domingo, 21 de abril de 2013

Ponto de viragem?

“Se Passos tem de dar o braço a torcer, por muito que isso lhe custe, Seguro tem de sair dos slogans fáceis e descer à dura realidade. Nacional e europeia. Serão ambos capazes? É bom que sejam, porque uma coisa é certa: esta é a prova final das duas lideranças. Se falharem, então a sua responsabilidade será enorme pelo fracasso do país e pelo sacrifício das pessoas.”

"Não é fácil ao primeiro-ministro mudar de rumo, alterando as suas próprias convicções, quando continuamos dependentes dos nossos credores externos. Passos está a tentar fazê-lo sem perder completamente a face e a retórica, nem perder o controlo do processo."

Ponto de viragem?
Por Teresa de Sousa in Público

Passos Coelho está a tentar mudar sem perder completamente a face nem o controlo do processo

1..Subitamente, as coisas começaram a mudar. Em Portugal e na Europa. Nem sempre no bom sentido, mas exigindo outra forma de encarar a realidade. Comecemos pela realidade doméstica. Talvez para dizer, em primeiro lugar, que a "substituição" de Relvas não foi uma simples substituição. Podemos não querer ver nela uma verdadeira "remodelação", como pretendia o CDS/PP ou defendiam muitas cabeças pensantes da própria coligação. Mas temos de ver nela uma tentativa de Passos Coelho para alterar o rumo sem perder o controlo do processo. Essa mudança de rumo não resulta apenas da pressão dos credores, que tinham inscrito no template para o programa de ajustamento português o "consenso político e social" como cláusula indispensável. O primeiro-ministro terá finalmente percebido que estava a avançar demasiado depressa em direcção ao muro e que, nesse caminho, estava cada vez mais isolado. O Tribunal Constitucional, com a sua decisão fora da realidade e do tempo, acabou por servir-lhe de desculpa para justificar a mudança que se vê compelido a fazer.
A sua ideia (e a de Vítor Gaspar) para enfrentar a crise falhou em grande medida. E essa ideia era simples: aproveitar a crise para destruir os sectores da economia que via como anacrónicos - do pequeno comércio desactualizado à construção civil; desvalorizar por via dos salários, empobrecendo a generalidade das pessoas para aumentar rapidamente a competitividade da economia. As suas contas estavam erradas. A economia não reagiu como o previsto, as metas do défice falharam sistematicamente e a dívida continuou a subir. Tudo isto, com um custo social tremendo em matéria de desemprego, que só mesmo Passos e Gaspar (bem acompanhados pela troika) não conseguiram antecipar. Sobrou a imagem do "bom aluno" que, mesmo essa, começa a ser seriamente posta em causa e sê-lo-á ainda mais, se não se traduzir em resultados.

Não é fácil ao primeiro-ministro mudar de rumo, alterando as suas próprias convicções, quando continuamos dependentes dos nossos credores externos. Passos está a tentar fazê-lo sem perder completamente a face e a retórica, nem perder o controlo do processo.

2. É aqui que entra a escolha de Poiares Maduro para ministro adjunto, que é, em si própria, um autêntico discurso político. Passos foi buscá-lo às margens do PSD e não ao aparelho. Escolheu um académico que pode ter pouca experiência na gestão das coisas reais, que desconhece, provavelmente, a realidade económica do país, mas que tem uma visão clara sobre a Europa, que sempre faltou ao Governo, remetido para o seu estatuto de aluno diligente da chanceler alemã. A tónica do discurso do primeiro-ministro poderá agora (e ao contrário do que fez até aqui) centrar-se na "questão europeia" nas suas várias dimensões. Internamente, a novíssima e (ainda) contrafeita mão estendida ao PS pode ser feita em nome do "consenso europeu" que os dois maiores partidos do sistema sempre quiseram manter e que inclui a pertença ao euro. Será mais difícil a Seguro rejeitá-la, justamente porque o líder socialista sempre incluiu a Europa nas suas propostas e nas suas críticas ao Governo.
Com uma pressa que apenas revela o "aperto" em que o Governo se encontra, Passos Coelho anunciou um novo Conselho de Ministros extraordinário, na próxima terça-feira, para aprovar um plano de relançamento da economia. Álvaro Santos Pereira deverá apresentá -lo. Mas isso não significa que seja o principal responsável pela sua execução. Passos, via Maduro, decidiu concentrar em si a gestão dos fundos comunitários, que são, em boa medida, aquilo com que podemos contar para estimular a economia. Mais uma vez, mostrando a Portas que não lhe entregará esta dimensão hoje fundamental da política do Governo, mesmo que a tenha retirado à mão de ferro das Finanças. Com um acrescento importante. Por muito que lhe custe, Passos também quer liderar o processo de aproximação ao PS - coisa para a qual, até agora, o líder do CDS/PP se sentia como o mais vocacionado.

3. Com as peças a mudar rapidamente na estratégia do Governo, o líder do Partido Socialista enfrenta, talvez, a sua prova de vida mais difícil. Já teve de engolir as eleições, que pediu manifestamente antes de tempo. Não lhe basta lembrar todos os dias que algumas das intenções agora apresentadas por Passos, ele já as tinha defendido há um ano. Isso não chega. Vai ter de se sentar à mesa das negociações com propostas muito mais sólidas e mais realistas. Não lhe basta dizer que chega de austeridade. Precisa de ter um verdadeiro programa para inverter a espiral recessiva, sem pôr em causa a vertente europeia, que possa negociar com o Governo. A esmagadora vitória que obteve na reeleição só servirá para alguma coisa se lhe der margem de manobra para esta negociação.
Se Passos tem de dar o braço a torcer, por muito que isso lhe custe, Seguro tem de sair dos slogans fáceis e descer à dura realidade. Nacional e europeia. Serão ambos capazes? É bom que sejam, porque uma coisa é certa: esta é a prova final das duas lideranças. Se falharem, então a sua responsabilidade será enorme pelo fracasso do país e pelo sacrifício das pessoas.

4. Falta a dimensão europeia. A partir do resgate a Chipre, toda a gente percebeu que Berlim mudou de rumo no sentido de que, a partir de agora, os países com necessidade de ajuda financeira da Europa vão ter de pagar mais qualquer coisa do que as simples medidas de austeridade e as reformas estruturais. Onde está Portugal nesta viragem? Aparentemente, a Alemanha continua a querer que se mantenha como o "bom aluno", provando, com a Irlanda, que a "receita" definida em Berlim não estava, afinal, completamente errada. Foi o que disse Wolfgang Schäuble no Bundestag, no final da semana passada, quando foi aprovada a ajuda a Chipre e o prolongamento das maturidades dos empréstimos a Portugal e à Irlanda. Foi o que disse também o membro alemão do conselho executivo do BCE, Joerg Asmussen, ao colocar Portugal, mesmo que atrás da Irlanda, no caminho para o regresso aos mercados.

Como é que o Governo se vai situar nesta porta estreita para o "sucesso"? Que margem de manobra ainda tem? O que pretende negociar com os credores? É também neste terreno que o "consenso europeu" tem de ser reconstruído. Até porque, na Europa, nem tudo está a correr da melhor maneira. A união bancária, cujo calendário ficou acordado na cimeira europeia de Dezembro, foi enviada para as calendas pelo ministro das Finanças alemão. Bastou-lhe considerar publicamente que ela não pode ser realizada sem alteração aos tratados, que, por seu lado, são muito difíceis de conseguir no curto prazo. E essa seria uma condição importantíssima para atenuar as dificuldades de acesso aos mercados dos países sujeitos a programas de ajustamento. Por outro lado, o novo partido Alternativa para a Alemanha que acaba de ser criado - não pela extrema-direita que a chanceler tanto temia (e com razão), mas por um grupo de académicos, juristas, economistas, tecnocratas - pode reduzir ainda mais margem de manobra de Merkel em matéria europeia. O objectivo do novo partido é o fim dos resgates (que considera ilegais face aos tratados) e uma dissolução ordeira da união monetária. A mossa que possa vir a fazer à CDU nas eleições de Setembro ainda é difícil de avaliar. Mas a sua simples presença vai obrigar, provavelmente, ao endurecimento do discurso da chanceler pelo menos até às eleições. Até lá, só resta à Europa navegar à vista e rezar para não embater numa rocha.

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