domingo, 14 de julho de 2013

A acelerada deslegitimação da Política na Peninsula Ibérica. Rajoy / Bárcenas. Troca de SMS revelada pelo El Mundo.

Rajoy não soube desarmadilhar a ameaça Bárcenas. Poderá pagar um preço muito alto por isso

O tesoureiro indiscreto

Editorial/ Público
A Espanha estará hoje suspensa do depoimento perante a justiça do ex-tesoureiro do Partido Popular Luís Bárcenas. Mas o escândalo da contabilidade paralela do partido já causou danos brutais ao prestígio do presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy. Os cadernos de Bárcenas mostram que o líder popular recebeu cerca de 25 mil euros em caixas de charutos, algo que este sempre negou. Mas o "não" firme de Rajoy foi abalado pelos SMS ontem divulgados pelo jornal de direita El Mundo, que provam que Rajoy continuou a contactar o tesoureiro do partido, apesar de reiteradamente ter dito o contrário. Ou seja, mentiu. Os socialistas exigem a demissão do Governo e cortaram relações com o PP. O caso atinge o Governo espanhol quando este procurava dizer ao país que o pior da crise já terá passado e preparava as eleições de 2015. E surge num momento em que o desprestígio dos dois partidos do centro em Espanha é maior do que nunca. Há dois anos, socialistas e populares somados representavam aproximadamente três quartos dos eleitores. Agora, valerão pouco mais de metade. O equilíbrio partidário que garantiu a estabilidade de Espanha desde a transição para a democracia está a ser desfeito pela crise. O escândalo Bárcenas, tal como antes o "caso Gürtell", também envolvendo o PP, trouxe à superfície um universo de corrupção e favorecimentos fatal para a credibilidade do partido. Tudo isto acentuou ainda mais a descredibilização dos políticos. Com a revelação dos documentos do ex-tesoureiro, as suspeitas chegaram ao topo do partido. Bárcenas é o homem que enfrenta a justiça e usa o que sabe para fazer chantagem sobre os políticos. É um homem-bomba e os homens-bomba têm que ser desarmadilhados com muito cuidado. Rajoy não o conseguiu fazer, porque estava, também ele, armadilhado. E a queda de Bárcenas poderá ser-lhe fatal.


Mensagens de SMS provam que Rajoy pediu silêncio a Luis Bárcenas


Por Ana Gomes Ferreira
15/07/2013 in Público

PSOE rompe relações com o Partido Popular. Alfredo Rubalcaba exige a demissão imediata do chefe do Governo, mas conservadores afastam essa possibilidade. O ex-tesoureiro é ouvido hoje pela Justiça

O Presidente do Governo espanhol, o conservador Mariano Rajoy, não se demite, disseram ontem à agência Efe fontes do Partido Popular (direita conservadora, no poder). A exigência fora feita pela oposição, ao saber-se que tinha pedido ao antigo tesoureiro Luis Bárcenas, que está preso, que mantivesse o silêncio sobre a contabilidade paralela do partido. "Firme", escreveu-lhe, em mensagens que o jornal El Mundo divulgou ontem.
Rajoy, que chegou a sugerir não falar há muito com o que foi tesoureiro do PP entre 2011 e 2013, ao dizer que não se lembrava sequer da última vez que o tinha feito, manteve contacto frequente com Bárcenas até Março - trocaram mensagens, encontraram-se e telefonaram-se. E foi o tesoureiro quem rompeu a relação, que era próxima, quando considerou que o partido lhe estava a dificultar a defesa.
"Mariano, o comportamento dos advogados do partido esta tarde foi vergonhoso. Não deixaram que as pessoas que enviei verificassem as caixas que estavam no escritório que me autorizaste a usar. Vocês devem saber que jogo estão a fazer, mas considero-me livre de qualquer compromisso para contigo e para com o partido", diz a mensagem de 14 de Março que marca a ruptura entre o chefe do Governo (e dos populares) e Bárcenas, que está preso.
O antigo tesoureiro (nomeado por Rajoy para o cargo) estava a ser investigado por uma rede de corrupção entre os populares quando se soube que (ou quando disse) o PP tem, há 30 anos, uma contabilidade paralela. Bárcenas mantinha contas secretas na Suíça (47 milhões de euros), nos Estados Unidos e em Espanha, tendo o dinheiro origem em formas de financiamento ilegal - as empresas pagavam para receber, em troca, contratos em zonas geridas pelos conservadores. Do "saco azul" saía o dinheiro pago por baixo da mesa a alguns políticos, entre eles ministros, e Rajoy surge na lista de beneficiários que constam dos "papéis" Bárcenas - o tesoureiro registava literalmente todos os movimentos de dinheiro do PP.
O El Mundo explicava que Bárcenas fez muita questão de divulgar as mensagens trocadas com Rajoy depois de um membro do partido, o porta-voz da maioria parlamentar, Alfonso Alonso, lhe ter chamado "delinquente". A mesma palavra foi usada ontem pelo vice-secretário-geral da Organização Eleitoral do Partido Popular, Carlos Floriano, ao dizer que as mensagens provocaram "zero de preocupação" - são apenas a "prova material" de um acto de "chantagem" de um "delinquente" que não conseguiu o que queria.
O que queria Bárcenas antes de romper com o partido? Possivelmente, apoio e protecção. O que quis ao fazer a divulgação das mensagens é igualmente claro: a ter que cair, não cair sozinho, porque não estava sozinho no esquema. O próprio presidente do partido conhecia a existência da contabilidade paralela, beneficiou dela e sabia que existiam registos armazenados num gabinete que ele próprio cedeu ao ex-tesoureiro. Apesar de o ter negado.
A catadupa de revelações poderá aumentar hoje, quando Luis Bárcenas começar a ser ouvido na Audiência Nacional pelo juiz que preside à investigação, Pablo Rus (tem nas mãos também o "caso Gürtel").
Para os principais partidos da oposição parlamentar, porém, os emails e SMS fizeram com que se rompesse a cautela com que estavam a gerir a crise política neste país mergulhado também na crise económica e intervencionado, ainda que num grau menor ao de Portugal, Irlanda ou Grécia.

Apelo à "gente honesta"

Ontem, o líder do Partido Socialista Operário Espanhol, Alfredo Rubalcaba - que levantara a possibilidade de apresentar uma moção de censura contra o Governo, quando fosse "oportuno para os interesses da Espanha e dos espanhóis" -, exigiu a demissão imediata de Rajoy e falou em clima político "insustentável". Anunciou que o PSOE rompeu todos os laços com o PP.
"Houve mentiras, uma ausência clamorosa de explicações e muita conveniência", disse Rubalcaba. "O senhor Rajoy está incapacitado para seguir um minuto mais que seja à frente do Governo de Espanha. A sua permanência consiste num dano incalculável para o país. A gravidade da situação coloca-nos num ponto sem retorno", disse o socialista, citado pelo El País.
A Esquerda Unida fez questão de sublinhar o que os populares tentam negar: que Bárcenas é um homem do PP. O porta-voz do partido no Parlamento, José Luis Centella, pediu tabém a demissão de Rajoy e a marcação de eleições antecipadas.
Os analistas políticos espanhóis escreviam ontem que o escândalo pode não derrubar Rajoy, para já. O Partido Popular domina o Parlamento por larga maioria e só uma fractura interna ou uma iniciativa pessoal poderia fazer cair o executivo. Cenários que não estão em cima da mesa, mas a Esquerda Republicana da Catalunha aconselhou que se siga um desses caminhos - apelou à "gente honesta" do PP para que uma moção de censura surja dentro do próprio partido e acabe com o executivo Rajoy.

"Mantém-te forte"


Os emails e os SMS divulgados pelo ex-tesoureiro do PP foram trocados entre Maio de 2011 e Março deste ano. Nesse período também houve encontros e telefonemas. Nos textos, Rajoy tenta acalmar Bárcenas: "Luis, não é fácil, mas vamos fazer o que pudermos. Ânimo". A 18 de Janeiro de 2013 as relações são de amizade: "Podes contar sempre comigo e estou grato pelo apoio que sempre me deste pessoalmente", escreve Luis Bárcenas. No dia em que o El Mundo publicou cópias dos papéis da contabilidade paralela dos populares, e 48 horas depois de se saber que Bárcenas guardava 47 milhões de euros na Suíça, Rajoy enviou uma mensagem que está a ser lida como um incentivo a que se mantenha em silêncio. "Luis, eu percebo-te. Mantém-te forte. Ligo-te amanhã".

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