência, o adiamento de uma avaliação da troika - oitava e a nona serão feitas em conjunto a partir de Setembro (ver texto do lado) - foi mais um sinal de preocupação. Mas para Filipe Garcia, o factor mais importante do dia foi a formalização da distinção entre as situações de Portugal e da Irlanda. "Neste momento, as agências de rating e a realidade mostram a descolagem de Portugal face à Irlanda." Enquanto a Standard & Poors melhorou o outlook (perspectiva) da Irlanda para positivo, abrindo caminho à subida do rating, Portugal ainda está no olho do furacão. Ontem a S&P baixou o rating do BCP, depois ter colocado a nota da dívida nacional em alerta negativo na sequência da crise política.
Mas se é verdade que as perspectivas de Portugal se degradaram em relação ao quadro de há dois meses e o país está agora "mais longe do regresso aos mercados", "não vejo que haja o risco de uma ruptura financeira do país", realça o analista.
Mas no plano internacional cresce a discussão em torno de um segundo resgate a Portugal. Seja na versão suave avançada pelo "El País", que passaria pelo reforço do papel das instituições europeias na criação de uma rede de segurança financeira pós-troika, seja na versão agressiva, "à grega", com reestruturação da dívida.

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