segunda-feira, 29 de abril de 2013

"IN GREED WE TRUST"

"Os swaps são a normalidade no casino em que se tornou o capitalismo financeiro. Uma normalidade que foi aceite por aqueles que ocupam lugares que deveriam servir para defender os nossos interesses. Por isso, não se façam, por favor, de virgens escandalizadas e de pregadores de bons costumes. Afinal de contas, são clientes habituais deste bordel. Seus acérrimos defensores. Para não dizer que são seus funcionários."



Neste casino, os swaps são a normalidade


Daniel Oliveira 8:00 Segunda feira, 29 de abril de 2013 in Expresso online
O governo está chocado com os negócios de alto risco que os gestores de empresas públicas andaram a fazer com o nosso dinheiro, através da troca (swap) de taxas de juros variáveis por taxas fixas. A coisa, do ponto de vista do devedor, parece, quando os juros estão a subir (e foi o caso do momento em que a maioria destes contratos foram assinados), previdente. Sendo um ato comum de gestão, à época, é bom negócio se os juros sobem, uma tragédia se eles descem.
Só que, na realidade, porque não se tratava apenas da fixação de uma taxa de juro fixa, mas de um produto tóxico bem mais complexo para especulação financeira com dinheiros públicos, a coisa é um pouco mais grave. Seja como for, a Euribor desceu e as empresas estão a pagar juros muito acima dos praticados e têm dívidas muitíssimo superiores ao que lhes foi emprestado. Porque as instituições financeiras são hoje casinos e nos casinos o cliente perde sempre.
O PSD e o CDS vão abrir uma comissão parlamentar de inquérito. Querem saber o que Sócrates andou a fazer, claro. Não estarão muito interessados em saber o que os governos de Santana e Durão fizeram quando usaram este mesmo expediente. E já se livraram dos seus secretários de Estado que aprovaram essas operações quando eram gestores de empresas. Para que as coisas não pareçam o que são: responsabilidade de um bloco central de gestores e políticos. Agora, que a bomba lhes rebentou nas mãos, é preciso fazer o jogo do costume: atirar as culpas para o lado de lá e no meio ainda apanhar alguns inimigos internos da maioria.
O governo diz que está fulo com os bancos. Quer renegociar e, quem sabe, levar as coisas à justiça. Não pagar a parte especulativa de um negócio que só pode resultar da cumplicidade que sempre existiu, e continua a existir, entre o sector financeiro e a política (quantos ex-ministros estão em administrações de bancos?), não lhes passará pela cabeça.
Ainda assim, há uma evolução: os bancos que lucraram com esta desgraça já não são apenas os nossos credores, com os quais temos de cumprir os nossos compromissos, que assinámos de livre vontade. Já não ouvimos o discurso moralista, as comparações com a economia doméstica das famílias, a ética do bom pagador submisso que fez asneira e tem de pagar por ela. Já não nos dizem que se tivesse corrido bem estaríamos a lucrar e como correu mal temos de pagar. Já não se põem no lugar do homem honrado que cumpre o que assina.
Afinal, a relação dos Estados, dirigidos por gente sem coluna vertebral e à espera de boas carreiras no privado, com a finança tem mesmo sido a de um jogo em que há um lado que ganha sempre e outro que se lixa: o contribuinte. Afinal, os que desconfiam que alguns "compromissos" que os Estados firmaram com os credores não são mais do que uma forma extorsão não são "caloteiros" e "irresponsáveis".
Curioso ver como a cândida fé nos mercados e na banca se evaporou no segundo em que o governo percebeu que uma bomba lhe rebentaria nas mãos e ela não poderia, de forma fácil, ser vendida como responsabilidade exclusiva da outra parte do bloco central. Claro que o governo está a tentar vender a mesma história de sempre. Mas, azar dos azares, entre os que assinaram estes negócios ruinosos para as nossas empresas públicas, que sugaram mais dinheiro do que aquele que os insuportáveis aumentos nas tarifas dos transportes públicos, estava gente deste governo.
Exposto o bloco central, resta a retórica indignada contra a banca. Que suspeito que acabará em nada. Mas talvez faça escola. Talvez finalmente se perceba que o jogo está viciado. E que em jogos viciados não se aplicam as regras que funcionam entre cavalheiros. Talvez seja altura de, percebendo que é assim que as coisas agora funcionam, abandonarmos os velhos discursos da ética do devedor. E mandarmos o jogo abaixo. Ou eles, ou nós, assim deveria pensar quem nos representa. Governos que se batessem pelos interesses dos cidadãos até às últimas consequências. Usando todo o poder que têm e que ainda é, se quiserem, algum.
Estes swaps não são um escândalo, uma anormalidade, um abuso. São tão escandalosos comi a impossibilidade do BCE financiar diretamente os Estados que o sustentam para que estes sejam obrigados a se entregar à especulação com as dividas soberanas, engordando os bancos, que compram a dívida dos Estados para os BCE lhes comprar a eles. São tão anormais como as agências de notação que, com interesses diretos nesta especulação, brincam ao sobe e desce dos ratings em momentos convenientes. São tão abusivos como a nacionalização dos prejuízos dos bancos a quem o jogo, mesmo quando está viciado, corre mal.
Os swaps são a normalidade no casino em que se tornou o capitalismo financeiro. Uma normalidade que foi aceite por aqueles que ocupam lugares que deveriam servir para defender os nossos interesses. Por isso, não se façam, por favor, de virgens escandalizadas e de pregadores de bons costumes. Afinal de contas, são clientes habituais deste bordel. Seus acérrimos defensores. Para não dizer que são seus funcionários.

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